Opinião | Na América Latina, o soft power de Joe Biden é importante

Um segundo mandato de Biden continuaria a promover a democracia enquanto aborda pontos críticos como Haiti e Venezuela, escrevem dois ex-funcionários de segurança nacional

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Por Ricardo Zúniga* e Nicholas Zimmerman*

A AQ convidou ex-funcionários de política externa de Trump e Biden para discutir como seria um eventual segundo governo. Leia o ensaio sobre Donald Trump.

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Poucas eleições terão tanto impacto na América Latina e no Caribe quanto a próxima disputa entre Joe Biden e Donald Trump.

Fatores recentes tornam os riscos especialmente elevados. A região tem lutado nos últimos anos com a estagnação econômica, a corrupção, a desinformação e a COVID-19. Esses desafios, por sua vez, abalaram a fé na democracia, aumentaram a polarização política e criaram uma onda histórica de migração – com 22 milhões de pessoas se deslocando em todo o hemisfério (7,7 milhões só da Venezuela desde 2015).

Em meio a estes desafios, o contraste entre Biden e de Trump em relação às Américas tem sido gritante. Enquanto a presidência de Trump prejudicou a imagem de Washington na região, Biden tem trabalhado para restaurar a liderança e a confiança nos EUA para fazer parcerias em desafios comuns. Enquanto Trump deu poder aos populistas que preferiam uma Washington que ignorasse as preocupações relacionadas com a corrupção ou a democracia, desde que dissessem que conteriam a migração, ou fizessem gestos simbólicos (mas raramente substantivos) para ficar do lado dos EUA contra a China, Biden defendeu a democracia no Brasil e na Guatemala contra esforços para derrubar a vontade dos eleitores.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, participa de uma reunião com o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, em Nova York, Estados Unidos  Foto: Doug Mills/NYT

A região notou claramente a diferença. De acordo com pesquisa da Gallup, um recorde de 58% das pessoas nas Américas desaprovaram a liderança dos EUA após o primeiro ano de Trump no cargo em 2017, um número que permaneceu acima de 50% durante todo o mandato de Trump.

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Em comparação, a desaprovação regional caiu para 32% após o primeiro ano de Biden no cargo em 2021 e permaneceu abaixo de 40% desde então. Simplificando, o soft power é importante – e o estilo de política externa transacional de Trump minou o espaço operacional estratégico de Washington nas Américas porque enfraqueceu a confiança regional nos Estados Unidos como um parceiro fiável. Pior ainda, a ineficácia de Trump ocorreu num momento em que a liderança global de Washington era cada vez mais desafiada pela China. As instituições de política externa dos Estados Unidos ainda estão se adaptando a uma ordem multipolar em mutação, que proporciona a regiões como a América Latina mais oportunidades de escolher entre grandes potências.

Esse era o contexto quando, ao assumir o cargo, Biden teve que se concentrar primeiro na resposta global à pandemia e nos níveis históricos de migração irregular. Fez isso ao mesmo tempo que elaborava uma agenda política coerente para reforçar a democracia na região. Também procurou restaurar a confiança na liderança dos EUA, trabalhando em parceria com a região e não de forma autoritária, incluindo em problemas persistentes como a tentativa de promover na abertura democrática na Venezuela e o avanço de redes de crime organizado cada vez mais sofisticadas. Posteriormente, Biden lançou iniciativas estratégicas que reconhecem que as Américas alimentam o mundo, abastecem cada vez mais o mundo e são essenciais para a transição energética limpa que o combate às alterações climáticas exige.

Olhando para o futuro, podemos esperar que Biden conduza uma agenda destinada a desenvolver ainda mais oportunidades estratégicas, ao mesmo tempo em que se esforce para tornar as democracias mais resilientes e receptivas às aspirações dos seus cidadãos. Os desafios não desaparecerão, mas Biden preparou o terreno para procurar soluções duradouras para estes desafios durante os próximos quatro anos.

