México diminui autonomia da agência eleitoral que ajudou a acabar com o regime de partido único

Mudanças ocorrem anteriormente à eleição presidencial do próximo ano e fazem parte de um padrão de desafios às instituições democráticas que ocorre por todo o Hemisfério Ocidental

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Por Natalie Kitroeff
Atualização:

CIDADE DO MÉXICO — Os legisladores do México aprovaram medidas abrangentes para reformar a agência eleitoral do país na quarta feira, desprendendo um golpe contra a instituição que supervisiona as eleições mexicanas e que ajudou, duas décadas atrás, a afastar a nação do regime de partido único que a governava.

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As mudanças — que cortarão a equipe da agência eleitoral, diminuirão sua autonomia e limitarão sua capacidade de punir políticos que violem regras eleitorais — são as mais significativas de uma série de manobras do presidente mexicano no sentido de minar as frágeis instituições do país, parte de um padrão de desafios a normas democráticas que ocorre por todo o Hemisfério Ocidental.

O presidente Andrés Manuel López Obrador, cujo partido e seus aliados controlam o Congresso, argumenta que as medidas economizarão milhões de dólares e tornarão as eleições mais eficientes. As novas regras também buscam facilitar para mexicanos que vivem no exterior votar por meio de ferramentas online.

López Obrador tem protestado contra as autoridades eleitorais mexicanas desde sua fracassada candidatura presidencial em 2006, quando perdeu por menos de 1% dos votos Foto: Luis Antonio Rojas/The New York Times

Mas críticos — incluindo alguns que trabalharam ao lado do presidente — afirmam que a reforma é uma tentativa de enfraquecer um pilar fundamental da democracia mexicana. A liderança do partido do presidente no Senado qualificou-a como inconstitucional.

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Agora um outro teste se apresenta: a Suprema Corte, que cada vez mais torna-se alvo da ira do presidente, deverá ouvir uma argumentação em desafio às medidas nos próximos meses.

Se as mudanças permanecerem, autoridades eleitorais afirmam que será difícil realizar eleições livres e justas — incluindo na crucial disputa presidencial no próximo ano.

“O que está em jogo é se teremos ou não um país com instituições democráticas e estado de direito”, afirmou Jorge Alcocer, que trabalhou no Ministério do Interior sob López Obrador. “O que está em risco é o respeito ao voto.”

A agência, chamada Instituto Nacional Eleitoral (INE), ganhou reconhecimento internacional por facilitar eleições limpas no México, pavimentando o caminho para a oposição conquistar a presidência em 2000 depois de décadas de governo de um único partido.

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Mas desde que perdeu a eleição presidencial em 2006, por menos de 1% de margem, López Obrador tem argumentado repetidamente, sem apresentar evidências, que a agência na verdade perpetrou fraude eleitoral — uma alegação que remete às teorias conspiratórias de fraude em eleições nos Estados Unidos e no Brasil.

O ceticismo do líder mexicano a respeito da eleição de 2006 foi ecoado ano passado até pelo embaixador americano no México, Ken Salazar, que disse ao New York Times que ele também tinha dúvidas em relação à veracidade dos resultados.

O conselheiro mais graduado do presidente Joe Biden para América Latina esclareceu posteriormente que o governo americano reconhece o resultado daquela eleição. A Embaixada dos EUA no México tem enviado relatórios para Washington analisando possíveis ameaças à democracia no país, de acordo com três autoridades americanas sem autorização para falar publicamente.

Mas ainda que alguns legisladores tenham expressado preocupação a respeito das mudanças eleitorais, o governo Biden mal se pronunciou publicamente quanto ao assunto.

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López Obrador cercado por simpatizantes durante seu comício no ano passado Foto: Luis Antonio Rojas/The New York Times

Washington vê pouca vantagem em provocar López Obrador e acredita que as instituições mexicanas são capazes de defender a si mesmas, afirmaram várias autoridades americanas.

O presidente mexicano continua extremamente popular, e seu partido, Morena, figura à frente nas pesquisas para a eleição presidencial de 2024. Uma protegida política de López Obrador deverá ser a candidata do partido.

Essa dinâmica deixa muitos no México pensando: por que pressionar por mudanças capazes de suscitar dúvidas a respeito da legitimidade de uma eleição na qual seu partido é favorito?

“Estamos buscando economizar dinheiro sem afetar o trabalho do INE”, afirmou em entrevista o porta-voz do presidente, Jesús Ramírez, referindo-se à agência eleitoral pelo acrônimo que a identifica. O presidente tem uma política de austeridade de “déficit zero”, afirmou ele, e preferiria gastar dinheiro público em “investimentos sociais, saúde, educação e infraestrutura”.

