Desde o fim do primeiro turno, o consenso entre analistas era de que os dois candidatos a presidência da Argentina teriam que negociar para conseguir aprovar os seus projetos. Com Javier Milei eleito, o libertário terá de se esforçar para ter governabilidade, principalmente por conta da representação da coalizão Liberdade Avança no Congresso argentino. A coalizão tem 38 deputados e oito senadores, exigindo uma negociação para a aprovação de qualquer tipo de projeto.
“Milei chega ao poder como um presidente muito fraco no sentido de negociações. Terá que fazer muito para aprovar os seus projetos”, aponta María Lourdes Puente, cientista política e diretora da Escola de Política e Governo da Universidade Católica Argentina (UCA). “O presidente eleito precisa do Juntos pela Mudança para aumentar a sua bancada”, completa a especialista.
A candidata do Juntos pela Mudança nas eleições, Patrícia Bullrich, apoiou Milei no segundo turno, assim como o ex-presidente argentino, Mauricio Macri. Mesmo se Milei se juntar com a coalizão de Bullrich na Câmara dos Deputados, teria 120 congressistas, menos do que os 129 necessários para a maioria, e teria de negociar com alas do peronismo. É uma tarefa difícil, sobretudo pela promessa do libertário de romper com a casta política argentina.
O União pela Pátria, coalizão peronista de Sergio Massa, possuí a maior bancada com 108 deputados. No Senado, Milei tem uma bancada com oito senadores. O Juntos pela Mudança tem 24 e o União pela Pátria possuí 34 senadores.
“Muitos dos projetos que Milei quer aprovar vão precisar do Congresso, como o fim do Banco Central da Argentina”, aponta Puentes.
Racha do Juntos pela Mudança será importante para entender novo Congresso
De acordo com Paola Zuban, cientista política e diretora de pesquisa na consultoria Zuban Córdoba y Asociados, o racha entre os congressistas do Juntos pela Mudança será importante para entender como o novo Congresso argentino deve funcionar. “Após o primeiro turno, a coalizão se fragmentou muito, com uma parte apoiando Milei e outra ala rompendo com a coalizão, então precisamos entender como esse rompimento vai se desenvolver na prática”.
Para María Lourdes Puente, o ex-presidente argentino Mauricio Macri será muito importante na articulação política do presidente eleito. “Milei tem o benefício da dúvida, ninguém acreditava mais no Sergio Massa, mas Milei tem um capital político natural depois de ser eleito”, completa a analista.
A diretora da Escola de Política e Governo da Universidade Católica Argentina (UCA) destaca que Milei também deve precisar de governadores como Rogelio Frigerio, novo governante da província de Entre Rios. “O radicalismo também pode ser uma boa alternativa, mas nada é muito certo neste momento”.
Negociações com o Peronismo
Segundo analistas entrevistados pelo Estadão, Milei poderia negociar com alas do peronismo para aprovar projetos de lei.
“Milei teve uma votação muito grande em Cordoba e em Mendoza, o que pode fazer com que os governadores destas províncias possam eventualmente instruir os seus deputados a votarem em projetos de Milei”, destaca Paola Zuban.
María Lourdes Puentes ressalta que o novo governador de Cordoba, Martin Llaryora, que é de uma ala mais moderada do peronismo, poderia negociar com Milei, mas que as articulações precisam ser feitas logo no inicio do mandato do libertário, antes que os políticos comecem a pensar no próximo ciclo eleitoral e não estejam mais inclinados a negociar com Milei.
“Um desafio de toda a classe política na Argentina é gerar governabilidade e acredito que pelo menos no começo do mandato de Milei, muitos políticos estarão inclinados a isso, para honrar o voto dos argentinos”, afirma a diretora da Escola de Política e Governo da Universidade Católica Argentina (UCA).
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Vontade de negociar
Um dos maiores desafios de Milei será negociar com o que chama de “casta política”. O presidente eleito da Argentina se colocou como um outsider e disse que iria acabar com a classe dominante, reduzir o governo e fechar o banco central, cuja política monetária ruim, segundo ele, “rouba” dinheiro dos argentinos por meio da inflação.
“Tudo que Milei fez até agora nos fez pensar que o presidente eleito não tinha uma vocação conciliadora e que cria consensos. Ele chegou a dizer que negociar era um dos vícios da política, então é difícil imaginar ele fazendo isso agora, mas Milei precisa fazer isso”, disse a cientista política e diretora de pesquisa na consultoria Zuban Córdoba y Asociados.
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