A sobriedade da primeira cadeia nacional de rádio e televisão convocada por Javier Milei, acompanhado de seus ministros, não poderia ser mais simbólica do que aquilo que seria apresentado na sequência: mais de trinta medidas para revogar leis, normas, portarias e aparatos que, segundo o presidente ultra-libertário, limitavam a liberdade econômica da população argentina e freavam o crescimento do país vizinho.
Invocando a História ao longo de seu discurso, recheado de dados estatísticos e adjetivos políticos contra aquilo que chama de “a casta”, o novo presidente rompeu com o mistério que há uma semana rondava o seu entorno. Quais medidas radicais seriam, de fato, tomadas? Com um macrodecreto, assim chamado pela imprensa argentina, Milei tentou dar o primeiro passo em direção à sua prometida reforma do Estado, mote de sua campanha e reforçado no discurso de posse há uma semana.
As medidas não surpreendem, como a revogação de leis que regulam as relações econômicas e comerciais e a extinção de normas relacionadas ao comércio exterior. Para quem, assim como eu, assistiu ao vivo ao discurso de Milei, a surpresa ocorreu mais com relação ao estágio atual da burocracia da vida social e econômica argentina do que com as próprias medidas em si, ao menos sob um olhar brasileiro. Nesse sentido, o Brasil está anos-luz à frente da Argentina no que tange, de fato, à liberdade econômica e comercial.
A grande questão, talvez a mais importante deste primeiro teste de Javier Milei, é a maneira como tais revogações foram propostas, ou seja, por meio de um decreto presidencial, algo pouco usual no ordenamento jurídico brasileiro, por exemplo. As críticas, tão rápidas quanto a desvalorização do peso argentino, que surgiram logo após o anúncio destas medidas, se concentram não no conteúdo das mesmas, mas sim na forma como foram apresentadas. Para os críticos, tanto progressistas quanto liberais, o entendimento era de que este decreto deveria ser apreciado primeiro no Congresso da Argentina, e só depois anunciado; para alguns, como o ex-presidente Alberto Fernández, um dos responsáveis pela atual crise inflacionária argentina, o anúncio de Milei beirou ao autoritarismo.
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As propostas radicais de fechamento do Banco Central argentino e de dolarização total da economia ficaram de fora deste primeiro teste, uma vez que o novo governo, e seus parlamentares, terão agora um excelente termômetro para mensurar sua aceitação, aprovação e, sobretudo, eficácia no combate à deterioração da economia argentina.
Se tais medidas forem aprovadas, o que demandará uma custosa negociação com a oposição, Milei se credenciará para voos mais altos – não nas Aerolineas Argentinas, colocadas na ordem do dia da privatização – e para a implementação de novos decretos. Restará saber se a liberdade democrática coexistirá com a sua homóloga econômica. O novo governo e a sociedade argentina terão um longo caminho até alcançar a estabilidade, tão importante quanto a liberdade.
*Roberto Georg Uebel é economista e professor de Relações Internacionais da ESPM
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