Mortes em Halloween expõem falhas em controle de grandes eventos na Coreia do Sul

Mais de 150 pessoas morreram e outras dezenas ficaram feridas depois que uma multidão entrou em um beco durante festa famosa de Halloween em Itaewon

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Por Redação

SEUL - Conhecida por sua resposta rápida e controlada em eventos com grandes públicos, como manifestações, a morte de 153 pessoas em uma festa de Halloween em Itaewon no sábado, 29, levantou questionamentos sobre a capacidade de organização e resposta da Coreia do Sul a multidões. Vários jovens, a maioria entre os 20 anos, morreram esmagados depois que um número elevado de pessoas entrou em um beco. O número de mortos ainda pode crescer, já que dezenas estão feridos e mais de 300 podem estar desaparecidos.

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Neste domingo, 30, as autoridades sul-coreanas se esforçavam para identificar os mortos e feridos na tragédia, que já é a segunda maior em tempos de paz. O tumulto destacou as limitações nas políticas do país que regem multidões em locais públicos, apontam especialistas. Testemunhas e familiares também se questionam porque as forças de segurança, que faziam o controle de manifestações na região mais cedo, não responderam mais rapidamente.

Embora protocolos de segurança detalhados sejam necessários para eventos oficiais, como festivais, os mesmos métodos de prevenção de desastres não se aplicam a espaços públicos onde se espera que grandes multidões se reúnam informalmente, levando a protocolos de segurança ambíguos e a nenhuma agência responsável, dizem especialistas.

Um enlutado visita um memorial para as vítimas do tumulto de sábado que matou mais de 150 pessoas durante uma celebração de Halloween, no bairro de Itaewon, em Seul, Coreia do Sul Foto: Chang W. Lee/The New York Times

“Mesmo que não haja organizador principal, se é esperado que um grande número de pessoas participe como era o caso deste evento, é necessário que as instituições tomem medidas preventivas para fortalecer seus esforços de prevenção com base no risco potencial de desastre”, disse Kim Dae-jin, professor de engenharia de segurança e estudos de mitigação de desastres na Universidade Woosuk, na província de North Jeolla.

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Resposta a desastres

As causas do incidente de sábado ainda estão sendo investigadas, segundo as autoridades. Testemunhas oculares e vídeos do momento indicam que a causa foi a acumulação de pessoas em um beco estreito que liga a avenida principal do bairro a uma área de bares movimentada. Centenas de pessoas foram esmagadas e muitas morreram de asfixia, com imagens de pessoas e oficiais realizando técnicas de ressuscitação em muitas delas.

Embora o bairro seja conhecido como um destino famoso para o Halloween, autoridades em Seul admitiram ter sido pegas de surpresa pelas multidões desorganizadas e espontâneas na noite de sábado, atraindo críticas de sobreviventes. “O governo deveria ter enviado mais policiais para controlar a multidão”, disse Kim Seo-jeong, 17, estudante do ensino médio que sobreviveu ao aumento da multidão.

Este ano foi o primeiro Halloween sem restrições por causa da pandemia de coronavírus, atraindo multidões ainda mais entusiasmadas ao bairro famoso. “Houve uma multidão de Halloween em Itaewon no ano passado, apesar da pandemia”, disse ela. “O governo deveria ter antecipado uma multidão muito maior este ano, porque a maioria das restrições da pandemia acabou.”

O prefeito de Seul, Oh Se-hoon, visita o local da tragédia de sábado que matou mais de 150 pessoas durante uma celebração de Halloween Foto: Chang W. Lee/The New York Times

No entanto, a polícia não esperava que as multidões fossem significativamente maiores do que nos anos anteriores e não enviou pessoal adicional antes das comemorações, disse o ministro do Interior e Segurança da Coreia do Sul, Lee Sang-min, em uma entrevista neste domingo.

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Mais de 200 policiais foram enviados para a área durante todo o fim de semana – cerca de um policial para cada 500 pessoas estimadas no sábado à noite. Naquele mesmo dia, as forças policiais estavam focadas em monitorar e controlar multidões em protestos antigoverno em outras áreas de Seul, disse Lee. Uma forte presença policial é comum em protestos, onde a violência pode eclodir.

