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Ministro de Netanyahu diz que Israel tem plano para consolidar seu controle sobre a Cisjordânia

Membro influente da coalizão de Netanyahu foi gravado dizendo aos colonos que o governo está empenhado para tirar das mãos dos militares a autoridade sobre o território e entregar aos civis

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Por Ronen Bergman (The New York Times) e Patrick Kingsley (The New York Times)

Um membro influente da coligação do primeiro-ministro israelense Binyamin Netanyahu disse aos colonos na Cisjordânia ocupada por Israel que o governo está empenhado em um esforço secreto para mudar irreversivelmente a forma como o território é governado, para cimentar o controle de Israel sobre a região sem ser acuaso de formalmente anexá-lo.

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Em uma gravação do discurso, o oficial Bezalel Smotrich pode ser ouvido sugerindo em um evento privado mais cedo neste mês que o objetivo era prevenir que a Cisjordânia se tornasse parte de um Estado Palestino. “Eu estou te dizendo, é megadramático”, Smotrich disse aos colonos. “Tais mudanças alteram o DNA de um sistema.”

Embora a oposição de Smotrich em ceder o controle sobre a Cisjordânia não seja segredo, a posição oficial do governo israelense é que o status da Cisjordânia permanece aberto para negociações entre líderes israelenses e palestinos. O Supremo Tribunal de Israel decidiu que o domínio de Israel sobre o território equivale a uma ocupação militar temporária supervisionada por generais do exército, e não a uma anexação civil permanente administrada por funcionários públicos israelenses.

O discurso de Smotrich em 9 de junho em uma reunião na Cisjordânia pode tornar esta postura difícil de manter. Em sua fala, ele delineou um programa cuidadosamente orquestrado para tirar das mãos dos militares israelenses a autoridade sobre a Cisjordânia e entregá-la aos civis que trabalham para Smotrich no Ministério da Defesa. Partes do plano já foram introduzidas gradualmente ao longo dos últimos 18 meses e algumas autoridades já foram transferidas para civis.

“Nós criamos um sistema civil separado”, disse Smotrich. Para evitar o escrutínio internacional, o governo permitiu que o Ministério da Defesa continuasse envolvido no processo, disse ele, para que pareça que os militares ainda estão no coração do governo da Cisjordânia.

“Será mais fácil de engolir no contexto internacional e jurídico”, disse Smotrich. “Para que não digam que estamos anexando aqui.”

Jornalistas do The New York Times ouviram uma gravação de quase meia hora proferido por um dos participantes, um pesquisador do Peace Now, um grupo de campanha antiocupação. Um porta-voz de Smotrich, Eytan Fold, confirmou que ele fez o discurso e disse que o evento não era segredo.

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Soldado israelense no assentamento israelense de Tapuach, Cisjordânia. Atualmente, domínio de Israel sobre o território equivale a uma ocupação militar temporária. Foto: Avishag Shaar-Yashuv/The New York Times

Smotrich, um legislador de extrema direita, disse que Netanyahu estava ciente dos detalhes do plano, muitos dos quais foram prenunciados em um acordo de coligação entre os seus partidos que permite ao primeiro-ministro permanecer no poder. Netanyahu está “conosco a todo vapor”, disse Smotrich no discurso.

Se o governo colapsar, uma coligação futura poderia reverter as mudanças, mas as medidas do governo na Cisjordânia, no passado, já permaneceram em vigor através de sucessivos governos.

Para muitos palestinos, o discurso em si provavelmente será recebido com menos surpresa do que o fato de Smotrich ter dito as palavras em voz alta.

“É interessante ouvir Smotrich com sua própria voz confirmar muito do que nós suspeitamos sobre sua agenda”, disse Ibrahim Dalalsha, diretor do Horizon Center, um grupo de análise política em Ramallah, Cisjordânia.

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Ainda assim, disse Dalalsha, a abordagem não é nova.

Palestinos dizem há anos que os líderes israelenses estão tentando anexar a Cisjordânia apenas no nome, construindo colonatos em locais estratégicos em uma tentativa de impedir o controle palestino contíguo em todo o território. “Isso acontece desde 1967″, disse Dalalsha. “Desde muito antes de Smotrich entrar em cena”, acrescentou.

Israel assumiu o controle do território da Jordânia em 1967, durante uma guerra com três estados árabes. Desde a ocupação, Israel assentou mais de 500.000 civis israelenses, que estão sujeitos à lei civil israelense, ao lado dos aproximadamente três milhões de palestinos do território, que estão sujeitos à lei militar israelense. Cerca de 40% do território é administrado pela Autoridade Palestina, um órgão semiautônomo gerido por palestinos que depende da cooperação de Israel para grande parte do seu financiamento.

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Vista aérea da linha que separa a aldeia palestina Hable, à esquerda, e a israelense Matan, na Cisjordânia. Palestinos dizem há anos que os líderes israelenses estão tentando anexar a Cisjordânia apenas no nome. Foto: Sergey Ponomarev/The New York Times

Por décadas, o Supremo Tribunal de Israel descreveu o domínio de Israel sobre o território como uma ocupação militar, supervisionada por um general sênior, que cumpre as leis internacionais que se aplicam aos territórios ocupados. A atual coligação governante contesta o termo “ocupação”, mas também nega publicamente que a Cisjordânia tenha sido permanentemente anexada e colocada sob o controle soberano das autoridades civis de Israel.

