Ministros da Defesa das Américas incluem menção à guerra na Ucrânia na Declaração de Brasília

Estados Unidos e Canadá queriam crítica à Rússia e havia resistência de Brasil e países latinos, que eram contra abordar, em reunião militar, o conflito iniciado por Vladimir Putin

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Foto do author Felipe Frazão
Atualização:

BRASÍLIA - Os ministros da Defesa das Américas aceitaram incluir a guerra na Ucrânia na Declaração de Brasília, texto assinado nesta quinta-feira, dia 28, na Conferência de Ministro de Defesa das Américas (CMDA). O assunto era um dos mais polêmicos e gerou divergências entre as delegações. Canadá e Estados Unidos pressionaram pela inclusão do tema até o último momento de ajustes na versão final do documento. A versão adotada pelos ministros, no entanto, ficou mais branda do que a originalmente proposta e não citou a invasão russa, deflagrada em 24 de fevereiro. Brasil, Argentina e México apresentaram ressalvas a esse trecho da declaração.

O ministro da Defesa do Brasil, o general Paulo Sérgio Nogueira, durante a XV Conferência de Ministros da Defesa das Américas realizada nesta quinta-feira, 28, no Centro de Eventos e Convenções Brasil 21 em Brasília.  Foto: Wilton Junior/Estadão

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O texto finalizado em Brasília diz que os ministros de Defesa declaram: “Seu compromisso inalienável com a defesa dos valores da autodeterminação, da independência nacional, do respeito à integridade territorial, à proteção das populações civis, à liberdade frente à dominação estrangeira, do respeito às fronteiras reconhecidas internacionalmente e da soberania nacional - princípios sobre os quais todos os Estados-membros da CMDA foram fundados. Os conflitos presentes em todo o mundo, como a invasão da Ucrânia e os atos de violência exercidos por grupos armados que aterrorizam a população no Haiti, não são meios legítimos para resolver as disputas de modo que os Estados-membros da CMDA esperam uma solução pacífica tão pronto seja possível.”

Originalmente, a versão proposta pelo Canadá e apoiada pelos EUA falava em um pedido de cessar hostilidades e na defesa dos “valores da autodeterminação, da liberdade de opressão estrangeira”. “Violência e agressão, como estamos testemunhando com a invasão russa da Ucrânia, não é a resposta para disputas”, afirmava a sugestão canadense, apresentada durante a reunião preparatória.

A discussão sobre o trecho se arrastava desde março. A redação aprovada sem citar a Rússia foi uma forma mais abrandada de fazer alusão à guerra, no entendimento de diplomatas e militares de distintos governos. Ao incluir a referência a “conflitos presentes em todo o mundo”, o segundo parágrafo não individualiza a condenação dos ministros à ação militar unilateral de Moscou. A violência de facções criminosas no Haiti, uma questão de segurança interna da ilha caribenha, que teve o presidente Jovenel Moïse assassinado no ano passado, foi acrescida ao texto como um dos conflitos equiparáveis à guerra.

Secretário de Defesa dos Estados Unidos, Lloyd Austin (a esq) participou do encontro de ministros da Defesa em Brasília Foto: Evaristo Sá / AFP

Fontes diplomáticas e militares dos Estados Unidos, da Argentina e da Colômbia afirmaram ao Estadão que a redação final aprovada não é tão dura como proposto inicialmente e que foi preciso modular a linguagem para que a menção ao conflito do Leste Europeu passasse. A cerimônia de assinatura da Declaração de Brasília chegou a ser atrasada por cerca de 30 minutos para os ajustes finais, por causa das discussões.

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Os termos de declarações adotadas em foros multilaterais costumam ser aprovados apenas quando há acordo sobre todos os pontos. Mas a Conferência de Ministros da Defesa das Américas (CMDA) prevê que, se discordâncias persistirem, o ponto em questão pode ser colocado em votação e somente será adotado se aprovado por ao menos 2/3 dos votantes presentes. Mesmo assim, as delegações descontentes ainda podem apresentar ressalvas, no formato de notas de rodapé.

Foi o que ocorreu. O Brasil e a Argentina incluíram uma ressalva dizendo que reconhecem as Nações Unidas como foro adequado para tratar do conflito na Ucrânia. O México disse que discordava da inclusão do tema na carta da CMDA e que também reconhecia a ONU como ambiente para abordar soluções para a guerra.

Os três países se isolaram. No bloco da maioria, liderado por EUA e Canadá, a ressalva de rodapé foi adotar palavras mais duras contra Moscou e reiterar a “reprovação de maneira incisiva sobre a invasão ilegal, injustificável e não provocada da Ucrânia”. Assinaram também essa mesma ressalva Colômbia, Equador, Guatemala, Haiti, Paraguai e República Dominicana.

Como o Estadão antecipou, o impasse acerca da menção à guerra era o principal ponto da conferência. Equipes de Defesa dos países latinos ainda “estranharam” o fato de a declaração ter sido assinada por seus representantes de Defesa antes de a versão final ser publicada oficialmente e circular na reunião plenária. Um deles disse ao Estadão que havia “muita preocupação” com o teor do documento.

A objeção à menção da guerra na Ucrânia pelo Brasil não foi uma decisão própria da Defesa. Segundo um integrante da cúpula do ministério, a posição expressada pelo representante das Forças Armadas brasileiras apenas se alinhou à orientação de política externa do governo Jair Bolsonaro. Ele disse os militares seguiriam a orientação do Itamaraty, independentemente de quem fosse o presidente.

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O Brasil já havia manifestado essa contrariedade em março, durante a reunião preparatória da CMDA, realizada um mês após o início da guerra, com a invasão das tropas russas. O presidente Bolsonaro adotou uma postura dúbia em relação aos votos de diplomatas do Brasil nos fóruns internacionais. Ele defende uma posição de neutralidade e equilíbrio, mas já deu uma série de declarações simpáticas a Putin, a quem visitou e prestou solidariedade às vésperas da invasão. Ao mesmo tempo, só conversou recentemente com o lado ucraniano e fez criticou o presidente Volodmir Zelenski. Na ONU, o Brasil votou contra interesses russos, mas também atou para amenizar o tom das resoluções em discussão.

Na reunião preparatória de março, os canadenses, representados por Michael Carter, diretor de Política do Hemisfério Ocidental, indicaram a inclusão do seguinte parágrafo na carta dos ministros:

“Seu compromisso de defender os valores da autodeterminação, da liberdade de opressão estrangeira, do respeito às fronteiras reconhecidas internacionalmente e da soberania nacional, – sobre os quais todos os Estados-Membros da CMDA foram fundados. A paz e a prosperidade do Hemisfério Ocidental – e, de fato, do mundo inteiro – depende da adesão e do respeito a esses valores. Violência e agressão, como estamos testemunhando com a invasão russa da Ucrânia, não é a resposta para disputas. As nações da CMDA pedem a cessação das hostilidades e, como solicitado nos Princípios de Williamsburg, para a resolução deste conflito por acordo negociado.”

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