Os Temas Prioritários

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1. Acertar na América do Norte

Em um cenário geopolítico em rápida evolução, a competitividade da América do Norte é essencial para a segurança nacional e a prosperidade dos EUA. Por isso o relacionamento com o próximo governo mexicano será central para o sucesso de Biden 2.0. Sob a liderança da presidente eleita Claudia Sheinbaum, o estilo de governança do México mudará; o conteúdo das políticas do Morena provavelmente menos.

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A migração domina as manchetes, mas o fenômeno mais importante na relação dos EUA com o México é a crescente integração entre nossas economias. No momento em que Washington busca reduzir o risco representado pela China e aumentar os investimentos domésticos por meio da Lei de Redução da Inflação, da Lei de Investimento em Infraestrutura e Empregos e da Lei de Chips e Ciência, o México se tornou um componente essencial da nova política industrial dos EUA, à medida que o “nearshoring” deixou de ser um tema de discussão e passou a ser uma realidade crescente.

Isso torna mais consequente a revisão do acordo de livre comércio entre Estados Unidos-México-Canadá (USMCA, na sigla em inglês) em 2026, que Biden abordaria com cuidado para evitar a incerteza que marcou o início da negociação durante o governo Trump. Biden precisará ser sensível às preocupações mexicanas e canadenses em relação ao seu desejo de impulsionar produtos de origem norte-americana, ao mesmo tempo em que busca compromissos da parte de Sheinbaum no que diz respeito a políticas agrícolas e energéticas mexicanas que aparentemente violam os regulamentos do USMCA e que, compreensivelmente, preocuparam o Congresso dos EUA. Outra prioridade provável para Biden será fechar a brecha que os negociadores de Trump não conseguiram abordar no acordo original, permitindo assim que empresas chinesas contornassem as tarifas estabelecendo operações de montagem no México. O papel da China na economia do México poderia facilmente se tornar uma fonte duradoura de fricção bilateral.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, participa de uma coletiva de imprensa em Las Vegas, Estados Unidos  Foto: Susan Walsh/AP

Olhando para o futuro, os dois países compartilham interesses cada vez mais convergentes em migração, crime organizado e fentanil — nenhum dos quais pode ser abordado pelos métodos propostos pelo partido Republicano, ações militares unilaterais no México contra cartéis. O presidente Andrés Manuel López Obrador tem sido um parceiro na migração, mas hipersensível quando os temas são crime organizado e produção de fentanil. Biden precisará avaliar de perto quanto dessa sensibilidade será transferida para a equipe de Sheinbaum e avaliar como os recentes ataques às instituições democráticas do México poderiam moldar o futuro desse parceiro tão crítico.

2.Regionalizar a resposta a migração

A migração em massa que acontece atualmente é um fenômeno que afeta a maior parte das Américas. Embora não seja o principal destino para as 22 milhões de pessoas deslocadas ou migrantes na região, os Estados Unidos são o país mais politicamente afetado. Há lideranças em nível federal, estadual e local, tanto republicanos quanto democratas, em todo o país que poderiam rapidamente concordar em apoiar um sistema de imigração modernizado que traria mais ordem, justiça e segurança ao processo. Infelizmente, há pouca esperança que haja uma reforma migratória, ainda que modesta, enquanto a replacement theory (teoria da grande substituição, em tradução livre) e as promessas de campanha racistas de Trump, de deportar milhões, estiverem acima das necessidades econômicas, o estado de direito e os direitos humanos básicos nas prioridades de políticos do partido Republicano.

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Sem leis modernas, Biden terá que se concentrar em fazer o problemático sistema de imigração dos EUA funcionar o melhor possível — e buscar progresso além das fronteiras dos EUA. Uma realização com potencial efeito de longo prazo do primeiro mandato de Biden foi a Declaração de Los Angeles sobre Migração e Proteção, que consagrou a noção de migração regional como uma responsabilidade compartilhada, em vez de uma competição entre países de origem e destino.

