Opinião | Morte de presidente fortalece linha dura do Irã e deve turbinar programa nuclear dos aiatolás

A recente troca de hostilidades com Israel, um país com um arsenal nuclear não declarado mas amplamente conhecido, provocou uma mudança em Teerã

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Por John Ghazvinian*

A incerteza engendrada pela morte do presidente do Irã, Ebrahim Raisi, em uma queda de helicóptero poucas semanas após uma troca inédita de ataques militares com Israel traz à mente uma dúvida assustadora: 2024 será o ano em que o Irã finalmente decidirá que não pode mais arriscar sua segurança e se apressará para desenvolver uma bomba atômica?

Até aqui, por razões debatidas frequentemente por especialistas, o Irã nunca tomou a decisão de fabricar uma arma nuclear, apesar de ter pelo menos a maioria dos recursos e capacidades que precisa para isso, até onde sabemos. Mas a morte de Raisi criou uma oportunidade para radicais linha-dura no país muito menos alérgicos à ideia de nuclearizar-se militarmente do que o regime tem sido há décadas.

Mesmo antes da morte de Raisi havia indícios de que a posição do Irã poderia estar começando a mudar. A recente troca de hostilidades com Israel, um país com um arsenal nuclear não declarado mas amplamente conhecido, provocou uma mudança em Teerã. “Nós não temos nenhuma decisão para desenvolver uma bomba atômica, mas se a existência do Irã foi ameaçada não haverá outra alternativa a não ser mudar nossa doutrina militar”, afirmou Kamal Kharrazi, um dos principais conselheiros do líder-supremo, em 9 de maio.

O presidente do Irã, Ebrahim Raisi, participa de uma reunião bilateral com o presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev  Foto: Presidência do Irã / AP

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Em abril, um experiente legislador iraniano e ex-comandante militar tinha afirmado que o Irã é capaz de enriquecer urânio aos 90% de pureza necessários para fabricar uma bomba em “menos que um dia ou, digamos, até uma semana”. Ele citou uma fala do líder-supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, afirmando que o regime “responderá às ameaças no mesmo nível”, dando a entender que ataques israelenses contra instalações nucleares iranianas ocasionariam uma reformulação na postura nuclear do Irã.

A relação de Teerã com a tecnologia nuclear sempre foi ambígua, até ambivalente. Tanto durante o regime do xá Reza Pahlavi, pró-Ocidente, nos anos 60 e 70, quanto durante a República Islâmica, anti-Estados Unidos, que ocupa o poder desde 1979, o Irã manteve a pulga atrás da orelha de potências ocidentais preocupadas com suas intenções nucleares. Mas nunca tomou a decisão de ultrapassar o limite da nuclearização militar. Há várias razões importantes para isso, desde considerações religiosas sobre a moralidade das bombas atômicas até a adesão do Irã ao Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP). Mas a maior razão foi estratégica.

Historicamente, os líderes iranianos concluíram repetidas vezes que têm mais a ganhar “jogando conforme as regras” da ordem internacional de não proliferação do que trabalhando para obter a bomba. Para isso, eles teriam primeiro de retirar seu país do tratado de não proliferação, o que sinalizaria imediatamente para o mundo suas intenções e poderia atrair uma intervenção dos EUA. Ao mesmo tempo, o governo revolucionário tem relutado em atender exigências do Ocidente e desmantelar completamente seu programa, pois isso demonstraria um outro tipo de fraqueza. Os líderes iranianos sem dúvida conhecem muito bem o exemplo do líbio Muamar Kadafi, que em 2003 concordou em abandonar o programa nuclear de seu país e oito anos depois foi deposto após uma intervenção militar de uma coalizão liderada pela Otan.

O líder supremo do Irã, Ali Khamenei, lidera uma reza em frente aos caixões dos políticos iranianos mortos em um acidente de helicóptero no domingo, 19  Foto: Escritório do líder supremo do Irã / AP

Esse equilíbrio estratégico funcionou bem para a República Islâmica — até aqui. Duas décadas de políticas nucleares disfuncionais dos EUA em relação ao Irã criaram uma dinâmica perigosa, na qual Teerã enriquece mais urânio do que enriqueceria em outra circunstância, como postura defensiva ou tática de negociação. E movimenta-se gradualmente para tornar-se capaz de fabricar uma arma que poderia não querer realmente.

