Ministro da Economia de Milei é cobrado por empresários brasileiros sobre fim de controle cambial

Em São Paulo, Luis Caputo ouviu que uma delegação da Fiesp só vai a Buenos Aires após o fim do chamado ‘cepo’, o que o ministro voltou a dizer que ocorre em 2025; tema é promessa de campanha do libertário

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Foto do author Carolina Marins

Uma das principais promessas da campanha de Javier Milei, o fim do controle cambial - chamado de cepo - na Argentina, se tornou o principal questionamento de empresários brasileiros ao ministro da Economia argentino, Luis Caputo, nesta segunda-feira, 2. Na sede da Fiesp (Federação Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), na Avenida Paulista, o ministro reafirmou sua promessa de “levantar o cepo” em 2025, sem estabelecer prazos exatos, em uma busca de atrair os empresários brasileiros à Argentina.

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Acompanhado da secretária da presidência e irmã do presidente, Karina Milei - que tem estrelado as principais viagens internacionais do governo argentino - Caputo veio ao Brasil para comemorar os recentes números da economia argentina e atrair investimentos brasileiros ao país. Em sua breve passagem por São Paulo, onde pretende se reunir com o governador Tarcísio de Freitas, Caputo não falou com a imprensa.

“A Argentina é um país que havia perdido absolutamente sua credibilidade, e como vocês sabem, a credibilidade é a matéria-prima para fazer política econômica. Então, nós não tivemos alternativa além de ir a um programa de choque fiscal”, abriu o seu discurso diante dos empresários. Em seguida, convidando os brasileiros a aumentarem seus investimentos no país.

O ministro da Economia da Argentina, Luis Caputo, e o ministro de Minas e Energia do Brasil, Alexandre Silveira, durante a assinatura do acordo de Vaca Muerta Foto: Ministério de Minas e Energia

“Tudo o que fizemos, de alguma forma, é a maior garantia que vocês podem ter para seus investimentos. Temos um presidente que visa fazer da Argentina o país mais livre do mundo. Garantindo o respeito e a consideração pela propriedade privada, a abertura comercial, a segurança pessoal e jurídica e, claro, respeitando essa ordem macroeconômica no fiscal, no monetário e no cambial”, continuou.

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“Queremos tanto que aproveitem essa oportunidade que hoje apresenta nosso país, que é muito rico não só em recursos naturais, mas também em capital humano. Então, o convite para que venham investir na economia real e sempre vão encontrar deste lado uma recepção para todas as suas necessidades”. Segundo ele, a Argentina será o país que mais vai crescer nos próximos 30 anos. Hoje, o país tem a maior taxa de inflação anual do mundo.

O Brasil é o principal parceiro comercial da Argentina, enquanto Buenos Aires é o terceiro principal destino das exportações do Brasil, atrás de China e Estados Unidos. Mas este ano as exportações brasileiras caíram mais de 20% para o país vizinho, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.

Entre as oportunidades de investimentos brasileiros no país, Caputo destacou principalmente o setor de energia. No mês passado, durante a Cúpula de Líderes do G20, Brasil e Argentina assinaram um memorando de entendimento para viabilizar a chegada de gás argentino dos campos de Vaca Muerta ao mercado brasileiro.

Cobrança do ‘cepo’

Em contrapartida, o ministro ouviu do presidente da Fiesp, Josué Gomes, a cobrança sobre o cepo. “Estaremos em Buenos Aires assim que for liberado o cepo”, afirmou. “O ministro se comprometeu a liberar quando formos. Como todos desejamos que o cepo seja liberado o mais rápido possível, vamos organizar essa missão empresarial o mais rápido possível para Buenos Aires”.

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O cepo se refere às restrições que existem na Argentina para a compra de dólares e outras moedas estrangeiras. Com a profunda crise econômica e a falta de reservas em moeda estrangeira no Banco Central, o teto foi criado para, entre outras coisas, evitar a fuga de moeda.

O limite também cria restrições a transações internacionais de argentinos e às importações de bens e serviços para o país. O controle de capital existe no país há dezenas de anos, mas ganhou os contornos atuais durante o governo de Cristina Kirchner em 2011.

O cepo, apontam economistas, embora preserve as reservas do Banco Central argentino - que estão no vermelho há mais de um ano - provoca uma queda no investimento externo e limita o acesso a bens importados. No ano passado, a Argentina viveu uma crise de desabastecimento de produtos conforme desvalorizações foram feitas e, hoje, é raro encontrar produtos importados no país.

