JERUSALÉM - Cem soldados da ativa, da reserva e veteranos das unidades de combate de elite de Israel protestaram agitando bandeiras israelenses na manhã desta quinta-feira, 9, em frente aos escritórios, em Jerusalém, do Kohelet Policy Forum, a organização de extrema direita que é a principal arquiteta do contencioso plano do governo para enfraquecer o Tribunal Supremo.
A polícia prendeu sete participantes, incluindo um comandante encarregado da seleção de soldados para a prestigiosa unidade de reconhecimento Sayeret Matkal – a mesma em que o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu serviu.
Eshel Kleinhaus, ex-comandante da unidade militar de operações especiais Sayeret Shaldag de Israel, estava entre os participantes do protesto. Ele lutou contra atiradores do Hezbollah no Líbano e militantes palestinos na Cisjordânia.
Mas nada o preparou para sua missão atual: impedir que o novo governo de extrema direita de Israel reformule o Judiciário para diminuir sua independência, uma medida que ele diz que colocará seu país no caminho da autocracia. “Essa luta é muito, muito mais difícil porque, no final, ninguém vai para casa”, disse ele.
Velhos amigos do Exército se abraçaram. Alto-falantes gritavam slogans de solidariedade. Os manifestantes empilharam sacos de lixo cheios de dinheiro falso e cartazes dizendo “Kohelet está fechado” nas principais portas do escritório.
O evento pela manhã deu início a mais um dia de manifestações em todo o país, com dezenas de milhares inundando as ruas e paralisando o tráfego em Tel-Aviv. Milhares de policiais foram mobilizados perto do aeroporto internacional, onde os manifestantes pretendiam interromper a viagem de Netanyahu a Roma, uma de suas primeiras visitas internacionais desde que assumiu o cargo no fim de dezembro.
Netanyahu foi forçado a viajar de helicóptero até o aeroporto para evitar os manifestantes e se encontrar com o secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin, dentro do aeroporto, em vez de no Ministério da Defesa em Tel-Aviv, como planejado originalmente.
Crise dupla
A visita de Austin ocorreu em um momento de uma crise dupla para Netanyahu, que enfrenta protestos crescentes sobre seus planos de reestruturar radicalmente os tribunais israelenses e aumentar a violência na Cisjordânia.
Na manhã de quinta-feira, pelo menos três militantes palestinos foram mortos em um tiroteio com tropas israelenses na cidade de Jenin, na Cisjordânia, elevando o número de palestinos mortos para pelo menos 74 desde o início do ano. Quatorze israelenses foram mortos por palestinos no mesmo período.
Pela noite, ainda nesta quinta-feira, três pessoas foram feridas a tiros em Tel-Aviv, em um suposto “ataque terrorista”, como informou uma nota da polícia israelense. O incidente ocorreu quando “um suspeito abriu fogo contra um pedestre antes de ser neutralizado” pelos agentes, segundo o comunicado. Os três feridos foram levados para um hospital.
Na reunião de uma hora, Austin pediu medidas imediatas para reduzir a violência e trabalhar para uma “paz justa e duradoura”, de acordo com o Pentágono.
Em uma declaração transmitida do aeroporto, Netanyahu não disse nada sobre a deterioração da situação na Cisjordânia e acusou a oposição de tentar mergulhar o país na “anarquia” por se recusar a negociar a reforma judicial.
Eran Gal, de 44 anos, um reservista do Sayeret Shaldag que compareceu ao protesto de Kohelet, disse que o Dia da Oposição de quinta-feira foi uma das únicas ferramentas de resistência que restaram para obrigar o governo de Netanyahu a recuar.
Mas ele e muitos outros parecem preparados para dar outro passo que nunca teriam considerado antes: recusar-se a servir na reserva militar da qual depende o relativamente pequeno Exército de Israel.
“O Exército não é sacrossanto”, disse Gal, com lágrimas nos olhos. “É a casa pela qual estamos lutando, isso é sacrossanto. É por isso que estamos dispostos a sair e ser mortos, e para matar, o que não é uma coisa simples.”
