Na crise da Venezuela, EUA querem que países da América Latina liderem a busca por uma solução

O governo Biden tem preferido permitir que os presidentes de Colômbia, Brasil e México assumam a liderança da pressão sobre o regime Maduro, mas um papel ativo de Washington pode ser inevitável

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Por Samantha Schmidt (Washington Post) e Karen DeYoung (The Washington Post)
Atualização:

Duas semanas após o ditador venezuelano, Nicolás Maduro, declarar vitória na sua disputa por um terceiro mandato, apesar do que os Estados Unidos e outros países classificam como “evidências arrebatadoras” de uma vitória massiva da oposição, o futuro da Venezuela e da política de Washington para o país permanecem num limbo.

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O governo Biden, ainda que tenha reconhecido que o candidato opositor Edmundo González claramente obteve mais votos, não chegou a declará-lo vencedor. Em vez disso, a Casa Branca pede a divulgação de todos os resultados oficiais e que Maduro e a oposição negociem uma “transição” de poder.

Em vez de assumir a liderança na pressão para Maduro deixar a função ameaçando com sanções e outras represálias se ele se recusar, como Washington fez no passado, o atual governo americano depositou suas esperanças na tríade de governos esquerdistas da América Latina para persuadi-lo a ceder.

O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, discursa na sede da Suprema Corte, em Caracas, Venezuela  Foto: Matias Delacroix/AP

Até aqui, os esforços dos presidentes de México, Colômbia e Brasil, todos com relações relativamente estáveis com Maduro, parecem ter avançado pouco.

Os ministros de relações exteriores dos três países se encontrariam com seu homólogo venezuelano no domingo, com o objetivo de planejar uma reunião entre os presidentes mexicano, Andrés Manuel López Obrador; colombiano, Gustavo Petro; e brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, com Maduro na quarta-feira.

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A Colômbia planeja propor um acordo inicial de boa-fé, segundo o qual Maduro libertaria todos os presos políticos em troca de um alívio nas sanções dos EUA e da União Europeia, de acordo com uma fonte próxima às negociações que falou sob condição de anonimato porque não estava autorizada a comunicar detalhes das negociações.

Não seria um “quid pro quo”, afirmou a fonte, Maduro precisaria realizar o primeiro gesto de boa-fé. O apoio do governo Biden a um acordo nesses termos, contudo, é incerto.

Venezuelana aguarda na frente de um posto policial após a detenção de seu marido em um protesto em Caracas, Venezuela  Foto: Matias Delacroix/AP

O procurador-geral de Maduro abriu uma investigação criminal contra líderes opositores atualmente na clandestinidade, incluindo González. Ao mesmo tempo que se recusa a divulgar os resultados oficiais da eleição de 28 de julho e afirma que Maduro venceu com 51% dos votos, o governo venezuelano acusa a oposição de falsificar as atas de votação das circunscrições eleitorais publicadas online que mostram González com mais que o dobro dos votos do que Maduro.

Maduro chamou de “terroristas” os correligionários da oposição e prendeu milhares de pessoas em operações de segurança após a eleição. Ele anulou os passaportes de ativistas e jornalistas e ordenou os venezuelanos a deletar o WhatsApp, uma das principais ferramentas de comunicação da oposição. Na sexta-feira, Maduro decretou que a plataforma X, anteriormente Twitter, fosse banida por 10 dias após seu dono, Elon Musk, chamá-lo de “ditador” e “palhaço”.

Em meio a encontros com representantes do governo e da oposição, os três presidentes emitiram comunicados instando o Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela, controlado por Maduro, a divulgar os resultados completos dos votos depositados em cada circunscrição e permitir uma “verificação imparcial”.

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“A comunidade internacional uniu-se ao nosso chamado para Maduro e seus representantes divulgarem as atas eleitorais detalhadas e sem manipulações. Até aqui, não há nenhuma evidência que sustente a alegação” apresentada pela comissão eleitoral “de que Maduro venceu” afirmou no sábado o porta-voz do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, Sean Savett.

O presidente da Colômbia, Gustavo Petro, participa de uma reunião com o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente do México, Andres Manuel Lopez Obrador  Foto: Juan Diego Cano/AFP

“Nós damos boas-vindas ao empenho dos nossos parceiros internacionais que pedem transparência para honrar os votos da pessoas e apoiam um caminho pacífico adiante que respeite a vontade do povo venezuelano. Os EUA apoiam fortemente esses esforços”, afirmou Savett.

Pressão

Duas graduadas autoridades do governo, que falaram sob condição de anonimato para discutir assuntos diplomáticos, notaram que a posse do presidente seguinte da Venezuela está marcada para janeiro, o que dá tempo para países do Hemisfério e outras partes aumentarem a pressão sobre Maduro.

A fonte próxima às negociações entre os líderes latino-americanos afirmou que eles consideram extremamente improvável que Maduro concorde com um pacto de compartilhamento do poder com a oposição. Mas, afirmou a fonte, as conversas poderão estabelecer condições para um espaço democrático nas instituições do governo da Venezuela e eleições legislativas ou municipais competitivas em 2025.

Acordos nessas linhas, permitindo a Maduro ser empossado presidente pela terceira vez em janeiro, provavelmente colocariam em teste a disposição dos EUA de se sentar no banco de trás das negociações na América Latina.

Esforços anteriores dos EUA — incluindo a campanha de “pressão máxima” do governo Trump, com um aumento nas sanções contra Maduro e seu governo e o reconhecimento do líder opositor Juan Guaidó como presidente — colaboraram pouco para mudar a situação na Venezuela. O ressentimento histórico em relação ao poder americano cresceu no Hemisfério, juntamente com o êxodo de milhões de refugiados venezuelanos.

