HARARE - O ex-presidente do Zimbábue Robert Mugabe, que liderou o país africano com mão de ferro entre 1980 e 2017, morreu aos 95 anos. O anúncio foi feito nesta sexta-feira, 6, pelo o atual chefe de estado Emmerson Mnangagwa.
Em 2017, Mugabe se viu obrigado a renunciar ao cargo três semanas depois de uma grave crise política, provocada pela sua decisão de demitir o vice-presidente Emmerson Mnangagwa, em meio a rumores de que ele queria preparar sua mulher Grace Mugabe para substituí-lo no poder. Ele governou o país com mão de ferro por 37 anos.
"Com profunda tristeza, anuncio a morte do pai fundador e ex-presidente do Zimbábue, comandante Robert Mugabe", disse Mnangagwa no Twitter.
Mugabe morreu em Cingapura, onde recebia tratamento médico desde 2015, em meio a rumores de um câncer. A causa da morte não foi confirmada.
Mugabe governou com mão de ferro
Há inúmeras passagens pitorescas de Mugabe enquanto ele esteve no poder. Como o dia em que Bob Marley tocou na festa de independência do Zimbábue. Ou quando dormiu durante uma conferência internacional.
Mas quando chegou ao poder, em 1980, Robert Mugabe foi aclamado como herói da emancipação africana num país que por quase um século foi uma colônia governada por brancos. Quase quatro décadas após a independência, em 1980, para muitos ele se tornou um governante obcecado e disposto a usar esquadrões da morte, fraudar eleições e arrasar a economia na sua implacável busca para manter o poder.
Mugabe, nascido em uma missão católica perto de Harare, foi educado por padres jesuítas e trabalhou como professor de escola primária antes de entrar na Universidade de Fort Hare, na África do Sul, então terreno fértil para o nacionalismo africano.
Retornando à então Rodésia, em 1960, ingressou na política, mas ficou preso por 4 anos por sua oposição ao governo branco. Após ser libertado, tornou-se um dos líderes do poderoso Exército de Libertação Nacional do Zimbábue. Ficou conhecido como o “guerrilheiro pensador”, em razão de seus sete diplomas universitários, três obtidos quando estava na prisão.
Ao término da guerra pela independência, Mugabe foi eleito o primeiro premiê negro do país. No início, tentou uma reconciliação com seus adversários, enquanto a economia zimbabuana estava em pleno florescimento.
Depois, Mugabe começou a reprimir seus oponentes, como seu rival na guerra de independência, Joshua Nkomo. Diante de um revolta, em meados dos anos 80, Mugabe enviou ao sul do país unidades do Exército treinadas na Coreia do Norte.
Grupos de direitos humanos afirmam que 20 mil pessoas morreram na ocasião, a maioria da etnia ndebele, de Nkomo.
Após dois mandatos como premiê, Mugabe mudou a Constituição e foi eleito presidente em 1990. No fim do século, após ser derrotado em um referendo constitucional, eclodiu uma onda de descontentamento da população negra em razão da lentidão da reforma agrária.
A resposta de Mugabe foi implacável. Gangues de negros que diziam ser veteranos de guerra invadiram fazendas de brancos. O confisco de propriedades contribuiu para arruinar uma das mais dinâmicas economias da África, com o colapso das divisas estrangeiras decorrentes do comércio agrícola.
Entre 2000 e 2008, a economia encolheu mais de um terço, o desemprego disparou e milhões de pessoas fugiram do país, a maior parte para a África do Sul, onde se submeteram a subempregos e ao preconceito contra imigrantes.
Com o tempo, Mugabe passou a se retratar como um nacionalista africano radical lutando contra forças imperialistas e racistas de Washington e de Londres. A Grã-Bretanha o equiparou a Hitler, mas Mugabe respondeu que o líder nazista desejava justiça, soberania e independência para seu povo. “Se é este Hitler, então, deixem-me ser dez vezes Hitler.”
O Zimbábue chegou ao fundo do poço em 2008, quando a hiperinflação levou a população a apoiar a oposição liderada pelo líder sindical Morgan Tsvangirai. Derrotado na eleição presidencial, Mugabe recorreu à violência, obrigando Tsvangirai a se retirar após inúmeros partidários seus serem mortos e o próprio sindicalista ser violentamente espancado. / AFP, AP e REUTERS
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