Mortes de civis causadas pela Rússia em Bucha, na Ucrânia, dificultam negociações de paz

Descoberta de corpos de civis mortos cria ambiente averso a um acordo de paz entre Rússia e Ucrânia, acreditam analistas

PUBLICIDADE

Por Ivan Nechepurenko
Atualização:

THE NEW YORK TIMES - Os negociadores russos e ucranianos mantem negociações de paz intermitentes desde alguns dias após o início da guerra, mas não ficou claro se elas levariam a alguma coisa – ou que o Kremlin estava falando sério sobre as negociações. Agora, as perspectivas de negociações estão mais em dúvida do que nunca com a descoberta de centenas de cadáveres de civis em Bucha, no subúrbio de Kiev, enquanto as forças russas recuavam.

PUBLICIDADE

De visita em Bucha, onde o maior número de corpos foi revelado, o presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski, disse nesta segunda-feira, 4, referindo-se às tropas russas, que era “muito difícil falar, quando você vê o que eles fizeram aqui”. “Quanto mais a Rússia atrasar o processo de uma negociação, pior será para eles”, disse a jornalistas.

Dmitri Peskov, porta-voz do Kremlin, disse a repórteres que não tinha informações sobre quando as negociações, que aconteceram pela última vez na semana passada, seriam retomadas e se os eventos em Bucha afetariam seu progresso. “A situação é séria, não há dúvida”, disse Peskov.

Voluntários carregam sacos para van com corpos de civis ucranianos que, de acordo com relatos de moradores de Bucha, foram mortos por russos. Centenas de corpos foram encontrados nas ruas da cidade após a retirada das tropas russas neste sábado, 2 Foto: Zohra Bensemra / Reuters

Andrei Kortunov, diretor-geral do Conselho de Assuntos Internacionais da Rússia, uma organização de pesquisa próxima ao governo russo, disse que os eventos em Bucha certamente dificultarão ainda mais o progresso. “É difícil sentar em uma mesa e apertar as mãos quando essas coisas acontecem”, disse ele.

Embora as negociações sejam importantes, disse Kortunov, elas dependem principalmente da situação militar no terreno de batalha, onde ambos os lados ainda esperam que surjam condições mais favoráveis para que possam pressionar com mais força a partir da posição de força. “A partir de hoje, não há muita esperança”, disse ele.

Publicidade

A situação é ainda mais complicada pelo fato de que, enquanto o presidente da Rússia, Vladimir Putin, sozinho pode ditar a política russa, na Ucrânia, Zelenski depende da opinião pública e de uma multidão de atores políticos no país. “Os eventos em Bucha o deixariam ainda mais constrangido [a aceitar as condições russas]”, disse Kortunov sobre Zelenski.

Ao longo da guerra, autoridades russas deram declarações inconsistentes sobre os objetivos de Moscou, sobre as propostas ucranianas e sobre as perspectivas de um cessar-fogo, uma reunião de cúpula entre Putin e Zelenski, ou um acordo de paz final. Várias vezes, diferentes funcionários russos de alto nível se contradizem. Algumas autoridades e analistas ocidentais concluíram que, para o Kremlin, as negociações são puramente uma exibição.

Zelenski aceitou o que a Rússia descreveu como seus objetivos centrais: que a Ucrânia não se junte à aliança da Otan. Além disso, o presidente ucraniano e seus negociadores expressaram abertura a outras demandas russas. Na semana passada, eles apresentaram um conjunto de propostas descrevendo os contornos de um acordo de paz, mas a Rússia não respondeu formalmente.

Presidente da Ucrânia Volodmir Zelenski, no centro, visitou cidade de Bucha, no subúrbio de Kiev, nesta segunda-feira, 4. Destruição da cidade levou presidente a chamar russos de "carniceiros" Foto: Ronaldo Schemidt/AFP

Corpos em Bucha

A retirada de tropas russas do entorno de Kiev no sábado, 3, abriu caminho para a descoberta de 410 civis com sinais de execução na cidade de Bucha, ocupada por tropas russas. Os indícios de crimes de guerra provocaram protestos de líderes internacionais, principalmente na União Europeia, que defenderam mais sanções contra o regime de Vladimir Putin. A Rússia negou as acusações da Ucrânia e usou o domingo para atacar alvos militares na costa do Mar Negro, principalmente nas cidades de Mikolaiv e Odessa.

Neste domingo, o ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmitro Kuleba, pediu ao Tribunal Penal Internacional (TPI) o envio de uma missão de investigação para documentar os crimes e identificar seus atores.

Publicidade

As imagens de cadáveres nas ruas ou sepulturas cavadas às pressas desencadearam uma onda de indignação que pode sinalizar um ponto de virada na guerra de quase seis semanas. Líderes ocidentais pediram mais sanções e um julgamento por crimes de guerra contra a Rússia.

Julgamento por crimes de guerra

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, pediu nesta segunda-feira um julgamento por crimes de guerra contra o presidente da Rússia, Vladimir Putin, e disse que buscaria mais sanções após relatos de atrocidades na Ucrânia.

“Você viu o que aconteceu em Bucha”, disse Biden. Ele acrescentou que Putin “é um criminoso de guerra”. O americano, no entanto, não chegou a chamar as ações de genocídio. “O que está acontecendo em Bucha é ultrajante e todo mundo vê isso”, acrescentou.

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, tuitou na segunda-feira que a União Europeia enviará investigadores à Ucrânia para ajudar o procurador-geral local a “documentar crimes de guerra”.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.