Medidas regionais para atualizar programas de trabalho temporário e promover migração circular representariam um progresso valioso, especialmente se acompanhadas por melhores proteções contra abusos trabalhistas. Ainda mais importante seria o avanço na redução de fatores políticos que impulsionam a migração, como a crise na Venezuela.

A presidente eleita do México, Claudia Sheinbaum, participa de evento na Cidade do México  Foto: Rodrigo Oropeza/AFP

3. Apagando incêndios: Venezuela e Haiti

A Venezuela continua sendo um grande obstáculo para a estabilidade, segurança e desenvolvimento regional. Tornou-se um baluarte para o crime organizado e a maior fonte de migração irregular na história da América do Sul, o que, por sua vez, tem sobrecarregado comunidades e contribuído para a insatisfação popular em toda a região.

Biden herdou uma estratégia de “Máxima Total” da era Trump que havia falhado. Embora as sanções dos EUA fossem devastadoras, não foram fatais para Nicolás Maduro e não foram usadas estrategicamente por Trump para iniciar um processo viável para quebrar o impasse político e capacitar a oposição venezuelana. O sucesso inicial da equipe de Trump em obter apoio internacional para Juan Guaidó também não foi sustentável depois que este último perdeu o apoio público ao não conseguir minar o poder de Maduro.

Biden reconheceu a necessidade de usar sanções como ferramenta de negociação em apoio aos agentes democráticos da Venezuela para forçar Maduro a realizar eleições competitivas. A abordagem de Biden apoiou o surgimento de uma oposição venezuelana coesa determinada a pressionar o profundamente impopular Maduro a realizar eleições. O Acordo de Barbados representou um grande ponto de virada, mesmo com os esforços de Maduro para não cumprir com eleições livres. Maduro agora deve ou cumprir uma eleição competitiva ou adotar medidas repressivas que nenhuma democracia na região provavelmente aceitará como legítimas.

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Nicolás Maduro participa de um comício de campanha em Caracas,Venezuela  Foto: Cristian Hernandez/AP

Se a oposição vencer, o foco de Biden na diplomacia regional pode se mostrar decisivo para pressionar Maduro a reconhecer os resultados. Juntamente com o Brasil e a Colômbia, Biden terá um papel central para promover uma transição na Venezuela — ou para responsabilizar Maduro se ele tentar evadir a vontade popular.

A grave situação no Haiti também continuará a exigir atenção. Após meses de esforços diplomáticos nos bastidores para montar e implantar uma força de estabilização da ONU, há esperança de que a missão de segurança liderada pelo Quênia reduza a violência das gangues e forneça algum espaço em meio a um processo político ainda frágil e um governo fraco. Por mais meticulosa que a abordagem de Biden possa parecer, reflete um reconhecimento de que nenhuma solução pode ser imposta de fora, ao mesmo tempo em que reconhece que os atores estrangeiros devem ajudar a criar condições para uma recuperação liderada pelo Haiti. Trump, em contraste, quase certamente voltaria as costas a qualquer esforço dos EUA para lidar com a emergência no Haiti e suspenderia a ajuda financeira que os EUA vêm fornecendo, como fez anteriormente na América Central.

4. Repensando o crime organizado

A quebra da ordem no Equador e a expansão do alcance das organizações criminosas ressaltam a necessidade de uma estratégia atualizada para combater o crime organizado nas Américas. Os cartéis do passado se transformaram em empresas multinacionais organizadas com alcance global e cadeias de suprimentos resilientes. As organizações mexicanas, em particular, aproveitaram não apenas sua penetração no enorme mercado consumidor dos EUA, mas também seus laços com organizações parceiras em toda a região. Gangues sul-americanas baseadas em prisões são agora componentes essenciais dessas redes globais, especialmente à medida que grupos rivais disputam o controle de portos em ambas as costas para atender aos crescentes mercados de cocaína na Europa e na Ásia. A migração irregular em massa forneceu outra fonte importante de receita para grupos criminosos, tanto para traficantes de migrantes quanto para aqueles que extorquem populações vulneráveis.

