Mosteiro na Ucrânia permanece fiel à igreja aliada de Putin, mesmo bombardeado por russos

Monges e freiras sofrem com bombardeios, mas permanecem leais à Igreja Ortodoxa da Rússia

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Por Andrew E. Kramer

THE NEW YORK TIMES, SVIATOHIRSK - Das centenas de locais com conflitos espalhados pela Ucrânia, o Mosteiro das Cavernas de Sviatohirsk, no leste do país, está entre os mais contraditórios. O extenso complexo de igrejas construído em uma margem alta do rio Siverski Donets é considerado um dos cinco locais mais sagrados da Igreja Ortodoxa Russa, mas está na linha de fogo do exército de Putin que avança sobre a região.

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Projéteis russos direcionados a posições de tropas ucranianas se desviam constantemente e atingem o mosteiro, causando temor entre os fieis e estrondos que ecoam por todos os lados. Pelo menos quatro monges, padres ou freiras já foram mortos por conta dos bombardeios, segundo informações da polícia ucraniana; escombros e buracos se espalham pela construção.

Os danos ao mosteiro são mais um exemplo das consequências causadas pelos ataques desordenados dos russos. As freiras e os monges que moram no local acabaram por adotar uma postura de racionalização de guerra, junto com outras centenas de pessoas que buscaram segurança no complexo. Eles são fiéis à igreja russa e leais ao seu líder em Moscou, o patriarca Kirill, que abençoou a invasão russa.

Monges e trabalhadores do Mosteiro de Sviatohirsk próximos a sepulturas recém-cavadas no local. Artilharia russa atinge mosteiro, mas fiéis permanecem leais a Moscou Foto: Ivor Prickett / NYT

O constante bombardeio sofrido impõe uma contradição que eles são forçados a conciliar. “Sim, eles bombardearam o mosteiro, mas provavelmente estão apenas seguindo ordens”, disse uma freira, irmã Ioanna, sobre os soldados russos. “Oramos por eles também, pedindo que percebam o que estão fazendo.”

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Ioanna rezava no corredor do mosteiro na manhã do dia 31 de maio, quando um projétil atingiu o local e explodiu uma parede. Um tijolo a feriu na cabeça e estilhaços atingiram o estômago de um monge que estava ao lado dela, matando-o antes que ele pudesse ser resgatado.

Os que não sobrevivem aos ataques são enterrados em sepulturas recém-cavadas em um pátio do mosteiro. Ao redor do local, as paredes brancas estão salpicadas de estilhaços e janelas estão destruídas. Buracos nas paredes e crateras nos pátios da igreja se apresentam como rastros dos bombardeios.

Dentro dos edifícios, centenas de pessoas se amontoam diante de símbolos ortodoxos para se benzer quando os bombardeios começam do lado de fora. Muitos estão ali em busca de abrigo depois de terem as próprias aldeias atacadas.

Civis descansam em bunker do Monastério de Sviatohirsk, localizado em cavernas, no último dia 3 de junho. Local era considerado seguro, mas avanço da linha de frente da guerra tornou os bombardeios mais frequentes Foto: Ivor Prickett / NYT

No fim de semana, o presidente ucraniano Volodmir Zelenski disse que cerca de 300 civis, incluindo 60 crianças, estão abrigados no mosteiro. A polícia diz que não pode retirá-los porque a estrada de acesso ao local sofre bombardeios constantes.

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Os ataques provavelmente repercutirão na política cristã ortodoxa. As igrejas russa e ucraniana passaram por uma cisão após a dissolução da União Soviética que se tornou um pano de fundo religioso para a guerra. A Igreja da Ucrânia se declarou independente, mas milhares de paróquias no país permanecem leais a Kirill, o Patriarca de Moscou. Se a Ucrânia vencer, a igreja russa praticamente será expulsa do país.

Muitas paróquias ortodoxas russas na Ucrânia, e em outros países, rejeitaram aliança com Kirill - um aliado político do presidente russo Vladimir Putin. Mas este não é o caso dos monges do mosteiro Sviatohirsk. Eles permanecem alinhados com a Rússia. Segundo teólogos, eles se negam a reconhecer que a Rússia invadiu a Ucrânia e agora impõe danos ao mosteiro.

Os militares russos dispararam pela primeira vez a artilharia que atingiu o mosteiro em março, mas os bombardeios mais intensos começaram há duas semanas com o avanço do exército russo.

Na última semana, a linha de frente da guerra ao redor de Sviatohirsk ficou a uma distância de 1,6 quilômetros dos portões do mosteiro. A artilharia russa tem como alvo posições ucranianas nas proximidades e uma ponte que cruza o rio Sviersky Donets, localizada a uma distância de 15 a 20 metros do local sagrado, mas alguns projéteis erram os alvos e atingem o mosteiro.

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Fumaça causada por projéteis de guerra sobe em local próximo ao Monastério de Sviatohirsk, no dia 3 de junho Foto: Ivor Prickett / NYT

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Autoridades ucranianas acusam as forças russas de serem imprudentes e descuidadas em seus bombardeios. “Nada é sagrado para eles”, disse Anton Gerashchenko, vice-ministro do Interior, sobre a destruição do mosteiro. “Eles podiam dar a volta, mas decidiram atirar na sua direção.”

No fim de semana passado, os combates iniciaram um incêndio que queimou a igreja de madeira All Saints Hermitage, a maior igreja de madeira da Ucrânia, segundo autoridades ucranianas. A Rússia culpou as forças ucranianas pelo incêndio. A Igreja, datada do século XVI, é um local histórico, cultural e religioso importante para russos e ucranianos.

O mosteiro de Sviatohirsk também é um lugar difícil para o governo ucraniano equilibrar liberdade religiosa com lealdade patriótica em tempos de guerra. Os monges, que são vistos como traidores pelos nacionalistas ucranianos, são pró-Rússia há anos e afirmam que têm o direito de seguir o caminho religioso que escolheram, mesmo durante a guerra.

A liderança do mosteiro, por exemplo, é subordinada a um clérigo em Donetsk, capital de uma das duas regiões separatistas e pró-Rússia localizadas na Ucrânia. Eles justificam a guerra como um plano de Deus, não do exército russo.

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