A força policial nacional da Coreia tem jurisdição sobre Itaewon. Além disso, militares dos EUA fornecem “patrulhas de cortesia” para a área, que fica perto de uma base militar dos EUA, disse Wes Hayes, porta-voz das Forças dos EUA na Coreia. A polícia militar dos EUA respondeu ao lado de oficiais coreanos e ajudou com primeiros socorros e controle de multidões, disse Hayes.

As autoridades de Seul e da polícia nacional montaram uma equipe de investigação para verificar se os protocolos de segurança foram seguidos. Líderes políticos de ambos os partidos, governista e oposição, pediram à polícia que identifique imediatamente a causa do acidente, incluindo possíveis problemas com o controle de multidões, de acordo com a Yonhap News.

Equipes de emergência ao lado de uma maca com o corpo de uma vítima de um tumulto de Halloween no distrito de Itaewon, em Seul Foto: Albert Retief/AFP

Exemplo em controle de multidões

A tragédia surpreende em um país com fama de fazer um controle rigoroso de multidões, com imagens recorrentes de grande manifestações nas ruas seguidas por policiais vestidos com jaquetas verde-amarelo, guiando a multidão e desviando cuidadosamente o tráfego.

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Em 2021, o Ministério do Interior e Segurança da Coreia do Sul lançou um manual de gerenciamento de desastres e segurança para ajudar a supervisionar protocolos em grandes eventos após uma revisão de tragédias anteriores na Coreia e em outros países. Um estudo do governo de 2017, por exemplo, descobriu que medidas de segurança insuficientes levaram a tumulto em mais de uma dúzia de shows, festivais e eventos esportivos.

O relatório recomendou requisitos rigorosos para eventos com mais de 1.000 realizados em “instalações multiuso”. A festa de sábado tinha em torno de 100.000 pessoas, segundo estimativas da imprensa local.

Agora, os observadores estão perguntando como uma cidade que parece ter o controle de multidões como uma ciência pode falhar em uma das noites mais movimentadas do ano para os jovens festeiros.

“Reuniões públicas de cidadãos podem ser um ponto cego do governo porque não tivemos experiências com esses acidentes no passado”, disse Jeong Ho-jo, especialista em gerenciamento de desastres e executivo-chefe da Safe School, uma escola sediada em Seul que oferece treinamentos de segurança em todo o país.

Mas há quem discorde. “O que aconteceu em Itaewon levanta questões sobre os padrões de segurança do governo, ampliando seu fracasso em aprender com o passado”, disse Choi Chang-woo, líder da Aliança dos Cidadãos para uma Sociedade Segura, um grupo cívico. Em 2014, 16 pessoas assistindo a uma banda pop se apresentar em um show ao ar livre morreram quando a grade de ventilação onde estavam desabou.

Uma mulher reage após uma tragédia no distrito de Itaewon, em Seul Foto: Albert Retief/AFP

Luto nacional

O presidente sul-coreano, Yoon Suk-yeol, anunciou o início de um período de luto nacional que vai durar até o próximo sábado, e prometeu uma investigação exaustiva das causas. O mandatário frisou que a prioridade do governo neste momento é determinar as causas do acidente e prevenir tragédias semelhantes, além das tarefas de assistência às vítimas e seus familiares, durante um discurso televisivo horas após o acidente.

O trabalho deste domingo foi de identificar os 153 mortos e dezenas de feridos (com estimativas variando entre 80 e 130), além de localizar desaparecidos. Autoridades alertam que o número de mortos ainda é provisório, já que dezenas de pessoas ficaram feridas, algumas em estado grave. Além disso, o governo disse ter recebido 355 relatos de pessoas desaparecidas que podem estar ligadas ao incidente.

Muitos dos mortos estão na casa dos vinte e poucos anos. Desse número provisório, quase cem são mulheres, de acordo com os bombeiros do distrito de Yongsan. As autoridades detalharam que entre os mortos há cerca de 20 estrangeiros de China, Japão, Áustria, França, Noruega, Rússia, Estados Unidos, Austrália, Irã, Vietnã, Cazaquistão, Uzbequistão, Tailândia e Sri Lanka./NYT, W.POST e EFE

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