A maior capacidade, receita e violência das organizações criminosas aumentam as frustrações dos cidadãos e representam uma ameaça tão grande à democracia na região quanto qualquer líder autoritário. Biden 2.0 precisará considerar uma resposta regional que melhore o compartilhamento de informações e a cooperação judicial, evitando abordagens fracassadas focadas na proibição e na perseguição de lideranças. Mais do que nunca, as empresas criminosas modernas são negócios e devem ser confrontadas nesses termos.

Um membro das forças de segurança do Equador participa de uma operação em Duran, Equador  Foto: Gerardo Menoscal/AFP

Transformando Desafios em Oportunidades Estratégicas

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1.O papel da China nas Américas

Com a diplomacia agressiva do Presidente Xi Jinping e o nacionalismo econômico inflexível trazendo um consenso entre os dois partidos contra a China em Washington, o papel de Pequim nas Américas representa um desafio significativo e emblemático para os formuladores de políticas dos EUA. A maioria da região não compreende nem simpatiza com a perspectiva de Washington em relação à China. Os países desejam boas relações tanto com Pequim quanto com Washington e não querem retornar a uma dinâmica de Guerra Fria em que a região era valorizada apenas na medida em que era relevante para a luta mais ampla entre Washington e Moscou. A China é cada vez mais percebida como fornecedora da tecnologia e dos investimentos necessários, além de já servir como o maior mercado de exportação para commodities sul-americanas. Simplificando, os países buscam mais compreensão de Washington sobre como definem seus próprios interesses nacionais estratégicos.

É por isso que a abordagem “conosco ou contra nós” do governo Trump em relação à presença da China nas Américas fracassou. Pressionar os países a excluir empresas chinesas como a Huawei sem oferecer outras opções econômicas viáveis não é uma abordagem sustentável. Mesmo aliados de Trump, como o ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro, acabaram se recusando a excluir a Huawei como fornecedora do governo por necessidade. Essas dinâmicas botam sombra no fato de que os Estados Unidos continuam sendo o maior parceiro comercial e investidor estrangeiro para grande parte da região. Mas Washington ainda precisa apresentar um argumento mais convincente de que é o melhor parceiro e definir concretamente suas preocupações em relação ao papel da China na região, incluindo como as políticas predatórias chinesas e os subsídios estatais ameaçam os esforços regionais para subir na cadeia de valor e se afastar da dependência das exportações de commodities.

Biden 2.0 deve aumentar os esforços para aproveitar as oportunidades econômicas e comerciais nas Américas.

O presidente da China, Xi Jinping, participa de uma convenção do Partido Comunista da China, em Pequim  Foto: Xie Huanchi/AP

A ênfase de Biden em desbloquear o potencial da Corporação Financeira dos EUA para o Desenvolvimento Internacional (DFC, na sigla em inglês) e estimular uma maior coordenação entre ela e bancos multilaterais como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) é uma resposta direta à necessidade de competir com os investimentos chineses — especialmente em infraestrutura. Alguns destaques desse movimento incluem uma plataforma de investimento conjunta DFC-BID que identificou US$ 3 bilhões para possíveis projetos de infraestrutura, um empréstimo de US$ 470 milhões da DFC para apoiar o crescimento de pequenas empresas no Brasil, um investimento de US$ 30 milhões da DFC em uma mina de níquel e cobalto no Brasil, e um investimento de US$ 1,2 bilhão da Intel para expandir sua presença em semicondutores na Costa Rica, apoiado pelo Lei de CHIPS.