Outra consequência é a disseminação de câmbios paralelos, como uma forma de os argentinos acessarem moedas de maneiras a driblar o limite. Não a toa hoje o país tem mais de uma dezena de tipos de câmbios diferentes, seja para compra no comércio, turismo, cartão de créditos, etc. A correção desta distorção também era uma promessa do libertário que ainda não se concretizou.

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“Para nós é muito importante acabar com as restrições cambiais”, respondeu Caputo na Fiesp. “Vamos fazer isso no ano de 2025. Embora seja muito importante sairmos dessa armadilha cambial, para nós é mais importante fazê-lo de maneira que não gere nenhum estresse na economia, nos investimentos e para os nossos cidadãos.”

Milei prometia levantar o cepo já nos primeiros meses de sua administração. Mas conforme as políticas de choque fiscal avançavam e o governo libertário percebia a complexidade de acabar com a política, o fim das restrições foi sendo adiado, para frustração do setor empresarial argentino e estrangeiro.

Em novembro, porém, Caputo afirmou à imprensa argentina que acabaria com as restrições em 2025 “com certeza”, sem entrar em detalhes de quando.

“Para isso, não estabelecemos um prazo, mas sim algumas condições. Condições que, dada a boa performance do programa econômico, já começam a ser atendidas”, afirmou o ministro em São Paulo. Entre as condições ele cita o controle do excesso de pesos, a queda da inflação e o acúmulo de reservas do Banco Central, que ficou para o futuro.

“O timing é muito difícil de garantir, porque as negociações com o fundo [FMI, com que a Argentina tem uma dívida bilionária] levam tempo, e como eu digo, hoje, como as outras condições estão convergindo, realmente não há nenhuma necessidade de se apressar. Podemos dar a segurança de que sim, vamos sair em 2025, mas que realmente não deveria ser então um inconveniente se isso acontecer no primeiro, segundo ou terceiro trimestre. Do que se pode estar certo é que em 2025 as restrições cambiais já não vão estar.”

O presidente da Argentina, Javier Milei, acompanhado de sua irmã, Karina, com o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, e a primeira-dama, Rosângela da Silva, na cúpula do G20  Foto: Ricardo Stuckert/Presidência do Brasil

Números econômicos e Mercosul

O ministro celebrou os números econômicos do governo libertário, próximo de completar um ano de administração. De uma inflação de 25% em janeiro deste ano, a política de ajuste fiscal de Javier Milei fez a inflação baixar a 2,7% ao mês em novembro. A taxa interanual está em 193%. A política de choque, porém, fez a pobreza subir para 52% no primeiro semestre, o que não afetou a popularidade do presidente libertário que continua acima dos 30% desde que foi eleito.

Caputo também destacou o 10º mês consecutivo de superávit da Argentina depois de mais de 10 anos vivendo em déficit fiscal. “Se houve algum milagre, eu diria que é o nosso presidente, que é uma pessoa que vê além da política e em um período tão curto de tempo conseguiu fazer entender à gente o verdadeiro problema que havia tido nosso país, que sempre foi este problema fiscal”.

Outro feito comemorado pelo ministro foi a estabilização do dólar. Quando assumiu, Milei recebeu uma moeda com distorção de 200% do valor real do dólar. Após uma brusca desvalorização de 54% em dezembro, a moeda hoje se mantém próxima dos 1000 pesos por dólar. Economistas, porém, alertam que uma necessidade nova desvalorização está surgindo no horizonte.

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Em São Paulo, Caputo também foi questionado sobre a posição argentina frente ao acordo Mercosul-União Europeia, cuja expectativa é que seja encaminhado na cúpula do Mercosul em Montevidéu no próximo dia 5.

“Sabemos quão importante esse tratado é, em particular para o Brasil. Eu conversei com o Ministro [Fernando] Haddad e, claro, vamos apoiá-lo. Como discutimos antes de vir para cá, para nós também é muito importante que o Mercosul também demonstre flexibilidade na hora de chegar a acordos bilaterais. Acreditamos que isso é algo que beneficia todos os países e, portanto, penso que não haverá nenhum problema para continuarmos trabalhando juntos nessa linha.”

O governo de Milei defende que países do Mercosul tenham liberdade para tratar acordos bilaterais por fora do bloco e não apenas em conjunto. Esta é uma posição também defendida pelo Uruguai de Luis Lacalle Pou, que busca um acordo direto com a China. Porém, a recente eleição da esquerda no país, com Yamandú Orsi, deve mudar esta posição de Montevidéu e tornar Milei uma voz única nesta bandeira.

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