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López Obrador afirmou que pretende desinchar a burocracia. “O sistema eleitoral será melhorado”, afirmou López Obrador em dezembro. “Vamos encolher algumas áreas para que mais possa ser feito com menos.”

Muitos concordam que o gasto pode ser diminuído, mas dizem que as mudanças adotadas na quarta-feira colocam fim ao papel mais fundamental da agência: supervisionar as eleições.

Autoridades eleitorais afirmam que a reforma as forçará a eliminar milhares de funcionários — incluindo a vasta maioria de trabalhadores que organizam eleições localmente e instalam postos de votação em todo o país. A mudança também limita o controle da agência sobre seus próprios gastos e lhe retira a atribuição de desqualificar candidatos por violações em gastos de campanha.

Uuc-kib Espadas, membro do conselho administrativo da agência, afirmou que as mudanças poderiam resultar “na incapacidade de instalar um número significativo de postos de votação, privando milhares ou centenas de milhares de pessoas do direito ao voto”.

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Ramírez qualificou essas preocupações como “um exagero” e afirmou que “não haverá demissões em massa” na agência.

Mas o presidente mexicano não esconde seu desprezo pela instituição que seu partido tem atualmente na mira.

Após as autoridades eleitorais confirmarem sua derrota, em 2006, López Obrador liderou milhares de apoiadores em protestos que paralisaram a capital por semanas.

Por fim ele tirou seus seguidores das ruas, mas nunca parou de falar a respeito do que qualifica como “a fraude” de 2006.

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Vendedores indígenas vendendo artesanato durante a manifestação de López Obrador na Cidade do México no ano passado Foto: Luis Antonio Rojas/The New York Times

“Ele se ressente da autoridade eleitoral”, afirmou Alcocer, a ex-autoridade do ministério do Interior. “Esse ressentimento o faz agir de maneira irracional sobre esse tema.” López Obrador nem sempre pareceu determinado em enxugar o organismo eleitoral.

Alcocer afirmou que, quando foi chefe de gabinete da ministra do Interior, de 2018 a 2021, ele e sua equipe propuseram estudar possíveis mudanças eleitorais, mas o presidente disse que isso não seria uma de suas prioridades.

E então a agência eleitoral começou a atrapalhar a agenda de López Obrador.

Em 2021, o organismo desqualificou dois candidatos de seu partido em uma disputa para cargos eletivos por eles não terem declarado contribuições de campanha relativamente pequenas — decisões questionadas por alguns dentro da instituição. “Foi uma sanção desproporcional”, afirmou Espadas.

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Logo o presidente começou a gastar muito mais tempo falando a respeito da agência — normalmente de forma negativa. Em 2022, ele a mencionou em conferências de imprensa duas vezes mais frequentemente do que em 2019, de acordo com a agência.

López Obrador denunciou a agência qualificando-a como “podre” e “antidemocrática” e transformou seu diretor — um advogado chamado Lorenzo Córdova — em saco de pancada, classificando-o como “uma fraude sem princípios”.

Córdova, que foi nomeado pelo Congresso mexicano, saiu em sua própria defesa respondendo ao presidente diretamente em uma torrente de entrevistas a meios de comunicação e conferências de imprensa.

“É uma estratégia política muito evidente acusar o INE de ser uma autoridade enviesada e parcial”, afirmou Córdova em entrevista, referindo-se à agência por suas iniciais. “Qual é o nosso dilema enquanto autoridade? Como lidamos com isso? Se não dissermos nada publicamente estaremos validando as declarações do presidente.”

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Os críticos de López Obrador vibraram com a disposição de Córdova em desafiá-lo. Mas alguns no México têm dúvidas a respeito do tom que ele adotou. “Ele não deveria responder ao presidente tão visceralmente e com tanta raiva”, afirmou Luis Carlos Ugalde, que dirigiu a agência de 2003 a 2007, acrescentando: “isso gera um desejo maior do outro lado, do Morena, de atacar e destruir o instituto”.

Córdova defendeu sua atitude. “É muito fácil julgar olhando de fora”, afirmou Córdova. “Fui eu que tive de dirigir esta instituição em seu pior momento.” O mandato de Córdova termina em abril. O Congresso, controlado pelo partido do presidente, elegerá quatro novos membros para compor o órgão administrativo da agência. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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