2.Expansão da cooperação em minerais críticos

As Américas são uma das regiões mais ricas em minerais críticos do mundo. Chile, Peru e México possuem as segunda, terceira e quinta maiores reservas de cobre, respectivamente; Argentina, Bolívia e Chile têm cerca de 60% do suprimento global de lítio; e Canadá e Brasil são o quinto e oitavo maiores produtores de níquel do mundo, respectivamente. Isso torna a região essencial para fortalecer as cadeias de suprimento estratégicas dos EUA, bem como um agente vital na transição para energia limpa.

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Dadas as disposições da Lei de Redução da Inflação e da Lei de CHIPS, Biden posicionou os Estados Unidos para expandir investimentos estratégicos e aproximar as cadeias de suprimento de minerais críticos com parceiros de acordos de livre comércio (FTA) como Canadá, América Central, Chile, Colômbia, México e Peru. A administração Biden deve considerar ir além, utilizando uma plataforma semelhante à Parceria de Segurança de Minerais para as Américas, para avançar com Argentina e Brasil, que possuem vastas reservas de minerais críticos e não têm acordos de livre comércio com Washington. Uma entrevista recente da embaixadora dos EUA no Brasil, sinalizando o anúncio de uma compra de minerais críticos brasileiros para apoiar a produção de veículos elétricos e semicondutores nos EUA, pode apontar o caminho a seguir em um segundo mandato.

3.Promover a competitividade na América Central

O compromisso de Biden de fornecer US$ 4 bilhões em ajuda ao longo de quatro anos e os esforços da Vice-Presidente Kamala Harris para promover investimentos do setor privado na América Central refletem a crença inicial da administração de que abordar os fatores que provocam a migração na América Central reduziria significativamente o fluxo de migração irregular para a fronteira sudoeste dos EUA. Embora a migração da América Central tenha sido superada em 2021 e 2022 por chegadas do México, Venezuela, Haiti, Cuba, Colômbia e Equador, um compromisso prioritário dos EUA com a América Central ainda faz sentido, dada a vulnerabilidade da região, sua proximidade com os Estados Unidos e o México e suas potenciais contribuições para a paz e prosperidade regionais.

Biden focou corretamente em reduzir as restrições ao crescimento amplo na América Central — como governança fraca, corrupção e infraestrutura precária —, mas também enfatizou suas vantagens ao pressionar por maior investimento. Essas vantagens incluem acordos comerciais existentes com os Estados Unidos, proximidade dos mercados norte-americanos, amplos recursos humanos e capital doméstico substancial. Biden poderia ajudar a viabilizar o crescimento por meio de uma combinação de assistência técnica e incentivos especiais, conectando a região mais diretamente às cadeias de suprimento dos EUA.

Aumento do comércio e do investimento por si só não resolverá problemas estruturais de longa data — a descida da Nicarágua ao autoritarismo é prova disso —, mas o sucesso das comunidades da diáspora centro-americana é evidência do que elas podem fazer em ambientes favoráveis. Biden também deve ter cuidado para não dar poder a autoritários na América Central — como o Presidente Nayib Bukele em El Salvador — por ganhos a curto prazo, ignorando as lições aprendidas com esses compromissos no passado.

4. Expansão da cooperação comercial e de desenvolvimento sustentável fora dos acordos de livre comércio

Biden 2.0 deve aumentar os esforços para aproveitar as oportunidades econômicas e comerciais nas Américas. A principal iniciativa econômica de Biden no Hemisfério — a Parceria das Américas para a Prosperidade Econômica (APEP, na sigla em inglês) — está evoluindo e pode se tornar uma base para iniciativas regionais ambiciosas, informadas por contribuições de parceiros, bancos multilaterais e do setor privado. A iniciativa possui uma arquitetura aberta para facilitar o crescimento além de seus 12 membros iniciais, nem todos com acordos de livre comércio (FTAs, na sigla em inglês) com os Estados Unidos. O esforço está se tornando mais concreto — focado em fomentar cadeias de suprimento resilientes, melhorar a infraestrutura e aumentar a participação regional na indústria de semicondutores.

