Análise | Morte de líder do Hamas deve prejudicar acordo de cessar-fogo e provocar resposta do Irã

O chefe do gabinete político do Hamas, Ismail Haniyeh, estava em Teerã para participar da posse do novo presidente iraniano, Masud Pezeshkian

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Foto do author Daniel Gateno
Atualização:

O assassinato do chefe do gabinete político do Hamas, Ismail Haniyeh, na madrugada desta quarta-feira, 31, em Teerã, reacendeu temores de uma guerra regional no Oriente Médio. Segundo analistas entrevistados pelo Estadão, a morte do líder palestino deve prejudicar as negociações que estavam em vigor para um cessar-fogo na Faixa de Gaza e colocar mais lenha na fogueira após Israel matar um importante comandante do Hezbollah na terça-feira, 30. O Irã prometeu vingança contra Israel, que não assumiu a autoria do assassinato.

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Haniyeh estava em Teerã para participar da posse do novo presidente iraniano, Masud Pezeshkian. A Guarda Revolucionária do Irã confirmou que um dos guarda-costas de Haniyeh também morreu na ação e que está investigando o caso. O líder palestino morava no Catar, sede de um escritório político do grupo terrorista Hamas.

“Evidentemente houve uma falha de segurança do Irã. O Haniyeh sai do Catar, onde era protegido, para participar da posse do novo presidente e é morto no país”, aponta Vitélio Brustolin, professor de relações internacionais da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisador da Universidade de Harvard. “Este tipo de evento geralmente tem um alto nível de segurança por conta das lideranças internacionais que vêm ao país, como é o caso do vice-presidente brasileiro Geraldo Alckmin que estava na posse”.

O chefe do gabinete político do Hamas, Ismail Haniyeh, participa de uma reunião com o presidente do Irã, Masoud Pezeshkian, em Teerã, Irã  Foto: Presidência do Irã / AP

As circunstâncias de como Haniyeh morreu ainda não estão claras. Em um comunicado, o grupo terrorista Hamas apontou que o chefe de seu gabinete político foi assassinado em Teerã durante um “ataque aéreo traiçoeiro”, atribuído a Israel. A mídia estatal iraniana Irna afirmou que a morte do líder palestino ocorreu após um ataque envolvendo um “projétil teleguiado aerotransportado”. Hanyeh estava em uma residência para veteranos de guerra no norte da capital do país persa. Khalil al-Hayya, um oficial do Hamas, disse em uma coletiva de imprensa que um foguete entrou na sala onde Haniyeh estava, explodindo janelas e danificando paredes.

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Vingança iraniana

Após a morte de Hanyeh, o líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei prometeu “vingar” o falecimento do palestino. Em uma série de publicações na plataforma X, Khamenei ressaltou que o assassinato ocorreu dentro das fronteiras do Irã, e por isso Teerã tem o “dever” de vingar a morte de Haniyeh.

Em abril, Irã e Israel trocaram ataques. Um bombardeio aéreo atribuído a Tel-Aviv matou sete pessoas, incluindo dois oficiais da Guarda Revolucionária do Irã, na embaixada do país em Damasco. Teerã respondeu com o maior ataque em sua história, em uma ofensiva que contou com 170 drones, 30 mísseis de cruzeiro e 120 mísseis balísticos.

O líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei, participa de uma reunião com o então chefe do gabinete político do Hamas, Ismail Hanyieh, em Teerã  Foto: Escritório do Líder Supemo do Irã / AP

A ofensiva iraniana não resultou em grandes danos à infraestrutura israelense e nem em mortes, muito por conta de uma coalizão formada por Israel, Estados Unidos, França e Reino Unido, que conseguiu abater a maioria dos projéteis do país persa, mas o aviso foi dado.

Todas as vezes que Khamenei jurou vingança o Irã tomou alguma atitude, destaca Brustolin. “O histórico das declarações do Khamenei demonstra isso e Teerã se tornou uma potência de mísseis, já provou que pode atingir Israel”.

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Para Elliot Abrams, analista sênior do Council on Foreign Relations e Representante Especial para Irã e Venezuela na administração do ex-presidente americano Donald Trump, o Irã deve responder à violação de sua soberania, mas sem criar uma guerra regional. “Sinto que os iranianos não querem uma guerra regional agora e Israel também não quer, então Irã e o Hezbollah devem responder de uma forma que funcione como um sinal de que eles não querem uma grande guerra.”.

