A COP28 é um marco histórico pelos seus resultados e pela lição que ela dá sobre o papel das monarquias árabes do Golfo Pérsico na transição energética. Pela primeira vez em um evento da ONU, afirmou-se a necessidade de substituir os combustíveis fósseis. E isso em um país e região cuja prosperidade e peso geopolítico se devem inteiramente ao petróleo e gás.
Os países se comprometeram a “fazer uma transição dos combustíveis fósseis nos sistemas energéticos, de forma justa, ordenada e equitativa, de modo a atingir emissões líquidas zero até 2050, de acordo com a ciência.”
Mais uma vez, os 196 países não conseguiram superar a resistência da Opep, liderada pela Arábia Saudita, de se comprometerem a “abandonar” (“phase out”, em inglês) os combustíveis fósseis. Mas esses combustíveis — carvão, petróleo e gás — sequer foram mencionados nos documentos anteriores. Eles respondem por 80% do consumo de energia e são os principais causadores das mudanças climáticas.
A declaração final também prevê triplicar o uso de energia renovável. Esse compromisso abre uma janela de oportunidade para o Brasil exportar sua tecnologia de veículos movidos a etanol e a biodiesel, além das próprias energias renováveis de que dispõe em grande quantidade.
Durante a COP, a mineradora australiana Fortescue, uma das maiores do mundo, anunciou investimentos de US$ 5 bilhões na produção de hidrogênio verde no Complexo do Pecém, no Ceará. Segundo o governo, a construção da infraestrutura deve gerar 5 mil empregos. Ele é “verde”porque usa a eletricidade gerada pelas turbinas eólicas para fazer a eletrólise da água, em que o hidrogênio se separa do oxigênio.
Os países se comprometeram ainda a dobrar os ganhos de eficiência no uso de energia até o fim da década. Isso é importante porque as empresas mais poluidoras vêm sendo acusadas de adiar seus investimentos na transição energética enquanto compram créditos de carbono para compensar suas emissões.
Os créditos de carbono, gerados por iniciativas para proteger as florestas, devem ser uma solução transitória, e não substituir as medidas para zerar as emissões nos processos produtivos. Esse compromisso contribui para a credibilidade do mercado de carbono, potencialmente uma importante fonte de receitas para o Brasil.
A COP não avançou na destinação de recursos dos países ricos para os países tropicais protegerem suas florestas e outros biomas responsáveis pelo sequestro de carbono e pela regulação do clima.
Entretanto, foi criado um fundo para os países vulneráveis, como ilhas, de renda baixa e média, enfrentarem os efeitos das mudanças climáticas. Foram prometidos US$ 260 milhões para iniciar o fundo, a ser gerido pelo Banco Mundial.
Os anfitriões, Emirados Árabes Unidos, prometeram US$ 100 milhões, assim como a Alemanha; o Reino Unido, US$ 50 milhões; o Japão, US$ 10 milhões. O representante americano, John Kerry, disse que a Casa Branca pediria US$ 17,5 milhões ao Congresso.
Houve ainda um compromisso de 18 países de acelerar a inclusão da proteção da biodiversidade nas suas estratégias para mudanças climáticas e desenvolvimento sustentável. É um reconhecimento importante do papel da biodiversidade, que é objeto de conferências mundiais em separado, na regulação do clima. Isso é muito claro, por exemplo, na Amazônia: está provado que a diversidade de plantas e animais é uma condição para a sobrevivência da floresta e para o papel que ela cumpre na regulação do clima.
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Há um ano, a escolha dos Emirados Árabes Unidos como sede da conferência deste ano foi recebida com perplexidade e pessimismo. Parecia um paradoxo, e sinal da captura da agenda ambiental pelas potências dos combustíveis fósseis. Entretanto, a COP28 entregou mais do que as conferências passadas.
Uma fonte ligada ao governo saudita ouvida pela Reuters descreveu o acordo como um cardápio que permite aos países escolher entre os diversos caminhos possíveis para se manter o teto de 1,5ºC de aumento da temperatura média em relação à era pré-industrial.
É sem dúvida uma posição ambígua, diante das evidências científicas de que a queima dos combustíveis responde por 75% dos gases do efeito estufa e 90% do dióxido de carbono. Mas há um claro progresso em relação às posições muito mais defensivas adotadas no passado recente pelos grandes produtores de petróleo, sobretudo do Golfo Pérsico.
Eles parecem ter entendido que os combustíveis fósseis estão com os dias contados e buscam investir nas fontes renováveis e outras soluções baseadas na natureza.
Há um paralelismo com o contexto que analisei duas semanas atrás, sobre a disposição dos países árabes, incluindo essas monarquias do Golfo, de normalizar relações com Israel e distensionar o Oriente Médio. Elas se movem pelo pragmatismo econômico e pelos interesses geopolíticos.
É preciso incentivar essa inserção e colocar os petrodólares a serviço da bioeconomia, ao mesmo tempo que se mantém a vigilância quanto à relação custo-benefício e ao rumo que estamos tomando.
Até porque no ano que vem a COP será no Azerbaijão, o primeiro a extrair petróleo no mundo, e também uma ditadura em busca de resolver disputas com Armênia, Irã e Rússia, e de mais tração geopolítica.
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