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Para isso, a administração Biden está consultando o Congresso de maneira bipartidária para melhorar a competitividade regional em cooperação com o BID e outros bancos multilaterais. Por razões semelhantes, Biden apoia o aumento de capital de US$ 3,5 bilhões para o BID Invest, o que, espera-se superará a oposição incompreensível de alguns membros do Congresso ao financiamento de uma medida que aumentaria a participação do setor privado no desenvolvimento regional. Biden também trabalhou produtivamente com o Congresso na Lei das Américas, compartilhando ideias destinadas a expandir o comércio regional. Uma ampliação do USMCA pode não ser o melhor veículo para a integração econômica da região, dadas as idiossincrasias do comércio norte-americano — e Washington também precisa ter cuidado para que a mensagem do projeto de lei sobre a China não afaste seus parceiros —, mas este é um esforço promissor que mostra uma crescente conscientização sobre uma clara necessidade estratégica.

Em um segundo mandato, Biden poderia pressionar por inovações adicionais, como permitir que a DFC financie projetos com qualquer parceiro da APEP, independentemente do nível de renda, e superar a barreira ao financiamento de países de renda média e alta que limita a capacidade de Washington de apoiar países de alta renda e bem-sucedidos como o Uruguai. Biden também poderia trabalhar com o Congresso no desenvolvimento sustentável, avançando na legislação para contribuir com o Fundo Amazônia.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, caminha para o encontro com o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, em Nova York, Estados Unidos  Foto: Doug Mills/NYT

Não Podemos Ignorar o “E Se”

Não podemos escrever sobre a política de Biden em um segundo mandato sem tocar nas implicações de um segundo mandato de Trump, caso ele vença em novembro; as consequências de tal resultado são simplesmente profundas demais para serem ignoradas. Afinal, não há dúvida sobre onde a maioria das Américas se encaixa no espectro pessoal de Trump de “países agradáveis” versus “países de merda”.

Embora muitos na região possam supor que Trump 2.0 espelharia seu primeiro mandato, isso não leva em conta o nível mais alto de preparação da equipe Trump e a crescente radicalização de seus seguidores e potenciais membros de gabinete. Os efeitos diretos para a região seriam substanciais, especialmente para a América Central, que teria de absorver repentinamente centenas de milhares de deportados e a consequente perda de bilhões de dólares em remessas. México e Canadá enfrentariam uma renegociação muito mais volátil do USMCA em 2026. E diferenças ideológicas com governos de esquerda no Brasil e na Colômbia poderiam levar a tarifas e outras tensões comerciais.

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Enquanto Biden continuaria trabalhando pragmaticamente em todo o espectro político para apoiar democracias mais eficazes, Trump 2.0 fortaleceria correntes autoritárias já em fermentação no hemisfério. Menos previsível seria o impacto regional da instabilidade geopolítica caso Trump prossiga com a retirada de fato dos EUA da OTAN e caso se afaste dos compromissos de segurança com Taiwan. Poderia haver alguns vencedores regionais em tais cenários, mas um ambiente global mais turbulento, combinado com um Estados Unidos instável e voltado para si mesmo, não será um modelo bom para a maioria.

Opinião por Ricardo Zúniga*

*Zúniga é oficial aposentado do Serviço de Relações Exteriores dos EUA. Em sua carreira de 30 anos no Departamento de Estado, serviu no México, Portugal, Cuba, Espanha e Brasil e foi diretor sênior do Conselho de Segurança Nacional para o Hemisfério Ocidental na administração Obama

Nicholas Zimmerman*

*Zimmerman é membro global do Brazil Institute do Woodrow Wilson International Center for Scholars e consultor sênior da WestExec Advisors. Foi conselheiro sênior de política do Embaixador dos EUA nas Nações Unidas e diretor do Conselho de Segurança Nacional para assuntos do Brasil e do Cone Sul no governo Obama

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