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Motim do Grupo Wagner abala a fé da elite russa na força de Vladimir Putin

Altos-escalões da política e negócios russos se perguntam se Putin pode se recuperar da rebelião e alguns até sugeriram que uma busca por um sucessor poderia estar em andamento

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Por Catherine Belton

MOSCOU - O impacto do desafio mais sério de todos os tempos à presidência de 23 anos de Vladimir Putin ainda estava reverberando entre as elites de Moscou nesta segunda-feira, 26, enquanto questões giravam sobre se o presidente russo havia, pelo menos por um momento, perdido o controle do país.

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Quando Putin se dirigiu à nação na segunda-feira pela primeira vez desde o caos da rebelião armada deste fim de semana, ele agradeceu à população por exibir “unidade e patriotismo”, o que, segundo ele, demonstrava claramente que “qualquer tentativa de causar turbulência interna estava fadada ao fracasso”.

Mas a insurreição armada do líder do grupo de mercenários Wagner destruiu o mito cuidadosamente elaborado que era a pedra angular da presidência de Putin - que ele representava estabilidade e força - e muitos nos escalões superiores da política e negócios russos se perguntam se ele pode se recuperar disto. Alguns até sugeriram que uma busca pelo sucessor de Putin poderia estar em andamento.

O presidente russo, Vladimir Putin, faz um discurso forças militares russas que garantiram a ordem e a legalidade durante o motim, no Kremlin em Moscou, em 27 de junho Foto: Sergei Guneyev/Sputnik/Kremlin via AP

“Putin mostrou ao mundo inteiro e à elite que ele não é ninguém e não é capaz de fazer nada”, disse um influente empresário de Moscou. “É um colapso total de sua reputação.”

“Estão sendo disputados jogos que ninguém entende”, disse uma autoridade russa próxima aos principais círculos diplomáticos. “O controle do país foi parcialmente perdido.”

Membros da elite de Moscou estavam discutindo como foi possível para a força renegada de mercenários de Wagner tomar tão facilmente o controle do principal centro de comando para a guerra do exército russo na Ucrânia, na cidade de Rostov-on-Don, no sul da Rússia, sem enfrentar resistência e, em seguida, progrediu centenas de quilômetros ao longo da estrada para Moscou antes que Ievgeni Prigozhin, o líder do Grupo Wagner, finalmente decidisse recuar suas tropas.

“Como é possível que eles conduzam tanques centenas de quilômetros ao norte em direção a Moscou e não sejam parados?” disse um associado de um bilionário de Moscou. “Não houve resistência.”

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“Quando você tem colunas de milhares de pessoas marchando e ninguém pode impedir, a perda de controle é evidente”, disse um bilionário russo que, como outros, falou sob condição de anonimato por temer represálias.

Putin insistiu em seu discurso que todas as medidas foram tomadas sob sua ordem direta para “evitar grande derramamento de sangue”. Ele explicou que era preciso dar tempo para “aqueles que cometeram o erro” para “reconhecer que suas ações foram decisivamente rejeitadas pela sociedade” e que o que eles estavam fazendo estava levando a “consequências trágicas e destrutivas para a Rússia”.

Mas persistiam as dúvidas sobre como Putin poderia ter permitido que Prigozhin, um colaborador próximo desde os anos 1990, escapasse das acusações de montar uma insurreição armada - em particular desde que suas forças derrubaram helicópteros e um avião militar e mataram pelo menos 13 militares russos, de acordo com blogueiros militares russos. Depois de deter suas tropas, Prigozhin mudou-se para Belarus, de onde, a julgar por uma mensagem de áudio que divulgou na segunda-feira, pretende continuar a operar seu grupo mercenário privado Wagner.

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“Este deveria ser um caso de terrorismo. Foram crimes muito graves”, disse o primeiro empresário de Moscou. “Mas, novamente, nada foi feito.”

