Análise | Morte de general russo manda recado de Kiev, mas não deve mudar a guerra

Assassinato de Igor Kirillov, chefe das forças nuclear, biológica e química, deve espalhar medo entre as elites militares e irritar a Rússia; no campo de batalha, Ucrânia segue em desvantagem

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Por Michael Schwirtz (The New York Times)

O assassinato ousado de um general russo foi uma vitória para os serviços de inteligência ucranianos, mostrando habilidades, tecnologia e engenhosidade para operar com sucesso atrás das linhas inimigas em tempos de guerra. Mas o ataque foi um triunfo limitado.

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O assassinato de Igor Kirillov certamente enfurecerá o Kremlin e espalhará um certo medo entre as elites militares e políticas da Rússia, segundo especialistas militares. Sua morte também elimina uma importante figura que, segundo o governo ucraniano, ordenou o uso de substâncias químicas proibidas contra as tropas da Ucrânia.

Mas uma coisa que o atentado não fará é melhorar a posição da Ucrânia na guerra. No campo de batalha, os ucranianos continuam perdendo terreno para o inimigo, maior e mais bem equipado. “O assassinato tem um impacto psicológico, que sugere às elites russas que os ucranianos podem acertar contas com qualquer um em qualquer lugar”, disse Douglas London, ex-chefe de operações da CIA. “Mas isso não muda a situação da guerra.”

Assassinato do general Igor Kirillov deve espalhar medo entre as elites militares russas.  Foto: Associated Press

Na frente de batalha, a posição dos ucranianos é tão desesperadora como era no início da invasão. Os russos avançaram até os arredores de Pokrovsk, um importante entroncamento ferroviário, e ameaçam as cidades de Kramatorsk e Sloviansk, em Donetsk. Autoridades em Kiev ordenaram a retirada de 300 mil moradores da região. Ao mesmo tempo, a Rússia, com ajuda da Coreia do Norte, lançou uma contraofensiva para expulsar os ucranianos da região russa de Kursk.

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Devido às dificuldades da Ucrânia, assassinatos e operações secretas, como sabotagem, estão entre as poucas ferramentas úteis do arsenal ucraniano, disseram especialistas. Essas são habilidades que eles vêm aperfeiçoando há anos.

Antes de Vladimir Putin invadir o país, Ucrânia e Rússia trocaram assassinatos. Políticos, militares e chefes de inteligência explodiram em atentados com carros-bomba ou de formas mais criativas.

Explosivo instalado em scooter matou o general responsável pelas forças nucleares, biológicas e químicas da Rússia.  Foto: Associated Press

O artefato que matou Kirillov foi acoplado a uma scooter estacionada ao lado de um prédio residencial e detonada, aparentemente por controle remoto, quando o general deixava o local. Uma câmera instalada em um carro, do outro lado da rua, forneceu as imagens que permitiram que os operadores ucranianos soubessem quando o alvo estava saindo.

Embora tenha havido outros assassinatos na Rússia desde o início da guerra, nunca um militar de tão alto escalão foi morto tão longe do campo de batalha. O serviço de inteligência da Ucrânia, o SBU, reivindicou a autoria da operação.

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Para o ucraniano Valentin Nalivaichenko, o assassinato foi o ponto culminante de seu trabalho na SBU. Sob sua liderança, a agência expurgou comandantes que tinham simpatias russas e recrutou jovens oficiais nascidos após a Ucrânia obter sua independência de Moscou, em 1991.

Os russos prometeram retaliação. No entanto, os serviços de inteligência da Rússia até agora não conseguiram igualar o sucesso de seus colegas ucranianos. “Para eles, realizar assassinatos se tornou uma estratégia de necessidade, porque é tudo o que eles têm”, disse Ralph Goff, ex-chefe de estação da CIA.

Ainda assim, o impacto da operação é duvidoso. Os EUA alertam que esse tipo de ataque traz uma injeção de satisfação, mas é provocativo, contraproducente e um desperdício de recursos limitados.

“Os ucranianos estão tentando aumentar a pressão sobre as elites russas, para forçar Putin a fazer um acordo”, disse Goff. “Mas acho que é uma estratégia errada. Se eles não tiverem cuidado, criarão o efeito oposto: irritar tanto os russos que eles rejeitarão negociar.”

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Análise por Michael Schwirtz
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