THE NEW YORK TIMES, CIDADE DO MÉXICO - Em um abrigo na Cidade do México, a freira responsável pela administração fez outro anúncio difícil a mães e crianças que chegavam na quarta-feira: não havia mais espaço. Quinhentos migrantes já lotavam o centro de acolhimento, com capacidade de abrigar 100 pessoas.
Ao sul, próximo à fronteira mexicana com a Guatemala, pessoas fartas de tanto esperar atacaram um escritório de ajuda a refugiados na segunda-feira após semanas aguardando atendimento para receber os documentos que lhes permitiriam seguir viagem para o norte.
E em Tijuana, quase todos os 32 abrigos municipais estavam lotados esta semana, conforme migrantes de aproximadamente 70 países esperavam pelo atendimento para solicitação de asilo dos EUA ou uma chance de se esgueirar através da fronteira.
Cenas similares ocorrem em todo México conforme o sistema imigratório do país é pressionado por uma maré de gente desesperada tentando rumar para o norte. O aumento desmedido tem ocasionado respostas confusas no México, entre interdições de ferrovias que rumam para o norte e transportes de pessoas em ônibus para regiões com menos migrantes.
As autoridades americanas também estão lidando com uma nova onda de travessias ilegais que pressiona recursos do governo e dificulta a situação de autoridades locais à medida que milhares de migrantes são liberados da custódia das autoridades federais. Na quarta-feira, milhares de pessoas cruzaram para Eagle Pass, Texas, levando o prefeito a declarar estado de emergência e a um acionamento de 800 militares na ativa para ajudar a processar as chegadas.
No México, o número de sul-americanos supera o de centro-americanos pela primeira vez desde que os dados começaram a ser coletados. As autoridades mexicanas registraram 140.671 migrantes de países sul-americanos nos primeiros sete meses do ano, em comparação a 102.106 centro-americanos, com números-recorde de venezuelanos e equatorianos.
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Esses padrões migratórios em mudança são particularmente visíveis na região do “tampão” de Darién, o trecho de floresta densa que conecta Colômbia e Panamá. Os migrantes que mais atravessam são venezuelanos e equatorianos; e uma explosão na quantidade de travessias produziu uma indústria de milhões de dólares.
Em 2022, cerca de 250 mil pessoas atravessaram a selva de Darién, um recorde anual. Até 18 setembro deste ano, o número de travessias tinha aumentado para 380 mil, segundo autoridades panamenhas.
Vários fatores impulsionam o êxodo. Na Venezuela, a economia engasgou novamente, depois de sinais recentes de uma melhora desigual. No Equador, a violência relacionada ao narcotráfico foi às alturas, e o assassinato recente de um candidato presidencial deixou muitos sem esperança de que a situação possa melhorar.
Autoridades guatemaltecas afirmam ter observado um aumento notável no número de migrantes nas últimas três semanas e planejam mandar mais soldados e policiais para intensificar a segurança na fronteira.
Ainda que não haja nenhuma estimativa oficial, o Comitê Internacional de Resgate afirma que aproximadamente 5 mil pessoas chegam diariamente à fronteira sul do México para serem processadas pela agência de ajuda a refugiados na cidade de Tapachula. Outros milhares de migrantes que não se registram seguem caminho para o norte clandestinamente.
Até aqui, a agência recebeu 99.881 solicitações de asilo, um número sem precedentes, de acordo com dados fornecidos pelo governo. O México deverá receber cerca de 150 mil solicitações de asilo em 2023, um recorde, de acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados. Em 2022, o México processou 118.570 solicitações.
Para Rafael Velásquez, diretor para o México do Comitê Internacional de Resgate, os problemas mais preocupantes são as necessidades básicas das pessoas que chegam ao sul do país.
“Antes, as pessoas procuravam nossas equipes com frequência para pedir orientação jurídica, mas o que nós estamos vendo agora é gente pedindo água, comida, cuidados muito básicos; e na nossa opinião isso é muito preocupante”, afirmou ele. Normalmente, picos de migração parecem reações em cadeia do sul para o norte no México, mas “nós estamos observando concentrações de migrantes simultâneas por todo o país”, afirmou Velásquez.
A situação do Instituto Nacional de Migração do México, que cambaleia desde um incêndio num centro de detenção em Ciudad Juárez que matou 39 migrantes, torna a situação ainda mais complexa, de acordo com especialistas em migração. O diretor da agência, Francisco Garduño, é acusado de crimes relacionados ao incêndio mas continua a dirigir a entidade. A maioria dos centros de detenção foi fechada anteriormente a um escrutínio da Comissão Nacional de Direitos Humanos.