Quando a disputa nuclear EUA-Irã emergiu, no início dos anos 2000, Teerã tinha apenas 164 centrífugas antiquadas e pouco apetite por um programa atômico militar. Mas a irrealista insistência do governo Bush para que o Irã concordasse com “enriquecimento zero” transformou a nuclearização iraniana numa questão de orgulho nacional. Durante os anos que o governo Obama passou negociando com Teerã, o regime iraniano continuou a enriquecer urânio e aumentar seu estoque, em parte como uma cobertura para barganhas futuras. E, evidentemente, a retirada dos EUA do acordo nuclear com o Irã determinada pelo ex-presidente Donald Trump em 2018 e a campanha de pressão máxima que se seguiu somente colaboraram para o desafio de Teerã.

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Atualmente, o Irã possui milhares de centrífugas avançadas e um grande estoque de urânio enriquecido — o que, por sua vez, incitou alguns grupos internos a adotar um argumento “nós poderíamos muito bem…”, favorável à nuclearização militar. Se já chegamos até aqui, reza o argumento, por que não fabricamos logo a bomba?

Estados Unidos e Irã concordaram com um acordo nuclear em 2015, durante a administração de Barack Obama  Foto: Carlos Barria/NYT

Sob o aiatolá Khamenei, o Irã permaneceu inflexível na posição de que é melhor demonstrar para o mundo sua disposição de atender aos limites do tratado de não proliferação. Nos anos recentes, porém, conforme se acumularam sanções do Ocidente e a economia iraniana foi estrangulada, os radicais linha-dura sugeriram ocasionalmente que o país não ganhou nada com esse posicionamento e se sairia muito melhor se aderisse ao “modelo norte-coreano” — ou seja, retirar-se do tratado de não proliferação e desenvolver a bomba, do mesmo modo que a Coreia do Norte em 2003. Até aqui, essas vozes foram rapidamente marginalizadas, pois é evidente que o líder-supremo não compartilha desse sentimento. Uma fatwa, ou decreto religioso, do início dos anos 2000 emitida pelo aiatolá Khamenei declarou as armas nucleares “proibidas sob o Islã” e declarou que “a República Islâmica do Irã nunca deverá adquirir essas armas”.

O morte de Raisi alterou o cenário rapidamente e de maneira dramática. Um regime que já começou a descambar para o militarismo e o domínio do Exército de Guardiões da Revolução Islâmica (Egri) agora arrisca mover-se mais firmemente para esse campo. Alguns no Egri consideram a fatwa desatualizada: uma graduada autoridade do regime me disse que o alto-escalão da guarda está “se coçando” para arquitetar sua reversão — e provavelmente o fará na primeira oportunidade.

Independentemente de quem vencer a eleição presidencial antecipada que deve ser organizada até o início de julho, a batalha definitiva pela sucessão será pela função do líder-supremo, e o Egri deverá desempenhar um papel decisivo na transição. O finado presidente era considerado um forte candidato para suceder ao aiatolá, de 85 anos. Agora, além do filho do aiatolá Khamenei, há poucos postulantes fortes. Quem prevalecer deverá depender pesadamente do Egri para sua legitimidade.

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Historicamente, o Irã sentiu que uma estratégia de barganha nuclear é sua melhor defesa contra agressões externas e invasões. E Teerã pode continuar a calcular que trabalhar para desenvolver a bomba atrairia somente mais hostilidade, incluindo dos EUA. Não obstante, um governo americano cada vez mais distraído e imprevisível pode não estar em posição de reagir contundentemente contra um súbito e rápido movimento iraniano para obter a bomba, especialmente se o Irã escolher seu momento sabiamente.

Entre a guerra em Gaza, uma possível mudança na liderança dos EUA e um vácuo de poder que o Egri poderia preencher, não é difícil imaginar uma breve janela na qual o Irã poderia abandonar as travas e surpreender o mundo testando um artefato nuclear. Eu apostaria todas as fichas nesse cenário? Talvez não. Mas do ponto de vista de um historiador, a possibilidade do Irã obter uma bomba atômica nunca pareceu tão real quanto hoje. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

* Ghazvinian é diretor-executivo do Middle East Center, da Universidade da Pensilvânia

Opinião por John Ghazvinian*

The New York Times-Ghazvinian é diretor-executivo do Middle East Center, da Universidade da Pensilvânia

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