Estados Unidos

O secretário de Estado dos Estados Unidos, Antony Blinken, apontou que Washington não participou dos planos que levaram ao assassinato de Hanyeh e ressaltou que um cessar-fogo na guerra entre Israel e a grupo terrorista Hamas na Faixa de Gaza seria essencial para reduzir os riscos de uma guerra regional.

As rusgas públicas entre o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, e o presidente americano Joe Biden sobre a forma que Tel-Aviv estava conduzindo a guerra em Gaza podem ter contribuído para que Israel não tenha se comunicado com os EUA antes da morte de Haniyeh, segundo Brustolin.

“O Netanyahu fez muitas coisas à revelia do Biden e Israel está em guerra. Eles tiveram uma janela de oportunidade para matar Haniyeh que poderia ter sido prejudicada se eles esperassem um aval americano”, ressalta o pesquisador da Universidade de Harvard.

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Para Karina Calandrin, especialista em política israelense e assessora acadêmica do Instituto Brasil Israel (IBI), os EUA serão um ator importante na tentativa de evitar uma guerra regional. “O Irã vai responder de alguma forma, principalmente com este ataque em solo iraniano, mas os EUA vão tentar dialogar para reduzir os impactos desta resposta”.

Cessar-fogo

O assassinato de Haniyeh ocorreu em meio as negociações por um cessar-fogo entre Israel e o grupo terrorista Hamas na Faixa de Gaza. A guerra no enclave palestino começou no dia 7 de outubro do ano passado, quando terroristas do Hamas invadiram o território israelense, mataram 1,2 mil pessoas e sequestraram 250. Cerca de 115 reféns, nem todos vivos, permanecem em Gaza. Após o ataque do Hamas, as Forças de Defesa de Israel (FDI) iniciaram uma operação na Faixa de Gaza, com invasão terrestre e bombardeios aéreos, que já deixou mais de 39 mil mortos, segundo o ministério da Saúde de Gaza, que é controlado pelo Hamas e não diferencia combatentes do Hamas de civis.

De acordo com Calandrin, o Hamas deve se retirar das negociações de trégua por algum tempo. Além disso, a morte de Haniyeh pode prejudicar a situação dos reféns israelenses em Gaza.

Tanques israelenses operam perto da fronteira entre Israel e a Faixa de Gaza  Foto: Tsafrir Abayov/AP

Segundo Khalil al-Hayya, um oficial do Hamas que participou de uma coletiva de imprensa em Teerã após a morte do chefe do gabinete político do grupo, a posição do Hamas continua a mesma em relação às negociações. “A ausência de um camarada ou de outro não altera a bússola do movimento em qualquer questão”, disse al-Hayya. O Hamas exige um cessar-fogo permanente, enquanto Netanyahu prometeu só terminar a guerra com o fim do Hamas.

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Catar e Egito, dois países que atuam como mediadores entre Israel e Hamas, apontaram que o assassinato de Haniyeh pode prejudicar a instabilidade do Oriente Médio e acabar com as negociações.

Hezbollah

A morte do chefe do gabinete político do Hamas ocorreu algumas horas antes de Israel ter anunciado a eliminação de Fuad Shukr, comandante do movimento xiita libanês Hezbollah a quem Israel responsabilizou pelo ataque do último sábado nas Colinas do Golan.

O grupo libanês faz parte do círculo de influência do Irã e é apoiado militarmente e economicamente pelo país persa. Hamas em Gaza, Houthis no Iêmen e milícias no Iraque também fazem parte do chamado Eixo da Resistência do Irã. O apoio de Teerã a esses grupos armados faz parte de um instrumento de política externa para que o Irã consiga os seus objetivos.

Abrams, que foi Representante Especial para o Irã na administração de Donald Trump, avalia que a milícia xiita libanesa pode participar de uma resposta iraniana contra Israel por conta da morte de Hanyieh, mas sem entrar em uma guerra regional.

“Fundamentalmente o Hezbollah serve para proteger o Irã. Existe para fazer com que Israel não ataque especialmente o sistema nuclear iraniano. Eles não vão colocar o Hezbollah no meio disso apenas por causa do Hamas”, destaca Abrams. “Ainda teremos algumas trocas de ataques, mas podemos evitar uma guerra regional”.

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Análise por Daniel Gateno

Repórter da editoria de internacional do Estadão

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