Prigozhin insistiu na mensagem de áudio postada no Telegram na segunda-feira – sua primeira declaração desde que concordou em interromper sua marcha sobre Moscou – que estava tentando garantir a sobrevivência de seu Grupo Wagner e não estava tentando derrubar Putin. Ele disse temer que seu grupo seja subjugado pelos militares russos e está tentando garantir que aqueles que cometeram “um grande número de erros” na guerra na Ucrânia sejam punidos. Os ataques verbais do líder Wagner à liderança militar da Rússia, que ele vem atacando há meses, expuseram profundas divisões dentro da elite russa sobre a condução da guerra de Putin, bem como sobre as políticas gerais do presidente russo.

Os eventos dos últimos dias “mostram que o país não está indo na direção certa”, disse Sergei Markov, um consultor político ligado ao Kremlin. “Se nada mudar, isso vai acontecer de novo com certeza.”

Dois executivos de negócios de Moscou sugeriram que os mercenários de Prigozhin não teriam conseguido progredir até agora sem obstáculos na estrada para Moscou se parte dos serviços de segurança russos não os tivesse apoiado. Os combatentes chechenos enviados para Rostov-on-Don não pareceram fazer nada, disse um dos empresários de Moscou, e outras forças enviadas para combater as forças de Wagner explodiram apenas um posto de combustível em Rostov, deixando outro, muito maior, em Voronez, mais adiante na rota para Moscou, intacto. As forças regulares russas explodiram apenas uma ponte, na tentativa de retardar o progresso da insurreição.

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“Era como se eles estivessem apenas agindo para mostrar ao presidente que estavam fazendo alguma coisa, mas na verdade não estavam fazendo nada, e o presidente russo não controlava nada”, disse o empresário. A batalha de Prigozhin pela liderança das forças armadas russas pode representar uma luta mais profunda dentro dos serviços de segurança da Rússia pela futura presidência russa, sugeriu ele.

O mais fatídico para a imagem do presidente russo foi sua decisão de fechar um acordo com Prigozhin em vez de arriscar uma batalha potencialmente sangrenta se os homens do líder Wagner chegassem aos arredores de Moscou, onde forças especiais se preparavam para defender a capital, disseram analistas e executivos.

O presidente russo, Vladimir Putin, se reúne com militares no Kremlin em Moscou em 27 de junho de 2023 Foto: Mikhail Tereshchenko/Sputnik/AFP

“Para a elite, isso é muito problemático. Porque, do ponto de vista óptico, Putin parece fraco e parece uma figura que se assustou e foi forçado a fazer concessões”, disse Tatiana Stanovaya, fundadora da R.Politik, uma consultoria política russa agora sediada em Paris. “Mas, do ponto de vista subjetivo, Putin saiu da situação com sucesso para si mesmo. A alternativa era uma batalha séria e sangrenta nos arredores de Moscou, o que teria sido pior.”

Permanecem as dúvidas sobre se o acordo alcançado com Prigozhin se manterá, com tentações altas em ambos os lados para renegar as promessas feitas “sob condição de choque”, disse Stanovaya.

A rebelião de Prigozhin “expôs muitas vulnerabilidades no regime”, acrescentou Stanovaya. “Putin levará isso muito a sério e tentará cobrir os pontos fracos.”

Mas outros disseram que o relógio já estava correndo em seu governo. Alguns no Kremlin estão “procurando agora por um sucessor e, se procurarem por muito tempo, alguém encontrará um para eles”, disse o funcionário russo, próximo aos principais círculos diplomáticos russos, observando que as forças armadas ucranianas já estavam aproveitando o caos em Moscou para avançar em sua contraofensiva.

“A Ucrânia tem pressionado contra Dnieper, Kherson e Bakhmut. Em 1917, aconteceu um motim e a Rússia perdeu a 1ª Guerra Mundial e o regime caiu. Em 1991, a Rússia perdeu a guerra do Afeganistão e o regime caiu. Se perdermos a guerra na Ucrânia, o regime cairá e não conseguiremos recuperá-lo.”

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