Na China, pais sequestram os próprios filhos para manter a custódia deles

Durante anos, milhares de crianças na China foram levadas e escondidas. A prática se tornou mais comum com o aumento dos divórcios no país. Uma nova lei busca combater tal prática.

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Por Amy Qin e Amy Chang Chien

Os homens e mulheres derrubaram Wang Jianna no chão. Segurando os ombros e as pernas dela, arrancaram-lhe dos braços sua bebê de seis meses e saíram correndo.

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Uma câmera de vigilância registrou a cena toda. Mas havia pouco que Wang pudesse fazer: o mandante do sequestro, cometido na rua diante da casa da mãe dela, era seu companheiro, o pai da bebê.

A polícia da cidade de Tianjin, norte da China, não quis se envolver, de acordo com Wang, dizendo ser impossível um pai sequestrar a própria filha. Então um tribunal concedeu a guarda da criança ao companheiro de Wang, citando a necessidade de manter a bebê em um "ambiente conhecido".

Mães brincam com crianças no centro de Xangai. Foto: REUTERS/Carlos Barria (19/11/2013)

Aquela tarde de janeiro de 2017 foi a última vez que Wang viu a filha pessoalmente. "Sinto-me profundamente injustiçada", disse Wang, 36 anos. "Por mais absurdo e injustificável que seja um sequestro, o tribunal ainda manteve a situação."

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Disputas pela guarda dos filhos podem ser episódios amargos em qualquer lugar do mundo. Na China, onde os tribunais raramente decidem pela guarda conjunta, as disputas envolvendo as crianças são particularmente ácidas. Os juízes costumam decidir pela permanência da criança no seu lar atual, dizendo que isso é o melhor para o seu bem-estar. Mas isso cria um perverso incentivo para que os pais em processo de separação sequestrem e escondam os filhos para ficar com a guarda exclusiva das crianças.

Nove meses após a abdução da filha de Wang, a polícia de Tianjin reconheceu em um relatório final que o companheiro dela, Liu Zhongmin, tinha ferido Wang e a mãe dela durante uma "disputa física por uma criança", de acordo com uma cópia da denúncia obtida pelo The New York Times. A polícia ordenou que Liu cumprisse 10 dias de prisão administrativa e pagasse multa de aproximadamente US$ 75 pelo dano físico causado. Mas os policiais não o culparam por levar a criança.

Liu não foi localizado para comentar o episódio. O advogado dele e uma das pessoas supostamente envolvidas no sequestro da criança desligou o telefone quando solicitado a comentar o caso.

Durante décadas, a lei chinesa não considerou crime o sequestro e ocultamento dos filhos pelos próprios pais. O problema se tornou mais generalizado com a alta dos divórcios no país. A maioria dos divórcios na China é decidida em acordos particulares, o que pode resultar em acordos de guarda compartilhada. Mas, para os casais que precisam da mediação dos tribunais, com frequência é tudo ou nada.

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Em junho, o governo buscou uma solução para o problema ao tornar ilegais as abduções para fins de definição da guarda. Para os ativistas, a lei é um avanço, mas ainda é cedo para dizer se fará alguma diferença.

Estima-se que 80.000 crianças tenham sido sequestradas e ocultadas para fins de definição da guarda em 2019, de acordo com relatório recente de Zhang Jing, destacado advogado da família de Pequim, citando números divulgados pela mais alta corte chinesa.

Muitos dizem que os números verdadeiros devem ser mais altos. Um juiz de longa data na cidade de Guangzhou, no sul da China, disse à mídia estatal em 2019 que mais da metade dos casos de divórcio litigioso no gabinete dele envolviam a abdução de uma criança para fins de definição da guarda.

Com frequência, os responsáveis pelos sequestros são os pais, e não as mães. Os homens foram os responsáveis por mais de 60% dos casos desse tipo, de acordo com Zhang. Em geral, as abduções envolveram filhos com idade inferior a 6 anos, refletindo a tradicional ênfase chinesa nos meninos enquanto herdeiros do sobrenome da família.

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"A situação é quase como um jogo: quem tiver a guarda física recebe o direito de guarda", disse Dai Xiaolei, fundadora do grupo comunitário Amor de mãe - Faixa roxa, depois de perder uma disputa pela guarda dos filhos para o ex-marido. "É um verdadeiro vale-tudo."