Além disso, a Suprema Corte do México decidiu em março que é inconstitucional deter migrantes por mais de 36 horas, já que ser indocumentado é uma infração administrativa, não criminal.
Usando uma combinação de agentes de imigração e dezenas de milhares de soldados da Guarda Nacional, o México continua a impedir grandes números de migrantes de chegar ao norte — 317.334 nos primeiros sete meses deste ano. Mas a maioria é liberada dentro do México: o número de deportações caiu 55%, para 34.557, nos primeiros sete meses de 2023 em comparação com o mesmo período do ano passado, de acordo com dados do governo.
Na quarta-feira, o presidente Andrés Manuel López Obrador afirmou que o mundo lida equivocadamente com a migração ao colocar foco em impedir o fluxo migratório e militarizar fronteiras em vez de abordar as causas fundamentais que forçam as pessoas a deixar seus lares. “As pessoas não deixam seu país por lazer; fazem isso por necessidade”, afirmou ele.
Enquanto o instituto mexicano de imigração não anunciou nenhuma mudança em políticas, advogados e agentes humanitários afirmam que as autoridades raramente têm detido as pessoas, em vez disso, as mantêm 36 horas dentro de ônibus ou instalações improvisadas, as enviam para o sul e depois as liberam com notificações de “partida voluntária” solicitando-lhes que deixem o país. A maioria faz meia-volta e tenta outra vez.
“Minha sensação é que eles agem completamente de improviso”, afirmou Gretchen Kuhner, diretora do Instituto para Mulheres em Migração, uma entidade mexicana, a respeito da agência de imigração do país. “Eles vão inventando uma série de maneiras novas de dissuadir imigrantes.”
O Instituto Nacional de Migração do México não respondeu a múltiplos pedidos de comentário.
Em terminais rodoviários de todo o norte mexicano os funcionários receberam ordens para parar de vender passagens para migrantes em razão das ameaças representadas tanto por autoridades policiais quanto pelos sequestros de grupos criminosos, de acordo com Ari Sawyer, que atua na área de pesquisa em fronteiras da ONG Human Rights Watch. “Nós estamos observando a polícia mexicana, a Guarda Nacional e agentes de imigração abordando ônibus em postos de controle”, afirmou.
Migrantes e funcionários de empresas de ônibus relatam que autoridades exigem dinheiro dos migrantes para permitir que eles continuem sua jornada para o norte.
De acordo com advogados e especialistas em imigração, as autoridades mexicanas também exigem dinheiro dos migrantes durante as breves detenções a bordo de ônibus do Instituto Nacional de Migração. Em alguns casos, os agentes dizem aos migrantes que o ônibus vai para uma cidade e, sem avisá-los, os deixam em outro lugar.
O transporte aleatório de pessoas pelas autoridades é mais frequentemente usado para afastá-las de regiões com grandes concentrações demográficas, como Tapachula, de localidades ao longo da fronteira com os EUA e da Cidade do México.
Kuhner afirmou que essa tática serve para exaurir os migrantes em múltiplas viagens pelo México, nas quais eles são vítimas de roubos, extorsões e violências sexuais de autoridades e grupos do crime organizado.
Mais recentemente, o Grupo México, que opera várias ferrovias do país, suspendeu temporariamente o funcionamento de 60 linhas de trem que chegam ao norte após seis situações em que pessoas sofreram ferimentos ou morreram depois de embarcar clandestinamente. Autoridades de migração também anunciaram que aumentarão fiscalizações ao longo das ferrovias.
Migrantes rumando para o norte com frequência passam dias no trem de carga conhecido como “a besta” ou “trem da morte”, porque muitos caem dos vagões perdendo membros ou morrendo, que os deixa em Ciudad Juárez, bem diante da fronteira para El Paso, Texas.
A empresa emitiu um comunicado na tarde da terça-feira afirmando que foi “forçada a impedir o movimento de trens de carga para proteger a integridade de pessoas migrantes”.
O Instituto Nacional de Migração afirmou na quarta-feira que, até o fim deste mês, cerca de 3 mil migrantes tentaram alcançar a fronteira norte de trem. A agência acrescentou que acionará mais agentes federais ao longo das rotas ferroviárias para dissuadir migrantes de arriscar suas vidas.
Muita gente está disposta a empreender essas jornadas perigosas e exaustivas no México para arriscar cruzar clandestinamente a fronteira americana. “Nós chegamos a este ponto crítico”, afirma Sawyer. “As pessoas estão perdendo a esperança.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO
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