O número de brasileiros que cruzaram ilegalmente a fronteira dos EUA com o México no último ano fiscal americano atingiu um recorde histórico e superou em quase oito vezes os dados do período anterior. Os números oficiais divulgados na noite desta sexta-feira, 22, pelo Serviço de Alfândegas e Proteção das Fronteiras dos EUA (CBP, por sua sigla em inglês) confirmam a tendência que vinha se apresentando nos últimos meses.
Segundo o CBP, no último ano fiscal, que teve início em 1º de outubro de 2020 e se encerrou em 30 de setembro de 2021, foram detidos 56.881 brasileiros na fronteira sul americana. No ano fiscal anterior, esse número foi de 7.161 brasileiros. Os dados atuais superam 14 anos anteriores dos registros. Com o crescimento a cada mês, setembro registrou o maior número, com 10. 471 apreensões.
A crise econômica agravada pela pandemia e a expectativa de que a política migratória do governo de Joe Biden fosse mais branda criaram uma combinação que levou a esse número recorde. A passagem de fronteira mais procurada pelos migrantes brasileiros foi a do Estado do Arizona, por onde passaram 36.682, o equivalente a 65% do total do fluxo. Até agora, o maior número de apreensões de brasileiros na fronteira sul era o de 2019, quando cerca de 18 mil tentaram entrar ilegalmente nos EUA. A crise causada pela pandemia derrubou o dado no ano fiscal seguinte.
Um recorde de 1,7 milhão de migrantes de todo o mundo, muitos deles fugindo de países devastados pela pandemia, foram encontrados tentando entrar ilegalmente nos EUA nos últimos 12 meses, coroando um ano de caos na fronteira sul, que surgiu como um dos principais desafios para o governo Biden.
Foi o maior número de travessias ilegais registrado desde pelo menos 1960, quando o governo começou a rastrear essas entradas. O número foi igualmente alto no ano fiscal de 2000, quando os agentes de fronteira capturaram 1,6 milhão de pessoas, segundo dados do governo.
Os adultos solteiros representam o maior grupo de detidos, com 1,1 milhão, ou 64% de todos os que cruzaram a fronteira. Mas há também um grande número de famílias migrantes - mais de 479 mil, o que representa cerca de 48 mil a menos do que durante o último aumento nas travessias de famílias em 2019.
Mas as quase 147 mil crianças que os agentes encontraram sem pais ou responsáveis foi o maior número desde 2008, quando o governo começou a contabilizar menores desacompanhados. Encontrar abrigo para essas crianças migrantes, até que possam ser liberadas para parentes ou outros responsáveis no país, foi um dos primeiros desafios do presidente. Nesta sexta-feira, quase 11 mil ainda permanecem sob custódia do governo.
Os migrantes vieram de todo o mundo, muitos deles em busca de oportunidades econômicas após a pandemia do coronavírus eliminar centenas de milhões de empregos. Os agentes apreenderam pessoas de mais de 160 países da Ásia, África e América Latina, com o México respondendo pela maior parte.
Uma regra de saúde pública, invocada pelo presidente Donald J. Trump no início da pandemia em 2020 para selar a fronteira, permaneceu em vigor sob o governo Biden. Nos últimos 12 meses, a Patrulha de Fronteira realizou mais de 1 milhão de expulsões de migrantes de volta para o México ou para seus países de origem.
O presidente Biden tem caminhado sobre uma linha tênue entre tentar controlar o influxo e implementar uma abordagem mais humana para a fiscalização das fronteiras. Os republicanos culparam as promessas de Biden de reverter as políticas de imigração da era Trump por fomentar o aumento, à medida que se espalhou a notícia de que as fronteiras do país se tornaram mais fáceis de violar.
“O que estamos vendo na fronteira sul é uma crise”, disse Mike Pompeo, ex-secretário de Estado de Trump, no Twitter. “Se a administração Biden tivesse mantido as políticas que tínhamos em vigor, isso nunca teria acontecido.”
As travessias deste ano ocorreram após uma relativa calmaria em 2020, quando pouco mais de 400 mil pessoas foram encontradas tentando entrar no país ilegalmente. A queda foi em grande parte atribuída ao impacto da pandemia nas viagens internacionais, que impediu os migrantes de países distantes de chegar ao México, seu ponto de entrada para os EUA.
Mesmo enquanto o governo Biden continua a usar a regra de saúde pública da era Trump para deter a migração, pessoas do México e dos países do Triângulo Norte - El Salvador, Guatemala e Honduras - cruzaram sem autorização em grande número por vários meses consecutivos.
Além da pandemia, dois furacões destruíram meios de subsistência e casas na Guatemala e em Honduras, onde a extorsão e a violência de gangues persistiram em muitas comunidades, alimentando ainda mais o êxodo.
O aumento sustentado levou à superlotação e, às vezes, ao caos, nos centros de processamento ao longo da fronteira, onde os migrantes devem ser mantidos até que as autoridades dos EUA tenham realizado verificações de antecedentes e registrado cada pessoa.
Mais de 655 mil mexicanos foram presos, um número maior do que qualquer outro país, de acordo com os dados mais recentes, junto com um total combinado de mais de 700 mil de El Salvador, Guatemala e Honduras. Juntos, os migrantes do México e da América Central representaram 78% do total.
No ano passado, houve um salto significativo no número de migrantes - principalmente famílias - do Brasil, que vive a pior crise de covid na América do Sul. Mais migrantes também chegaram da Venezuela, Nicarágua e Índia, entre muitos outros.
As apreensões na fronteira sul só atingiram níveis tão altos no fim da década de 90, com pico em 2000, quando muitos migrantes que entraram no país ilegalmente foram atraídos para empregos na construção, processamento de alimentos e restaurantes.
Os dados divulgados nesta sexta-feira também mostram um aumento acentuado no número de migrantes haitianos que cruzaram no mês passado - mais de 17 mil, ou 38% do número total de haitianos que foram pegos cruzando ilegalmente nos últimos 12 meses. A resposta do governo Biden à chegada em grande número a Del Rio, Texas, atraiu muitas críticas e levantou preocupações sobre os maus-tratos aos migrantes negros em particular.
Dos haitianos que fizeram a travessia em setembro, 36% foram rejeitados pela regra de saúde pública, incluindo mais de 2.500 que chegaram em unidades familiares. Ao todo, o governo Biden usou a regra para recusar 54% de todos os migrantes pegos na travessia ilegal no mês passado./COM NYT
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.