A ameaça de perder militares em um momento de violência crescente estimulou raras declarações públicas de oficiais militares que antes aderiam estritamente a uma política de não intervenção na política israelense. Eles estão agora no modo de controle de danos, reunindo-se com grupos de reservistas esta semana em um esforço para manter sua confiança.
“Os reservistas são uma parte inseparável das IDFs [Forças de Defesa de Israel]”, disse seu chefe de gabinete, Herzi Halevy, a dezenas de comandantes de reserva das Forças Terrestres de Israel, do Diretório de Inteligência Militar, da Força Aérea de Israel e da Marinha de Israel na quarta-feira. “Certas divisões podem se formar e serão irreparáveis no futuro.”
A revisão judicial de Netanyahu visa enfraquecer a Suprema Corte, conceder poder virtualmente desenfreado à coalizão governante e potencialmente livrar o primeiro-ministro da acusação em seu julgamento por corrupção em andamento.
O processo provocou uma resistência sem precedentes dentro das Forças Armadas, um dos pilares da sociedade israelense – a maioria da população é obrigada a servir aos 18 anos e como reservistas por décadas depois.
Tehilla Shwartz Altshuler, membro sênior do Instituto de Democracia de Israel, disse que os elementos básicos da revisão judicial foram emprestados da Hungria e da Polônia, dois países que passaram a ser não liberais - com governos populistas que desmontam os sistemas de freios e contrapesos.
“Mas há um sentimento entre os israelenses de que o governo espera que doemos nosso tempo e arrisquemos nossas vidas durante o próximo conflito com nossos vizinhos”, acrescentou ela, “e isso lhes dá a capacidade moral de dizer coisas que não poderiam ser ditas em Hungria e Polônia”.
Risco às Forças Armadas
Na quarta-feira, 37 dos 40 pilotos reservas do 69º esquadrão de caça de elite da Força Aérea se recusaram a participar de um treinamento de combate programado. Outras centenas, incluindo membros da unidade de inteligência de elite 8200 de Israel, pessoal médico e outros combatentes, também prometeram resistir ao serviço de reserva.
Ophir Bear, de 51 anos, que serviu como piloto de combate por 30 anos, disse que a tentativa do governo de enfraquecer os tribunais pode acabar enfraquecendo as Forças Armadas.
Em muitas missões precárias, incluindo contra alvos militantes localizados entre populações civis, “o Judiciário sempre esteve presente – para nos moderar, para garantir que obedecêssemos aos critérios exigidos pelos padrões internacionais, que não cometêssemos crimes de guerra”, afirmou. “Perder isso é o risco central.”
Ele também teme que, se a Suprema Corte – que aconselha oficiais sobre o direito internacional e investiga atividades militares – for vista como ilegítima, isso poderia sujeitar os soldados ao Tribunal Penal Internacional, em Haia, que grupos de direitos humanos e autoridades palestinas há muito defendem.
Bear se juntará a outros dois ex-líderes militares em uma viagem aos EUA na próxima semana, onde esperam ganhar o apoio de líderes da comunidade judaica e membros do Congresso.
Shlomo Karhi, ministro das comunicações do partido Likud de Netanyahu, disse aos opositores militares na segunda-feira: “Israel não precisa de vocês e vocês podem ir para o inferno”.
Na semana passada, Netanyahu comparou os quase 200 mil manifestantes que inundaram as ruas de Tel-Aviv com as centenas de colonos que embarcaram em um ataque vingativo pela cidade palestina de Huwara no início da semana, incendiando carros, empresas e casas, incluindo muitos com crianças dentro, e atacando moradores.
“Não aceitaremos violência em Huwara e não aceitaremos violência em Tel-Aviv”, disse Netanyahu. Dias depois, o ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, que também supervisiona a segurança na Cisjordânia ocupada, disse: “Huwara deveria ser exterminada. Acho que o Estado de Israel deveria fazer isso”.
Yoav Rosenberg, que serviu no Exército israelense por 25 anos, disse que a declaração de Smotrich foi “um presente” porque mostrou que os ministros de mais alto escalão de Israel apoiam crimes de guerra. “Não se trata de lei”, disse ele. “Trata-se de mudar as regras do jogo.”/ COM AFP
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