ROMA - Milhares de simpatizantes do ditador fascista Benito Mussolini saíram às ruas neste domingo, 30, na Itália, 100 anos depois da famosa Marcha sobre Roma, que deu origem a duas décadas de regime fascista no país. Apoiadores vestidos de preto cantaram em homenagem ao ditador enquanto marchavam rumo à sua cripta em Predappio.
A multidão de 2.000 a 4.000 manifestantes, muitos ostentando símbolos fascistas e cantando hinos da época colonial da Itália, era mais numerosa do que nos anos anteriores. Em 28 de outubro de 1922, fascistas de camisa preta entraram na capital italiana, lançando um golpe dois dias depois, quando o rei da Itália deu a Mussolini o mandato para iniciar um novo governo.
A multidão em Predappio, local de nascimento e sepultamento de Mussolini na região norte da Emilia-Romagna, também foi aparentemente encorajada pelo fato de que um partido com raízes neofascistas está liderando um governo italiano pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial.
O túmulo de Mussolini tornou-se um local de peregrinação e é visitado todos os anos por dezenas de milhares de apoiadores. Embora a nova primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, tenha dito em seu primeiro discurso ao Parlamento na última semana que nunca sentiu “qualquer simpatia ou proximidade com regimes antidemocráticos, incluindo o fascismo”.
Os organizadores alertaram os participantes, que chegaram de tão longe quanto Roma, Bélgica e Estados Unidos, a não fazerem a saudação romana usada pelos fascistas, ou correriam o risco de serem processados. Ainda assim, alguns não resistiram quando a multidão parou do lado de fora do cemitério onde Mussolini está sepultado para ouvir orações e saudações da bisneta de Mussolini, Orsola.
Embora a lei italiana proíba a apologia do fascismo, raramente é legislação aplicada.
“Depois de 100 anos, ainda estamos aqui para homenagear o homem que este estado queria e que nunca deixaremos de admirar”, disse Orsola Mussolini, sob aplausos. Ela estava acompanhada por sua irmã Vittoria, que liderou a multidão em uma oração.
A multidão deu um grito final de “Duce, Duce, Duce!” em honra a Mussolini como ditador da Itália.
Ativistas antifascistas realizaram uma marcha em Predappio na sexta-feira, 28, para marcar o aniversário da libertação da cidade – e para evitar que os fascistas marchassem no exato aniversário da Marcha sobre Roma.
Dentro do cemitério neste domingo, admiradores faziam fila um grupo de cada vez para entrar em sua cripta, escondida em um canto dos fundos. Cada um recebeu um cartão de memória assinado por suas bisnetas com uma foto de um sorridente Mussolini segurando sua mão enluvada no alto em uma saudação romana. “A história vai provar que estou certo”, diz o cartão.
Neofacistas no poder
O fracasso da Itália em aceitar completamente seu passado fascista nunca foi mais evidente do que agora, já que a nova primeira-ministra, Giorgia Meloni, busca distanciar seu partido de extrema direita Irmãos da Itália de suas raízes neofascistas.
Esta semana, ela criticou a natureza antidemocrática do fascismo e chamou suas leis raciais, que enviaram milhares de judeus italianos para campos de extermínio nazistas, de “um ponto baixo”. Os historiadores também acrescentariam a aliança de Mussolini com a Alemanha nazista e o Japão na Segunda Guerra Mundial e sua desastrosa campanha colonial na África aos legados devastadores do fascismo.
Agora no poder, Meloni está buscando um curso moderado para um novo governo de centro-direita que inclui o partido Liga de Matteo Salvini e o Força Italia de Silvio Berlusconi. Mas sua vitória dá aos ativistas de extrema direita um sentimento de vingança.
“Eu teria votado em Lúcifer se ele pudesse vencer a esquerda”, disse o organizador Mirko Santarelli, que lidera a seção Ravenna da Arditi, uma organização que começou como um grupo de veteranos da Primeira Guerra Mundial e evoluiu para incluir a memória de Mussolini. “Estou feliz por haver um governo Meloni, porque não há nada pior do que a esquerda italiana. Não é o governo que reflete minhas ideias, mas é melhor que nada.”
Ele disse que gostaria de ver o novo governo italiano acabar com as leis que processam o incitamento ao ódio e à violência motivados por raça, etnia, religião e nacionalidade. Inclui o uso de emblemas e símbolos – muitos dos quais estiveram presentes na marcha deste domingo.
Santarelli disse que a lei pune “o crime de opinião”. “É usado como óleo de rícino pela esquerda para nos fazer calar. Quando me perguntam minha opinião sobre Mussolini, e fica claro que falo bem dele, corro o risco de ser denunciado”, disse Santarelli./AFP e AP
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