“O status final destes territórios será determinado pelas partes em negociações diretas”, afirmou o gabinete do primeiro-ministro em um comunicado em resposta ao discurso de Smotrich. “Esta política não mudou”, acrescentou o comunicado.

O discurso de Smotrich sugeriu o contrário.

Em particular, ele apontou uma mudança pela qual oficiais militares não supervisionam mais a maior parte do processo de expansão dos assentamentos israelenses, expropriação de terras e construção de estradas na Cisjordânia. Esses papéis agora são supervisionados por “um civil que trabalha sob o ministério da defesa”, que não trabalha para os comandantes militares, ele disse, mas em uma nova diretoria que Smotrich supervisiona.

Mesmo enquanto a pressão internacional cresce para declarar um Estado Palestino que abrangeria a Cisjordânia e Gaza, os comentários de Smotrich sugerem que Israel está trabalhando discretamente para firmar o seu controle sobre a Cisjordânia e tornar mais difícil se desnvicular do controle de Israel.

Diplomatas têm tentado alcançar um “grande acordo” para o Oriente Médio que iria colocar fim na guerra entre Israel e Hamas na Faixa de Gaza e melhoraria os laços de Israel com outras nações da região. A Arábia Saudita, por exemplo, diz que reconhecerá Israel — mas apenas se Israel, por sua vez, permitir a criação de um Estado Palestino.

Novos edifícios no assentamento israelense de Eli, na Cisjordânia. Foto: Avishag Shaar-Yashuv/The New York Times

O discurso de Smotrich sugere o quão distante pode estar essa perspectiva à medida que ele se movimenta para fundir o governo da Cisjordânia ocupada com o governo do Estado de Israel.

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“Mina fundamentalmente o argumento de longa data do Estado de Israel de que os assentamentos são legais porque são temporários”, disse, sobre o discurso de Smotrich, Talia Sasson, ex-funcionária sênior do Ministério da Justiça de Israel que liderou um influente inquérito governamental em 2005 sobre o apoio do governo para assentamentos ilegais.

O discurso deixou claro o quão poderoso o movimento dos colonos de Israel, antes marginal, se tornou. Smotrich é um ativista dos assentamentos de longa data, que antes trabalhava fora do establishment israelense para construir acampamentos de assentamentos considerados ilegais até mesmo pela lei israelense. Como um religioso linha-dura, ele acredita que a Cisjordânia — que os israelenses se referem pelos seus nomes bíblicos, Judéia e Samaria — foi dada aos judeus por Deus.

Como legislador ao longo da útima década, Smotrich chamou a atenção por fazer regularmente comentários extremistas, incluindo um pedido para destruir uma cidade palestina, o seu apoio à segregação entre árabes e judeus nas maternidades e o seu apoio aos proprietários de terras judeus que não venderão propriedades aos árabes.

Desde o fim de 2022, ele ganhou uma influência extraordinária sobre a política governamental. Foi então que o seu partido se juntou à coligação de Netanyahu, ajudando-a a garantir uma pequena maioria no Parlamento.

Ele usou essa influência para persuadir Netanyahu a lhe atribuir tanto o cargo no Ministério da Defesa como no Ministério das Finanças, uma função que Smotrich usou para bloquear fundos para a Autoridade Palestina.

Colonos israelenses espiam pelos vidros de um carro para ver se havia palestinos dentro dele enquanto o veículo viajava perto da vila de Wadi como Seeq, na Cisjordânia. Foto: Sergey Ponomarev/The New York Times

“Meu objetivo — e acredito que de todos aqui — é, antes de mais nada, impedir o estabelecimento de um estado terrorista no coração da terra de Israel”, disse Smotrich no discurso gravado.

Smotrich disse que a sua principal conquista foi colocar muitas das funções militares na Cisjordânia sob controle civil. Embora o exército tenha muitas vezes feito vista grossa à expansão dos colonatos e até mesmo protegido assentamentos não autorizados contra ataques palestinos, os soldados também destruíram algumas vezes acampamentos de colonos construídos sem permissão do governo e impediram ativistas israelenses de entrar na Cisjordânia.

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Para neutralizar essa influência, disse Smotrich, o governo:

  • Deu aos civis maior controle sobre os planos de construção dos assentamentos, bem como supervisão sobre os advogados que decidem questões jnos assentamentos.
  • Retirou do principal comandante do exército na Cisjordânia a capacidade de bloquear planos de construção de assentamentos.
  • Garantiu quase $270 milhões do orçamento de defesa de Israel para proteger os assentamentos em 2024-2025.
  • Avançou para estabelecer um novo esquadrão de segurança que poderia demolir mais rapidamente prédios palestinos na Cisjordânia que foram construídos sem permissão de Israel.

Até certo ponto, os comentários de Smotrich pareciam ser uma tentativa de neutralizar as críticas de sua própria base sobre seu histórico no cargo. Os ativistas colonos dizem que os militares ainda os impedem frequentemente de construir novos postos avançados de colonatos e que Smotrich não fez o suficiente para intervir.

“Quinze anos atrás, eu era um daqueles que corriam pelas colinas, montando tendas”, disse Smotrich aos colonos em seu discurso. Agora, ele disse que o seu trabalho nos bastidores terá muito mais impacto do que a construção de qualquer acampamento único.

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