Na China, papel em branco vira símbolo de protestos para evitar repressão

Manifestantes utilizam folhas de papel A4 em branco para denunciar a censura e burlar termos ‘proibidos’ que são rapidamente bloqueados pelo governo

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Por Redação

XANGAI - Em meio a manifestações raras e generalizadas contra a política de “covid zero” da China, os manifestantes estão recorrendo à criatividade para evitar a repressão, como utilizar de folhas de papel em branco para denunciar a censura e fazendo trocadilhos inteligentes para exigir a renúncia do presidente Xi Jinping, de modo a evitar termos “proibidos” que são rapidamente retirados da Internet.

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Manifestantes de várias cidades, incluindo Pequim, exibiram no último domingo, 27, folhas de papel em branco de tamanho A4 em sinal de solidariedade e um aceno à falta de liberdade de expressão da China. Outros publicaram quadros brancos em seus perfis do WeChat.

Fotos de alunos da renomada universidade chinesa Tsinghua circulam nas redes, com cartazes mostrando as equações de Friedmann, escolhidas pela semelhança entre o nome do físico e a frase “freed man” (homem liberto) ou “freedom” (liberdade).

Pessoas seguram folhas brancas de papel e flores em protesto contra a política de 'covid zero' na China Foto: Tyrone Siu/Reuters

Em reação aos mecanismos de busca que bloqueiam palavras-chave e nomes de lugares relacionados a protestos, tags com significados “positivos” floresceram no WeChat e no Weibo. Nesta segunda-feira, 28, muitas postagens e referências às folhas em branco foram excluídas, embora publicações semelhantes continuem circulando.

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Os usuários das redes sociais também recorreram a trocadilhos elaborados para falar sobre os protestos, usando termos como “casca de banana”, que tem as mesmas iniciais do nome do presidente Xi Jinping em chinês, e “mousse de camarão”, que soa semelhante à frase “renúncia”.

Sarcasmo

Durante o fim de semana, alguns manifestantes pediram explicitamente a renúncia de Xi e gritaram slogans como “Não aos testes de covid, sim à liberdade”, em referência a uma faixa pendurada por um manifestante em Pequim pouco antes do Congresso do Partido Comunista em outubro.

Outros, mais cautelosos, prestam homenagens com flores e velas às vítimas de um incêndio mortal em Xinjiang na semana passada, que provocou uma onda de indignação.

Em Pequim, uma multidão reunida ao longo do rio Liangma na noite de domingo gritava “quero fazer o teste de covid! Quero escanear meu código QR de saúde!”, inspirando os usuários do Weibo a postar frases igualmente sarcásticas.

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Manifestações também são feitas em forma de homenagem às vítimas de um incêndio em Urumqi, em Hong Kong, que supostamente ficaram presos em casa devido a política de 'covid zero' Foto: Tyrone Siu/Reuters

Vídeos de Xi, assim como suas declarações, foram editados para parecer apoiar as manifestações em massa, incluindo um vídeo no qual ele diz: “Agora o povo chinês está organizado e não se pode brincar com ele”.

Em vários lugares da China, grupos cantaram o hino nacional e a Internacional em seus comícios, antecipando-se às acusações das autoridades de que os protestos eram antipatrióticos ou instigados por forças estrangeiras.

Um vídeo que foi rapidamente retirado pelos censores mostrava estudantes em um dormitório universitário cantando a música do grupo pop cantonês Beyond, “Boundless Oceans, Vast Skies”, uma ode à liberdade que também foi abraçada pelos manifestantes pró-democracia de Hong Kong no início da pandemia.

Os internautas também divulgaram memes sobre a Copa do Mundo do Catar, com imagens de torcedores sem máscara, para zombar da rígida política chinesa.

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Um caminhão de bombeiros passa enquanto um pequeno grupo de manifestantes segura pedaços de papel em branco em protesto do outro lado da rua da embaixada chinesa em Tóquio Foto: Richard A. Brooks/AFP

Desafio para Xi

Apenas um mês depois de receber novos poderes como potencial líder vitalício da China, Xi Jinping enfrenta uma onda de raiva pública do tipo não vista há décadas, provocada por sua estratégia “covid zero” que em breve entrará em seu quarto ano.

Manifestações generalizadas não têm precedentes desde que o exército esmagou o movimento pró-democracia liderado por estudantes em 1989, na Praça da Paz Celestial de Pequim.

A maioria dos manifestantes concentrou sua raiva nas restrições que podem confinar as famílias em suas casas por meses e foram criticadas por não serem científicas nem eficazes. Alguns reclamaram que o sistema não está respondendo às suas necessidades.

Os gritos pela renúncia de Xi e pelo fim do Partido Comunista que governa a China há 73 anos podem ser considerados sedição, punível com prisão.

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Pessoas seguram folhas de papel brancas em protesto contra as restrições de 'covid zero' na China Foto: Tyrone Siu/Reuters

Em resposta, a polícia em Xangai usa spray de pimenta para afastar os manifestantes, e dezenas foram detidos e levados em vans e ônibus da polícia. O vasto aparato de segurança interna da China também é famoso por identificar pessoas que considera encrenqueiras e pegá-las mais tarde, quando poucos estão observando.

A possibilidade de mais protestos não é clara. Os censores do governo limpam a internet de vídeos e mensagens de apoio a eles. E os analistas dizem que, a menos que surjam divisões, o Partido Comunista deve ser capaz de conter a dissidência.

Burlar a ‘Grande Muralha’

Redes sociais como Twitter e Instagram são bloqueadas na China pelo “Great Firewall” (jogo de palavra em inglês com a Grande Muralha), um sistema que censura a internet, mas alguns cidadãos com experiência em tecnologia conseguem publicar informações sobre os protestos usando um software especial de rede privada virtual (VPN).

Para espalhar a mensagem além das fronteiras da China, contas anônimas do Twitter recebem vídeos enviados de todo o país, enquanto várias transmissões ao vivo dos protestos são organizadas no Instagram.

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Estudantes chineses no exterior organizaram manifestações semelhantes em todo o mundo, inclusive em várias cidades americanas e europeias.

Pessoas se reúnem para uma vigília e seguram folhas de papel brancas em protesto contra a política de 'covid zero' da China Foto: Thomas Peter/Reuters

Em um vídeo postado no Instagram e geolocalizado pela AFP, os manifestantes entoam e colocam uma faixa em frente ao consulado chinês em Toronto com a frase “Rua Urumqi”, nome de uma rua de Xangai para onde os manifestantes convergiram após o incêndio de Urumqi.

As medidas rigorosas da China foram originalmente aceitas para minimizar as mortes, enquanto outros países sofreram ondas devastadoras de infecções, mas esse consenso começou a se desgastar nas últimas semanas.

Embora o partido no poder diga que as medidas anti-coronavírus devem ser “direcionadas e precisas” e causar o mínimo possível de perturbação na vida das pessoas, as autoridades locais estão ameaçadas de perder seus empregos ou outras punições se ocorrerem surtos. Eles responderam impondo quarentenas e outras restrições que os manifestantes dizem exceder o que o governo central permite.

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O governo não eleito de Xi não parece muito preocupado com as dificuldades trazidas pela política. Nesta primavera, milhões de residentes de Xangai foram colocados sob um bloqueio estrito que resultou em escassez de alimentos, acesso restrito a cuidados médicos e problemas econômicos. No entanto, em outubro, o secretário do partido da cidade, um partidário de Xi, foi nomeado para o segundo cargo do Partido Comunista./AFP e AP

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