QUITO - Milhares de manifestantes indígenas marcharam em Quito, capital do Equador, nesta quarta-feira, 22, para exigir que o presidente Guillermo Lasso aborde os aumentos de preços no país, que desencadeou uma série de protestos nos últimos 10 dias em todo o país. A tensão em torno das manifestações escalaram nos últimos dias, com violência e conflito entre manifestantes e policiais em várias cidades.
A marcha aconteceu um dia depois do conflito entre manifestantes e policiais na cidade de Puyo, a 260 quilômetros de Quito, onde um suposto ataque feito por indígenas contra instalações militares resultou em 18 militares desaparecidos e um manifestante morto, informaram as autoridades do país. Segundo o ministro do Interior, Patricio Carrillo, outros seis policiais ficaram feridos por “balas e com traumas graves” e dois foram “detidos” pelos manifestantes e liberados em seguida.
As forças de segurança foram mobilizadas em torno do palácio do governo nesta quarta-feira, mas não impediram conflitos e um ataque a sede da Procuradoria Geral da República - fato que já havia ocorrido nesta terça-feira, 21. Os grupos indígenas que lideram os protestos negam a autoria. Segundo as agências de notícias Reuters e EFE, a marcha havia começado pacífica enquanto seguia em direção ao centro da cidade, onde fica o palácio.
Os protestos começaram há 10 dias em todo o país após uma escalada dos custos de combustível, alimentos e outros itens básicos. Estradas foram bloqueadas e indígenas iniciaram uma marcha em direção à Quito, mas a violência escalou e gera preocupação no governo. Liderados em grande parte por grandes grupos indígenas, eles testam a capacidade de Lasso de lidar com a crise e retomar o comando.
A escalada de violência mostra a dificuldade do presidente em lidar com a situação. Além do episódio em Puyo, os líderes indígenas denunciaram outras duas mortes de manifestantes, resultando em três desde o início dos protestos, e a Polícia Nacional do Equador informou que 104 pessoas foram presas nos últimos dias. Ao todo, 114 policiais ficaram feridos, acrescentou a polícia.
Em Puyo, a violência teve início após um suposto ataque de manifestantes. O governo os acusou de atear fogo em viaturas com policiais ainda dentro, depredar instalações policiais e provocar incêndios em prédios bancários.
A situação se torna ainda mais delicada devido ao histórico de quedas de presidentes após mobilizações indígenas. Nesta terça-feira, o ministro de Defesa do país, Luis Lara, admitiu que teme que os rumos dos protestos “coloquem a democracia em risco”.
Segundo Luis Lara, as Forças Armadas “observam, com enorme preocupação, a manipulação do protesto social, o crescimento da violência por parte de quem recusou o diálogo e princípio fundamental da convivência em liberdade e democracia”. Ele garantiu que os militares não irão permitir “que se tente romper a ordem constitucional”.
Enquanto isso, o governo equatoriano aguarda a resposta do líder da Confederação de Nacionalidades Indígenas (Conaie), que organiza parte dos protestos, para um possível diálogo. Também foi decretado estado de emergência nas províncias de Imbabura, Pichincha, Cotopaxi, Tungurahua, Chimborazo e Pastaza, um esforço para conter a mobilização que se instalou fortemente em Quito.
A medida dá poder ao presidente de mobilizar as Forças Armadas para manter a ordem interna, suspender direitos dos cidadãos e decretar toque de recolher.
Os indígenas exigem que o estado de exceção seja revogado e que a repressão chegue ao fim para haver diálogo. “Sempre tivemos nossa porta aberta ao diálogo, apenas dizemos que as conversas não podem zombar do povo equatoriano”, disse o líder da Conaie, Leonidas Iza, no Twitter.
Em um discurso proferido na Universidade Central do Equador, Iza também reiterou que a mobilização social continuará por tempo indeterminado e alertou que “rios de gente chegarão à capital” para fortalecer o protesto contra o governo, caso o presidente não dê respostas concretas aos dez pontos da lista de reivindicações das organizações populares.
Entre as demandas dos manifestantes, estão a redução e o congelamento dos preços dos combustíveis, o controle de preços de produtos de primeira necessidade e o fim das privatizações e da flexibilização das leis trabalhistas. O desemprego, a concessão de licenças de mineração em territórios indígenas e a renegociação da dívida dos trabalhadores rurais com os bancos também são pautas.
Segundo Iza, as queixas foram apresentadas ao governo há um ano. Ele afirmou que a falta de resposta das autoridades é a razão para a Conaie e outros grupos indígenas convocar uma mobilização nacional. “Voltaremos se tivermos resultados, mas se não houver respostas ficamos aqui”, disse.
As manifestações lembram os protestos de outubro 2019, que começaram com um decreto que eliminou subsídios à gasolina - posteriormente revogados para acalmar os manifestantes. Na ocasião, uma dúzia de pessoas morreram e mais de 1,5 mil ficaram feridas, incluindo 435 membros das forças de segurança.
Lasso afirma que manifestações tem intenção de derrubá-lo
Na segunda-feira, Guillermo Lasso afirmou que as manifestações contra o governo tem a intenção de “expulsar o presidente”. “Estou aqui para proteger os cidadãos. Lutarei sempre para defender a democracia e a vontade do povo equatoriano. Não permitirei que o caos prevaleça”, escreveu no Twitter.
O presidente também postou um vídeo no qual é visto em reuniões com lideranças indígenas em diferentes momentos do governo para destacar uma disposição ao diálogo. Sem citar nomes, ele diz que as lideranças dos atuais protestos “não querem a paz”. “Eles buscam o caos, querem expulsar o presidente. Estou aqui, não vou fugir. Estou aqui para proteger cada uma de suas famílias, especialmente as mais pobres”, disse.
Lasso foi eleito presidente do Equador em abril do ano passado em meio a pior crise econômica e sanitária do país em décadas. Ex-banqueiro, o político havia sido derrotado em duas outras eleições, em 2013 e 2017, e se caracterizou por defender a economia liberal e ser conservador em questões como o aborto e casamento igualitário.
Ele tem uma relação antagônica com a Assembleia Nacional, onde os legisladores dificultam seus projetos e propostas, e tem lutado para conter a violência crescente que ele atribui ao narcotráfico. /EFE, REUTERS, AFP
Manifestações no Equador
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