Em alguns casos, a abdução dos filhos em meio a uma disputa pela guarda é parte de um padrão mais amplo de violência doméstica. Estatísticas oficiais mostram que cerca de uma em cada três famílias é afetada pela violência doméstica.

Wang disse que começou a ser alvo de violência em 2016, quando estava no quinto mês de gestação da filha, Jiayi. Ela e Liu moravam juntos, mas nunca tinham se casado oficialmente. Wang disse que, um mês após o parto, Liu bateu nela novamente quando ela lhe pediu que buscasse fraldas.

Documentos dos tribunais confirmaram que Wang contou a um juiz que Liu costumava brigar com ela "por questões triviais, chegando a agredi-la e insultá-la". Liu rejeitou o pedido de Wang pela guarda da filha, mas não respondeu às alegações específicas dela, mostram os documentos.

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A violência prosseguiu por meses, disse Wang, até que ela não pôde mais suportar as surras. A pedido dela, os sogros a levaram com a bebê para ficar na casa de seus pais, disse ela. Liu foi até lá uma vez para tentar levar a criança, mas foi embora quando a polícia chegou, disse Wang. Durante o mês seguinte, ela não teve notícia dele.

Ela disse que, na vez seguinte, ele trouxe pessoas para ajudá-lo a levar a bebê. Wang recorreu quando um juiz concedeu ao pai a guarda total da criança, mas o juiz manteve a decisão, de acordo com documentos do tribunal.

As disputas pela guarda de crianças só se tornaram uma questão maior na China recentemente. Tradicionalmente, esperava-se de uma mulher buscando o divórcio que abrisse mão dos filhos. Mas isso mudou com o passar dos anos, conforme as chinesas conquistaram mais estabilidade financeira e independência.

No papel, a lei chinesa favorece levemente as mulheres. Nos casos em que a criança tem dois anos ou menos, as mães costumam ficar com a guarda integral. Mas, na prática, os juízes podem ser convencidos por considerações institucionais e informais que, de acordo com os especialistas, costumam favorecer os homens. Os homens têm mais acesso a propriedades e recursos financeiros, por exemplo, o que fortalece seus pedidos de guarda dos filhos.

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"A lei em si parece bastante neutra, mas, nos bastidores, há pouca igualdade", disse He Xin, professor de direito da Universidade de Hong Kong. "Com frequência, as mulheres saem perdendo."

Quando Cindy Huang começou a pensar em divórcio, em 2014, ela disse que os advogados lhe deram um conselho: primeiro, pegue seu filho e esconda-o.

Cindy se recusou, acreditando que não haveria a necessidade de medidas tão drásticas para proteger seu direito à guarda do próprio filho. Mas, pouco depois de ela apresentar o pedido de divórcio, o marido levou o filho do casal, disse ela. Ainda que o juiz se solidarizasse com ela, disse a Cindy que não havia muito a ser feito.

"O juiz foi bem claro, dizendo: ‘Não há maneira de tirar seu filho do pai, e não podemos conceder a guarda a você’", relatou Cindy, 43 anos.

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Depois de um recurso malsucedido em 2016, Cindy recebeu permissão para ver o filho em um café duas vezes ao mês, em encontros supervisionados pelo ex-marido. Cindy se disse arrependida por não ter seguido o conselho dos advogados.

"Pensei, ‘Como é possível que a lei determine que a guarda fica com o pai que sequestrar o filho primeiro?’" disse ela. "Fui ingênua."

Pouco depois de levar a filha de Wang, o ex-companheiro dela rompeu o contato. No ano passado, Wang convenceu um tribunal a obrigá-lo a entregar fotos da filha. Nas imagens vê-se uma criança pequena de tranças em meio a pilhas de brinquedos coloridos. Mas o rosto da menina fica oculto: Wang acredita que seja uma estratégia do ex-companheiro para impedi-la de um dia reconhecer a filha e reivindicá-la.

Passados quatro anos, ela ainda sonha com o dia em que será reunida à bebê que ela costumava ninar toda noite.

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"Nos sonhos, se não a estou salvando, estou correndo atrás dela", disse Wang. "Mas seu rosto aparece vazio: não tenho ideia de como é sua aparência"./ TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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