O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, participa de uma reunião com seu gabinete em Caracas, Venezuela  Foto: Zurimar Campos/AFP

“Acho que estamos confortáveis com a posição que os três tomaram agora”, disse uma graduada autoridade do governo sobre a transmissão de responsabilidade para o México, a Colômbia e o Brasil, países que aspiram se tornar líderes regionais. “Todos disseram que é preciso haver transparência nos resultados”, o que é exigido pela lei eleitoral venezuelana. Sua “iniciativa precisa de algum tempo para se desenvolver”.

Estratégia

Os três países, em níveis variados, também são importantes para outros objetivos dos EUA na região, incluindo o combate aos fluxos de drogas e migração, assim como para conter a influência no Hemisfério de atores autoritários como Rússia, China e Irã.

“Ainda que EUA, México, Colômbia e Brasil possam ter diferenças em suas visões sobre o caminho adiante”, afirmou outra autoridade do governo, “nós continuamos unidos no chamado por total transparência (…) e pela publicação dos resultados da votação no nível das circunscrições”.

“O que nós queremos fazer é garantir que os EUA trabalhem em conjunto com os nossos aliados, na mesma direção”, afirmou essa autoridade. “Nós teremos de ver que tipo de plano será desenvolvido para entender melhor o que podemos fazer para apoiá-lo, caso esteja de acordo com os nossos próprios objetivos.”

A relutância dos EUA em intervir ocasionou algumas críticas de legisladores americanos, especialmente da direita do Partido Republicano. Em um comunicado emitido no sábado, o senador Marco Rubio (republicano da Flórida) descreveu as negociações anteriores com os EUA que ocasionaram a eleição como uma “farsa”.

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“As ‘estratégias’ apresentadas por esse governo só deram poder ao narcoditador Maduro e seus capangas. É uma desgraça que o governo Biden-Harris não esteja disposto a declarar a vitória do presidente-eleito Edmundo González enquanto o regime aumenta a repressão”, afirmou Rubio. “Qualquer negociação é uma continuidade da ajuda ao narcorregime.”

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, anda pela Casa Branca ao lado do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, em Washington, Estados Unidos  Foto: Sarah Silbiger/NYT

Negociações secretas entre os governos Biden e Maduro mediadas no ano passado pelo Catar resultaram no esboço de um acordo bilateral para a suspensão das sanções impostas pelos EUA durante o governo Trump, que, juntamente com a má gestão de Maduro na indústria petroleira, levaram à ruína a economia venezuelana. Em troca, Maduro prometeu, entre outras coisas, eleições livres e justas, assim como a libertação de presos políticos dos EUA e venezuelanos.

Ainda que esse acordo nunca tenha sido assinado, as negociações também ocasionaram um pacto entre Maduro e a oposição venezuelana unida que estabeleceu a data da eleição do mês passado. Maduro cumpriu apenas parte do acordo, libertando alguns opositores presos mas prendendo outros. Ele estabeleceu a data de 28 de julho, mas sua Suprema Corte proibiu a candidata escolhida pela oposição, María Corina Machado, de concorrer.

Sanções dos EUA contra o petróleo e o gás da Venezuela que haviam sido suspensas quando a data da eleição foi anunciada voltaram a vigorar na primavera passada, após Machado ser banida. González, um ex-diplomata venezuelano relativamente desconhecido, foi então escolhido como alternativa. Mas o governo americano deixou a porta aberta para mais alívios de sanções conforme a votação se aproximava.

Pesquisas realizadas ao longo da campanha e na boca de urna indicavam uma vitória avassaladora da oposição. Após a eleição, observadores do Centro Center afirmaram que houve fraude. Observadores da oposição rapidamente publicaram resultados impressos pelas máquinas de votação, que desde então foram verificados por vários governos estrangeiros e organizações de imprensa.

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Alguns especialistas na região classificaram a política de esperar para ver do governo Biden como mais realista do que partir subitamente para a ação.

A líder da oposição, María Corina Machado, participa de uma coletiva de imprensa com o candidato presidencial Edmundo González Urrutia, em Caracas, Venezuela  Foto: Cristian Hernandez/AP

“Nós devemos recriar nossa política para Cuba e torná-los pária? Ou fazer o que é possível para ajudá-los a encontrar mais espaço e rumar para uma direção melhor?”, disse Caleb McCarry, que trabalhou em políticas sobre Cuba durante o governo George W. Bush. Mais de seis décadas de sanções americanas não foram capazes de remover o governo comunista de Havana.

Novas sanções, incluindo contra Maduro e outros indivíduos em seu governo, ainda poderão ser impostas no futuro. Mas por agora o governo Biden tem colocado foco, juntamente com aliados, em incentivos para trazê-lo de volta à mesa de negociação e oferecer-lhe uma estratégia de saída. As possibilidades incluem anular os indiciamentos relativos a tráfico de drogas contra Maduro e vários de seus asseclas e um salvo-conduto para um país terceiro ou negociar um acordo temporário de compartilhamento de poder com a oposição.

Outros países latino-americanos que reconheceram a vitória da oposição, liderados pelo Panamá, estão organizando seu próprio grupo de pressão, que, segundo acreditam autoridades americanas, poderá ser mais eficaz em fazer com que Petro, Lula e López Obrador adotem uma posição mais firme.

“Há muitas conversas no Hemisfério entre todos os governos”, afirmou a segunda autoridade do governo americano. “Todos estão conversando em algum nível sobre os próximos passos.”

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Da parte de Washington, “nós acreditamos que a oposição quer dialogar e apoiamos isso”, apesar “do lado de Maduro certamente agir como se não tivesse nenhuma intenção de negociar”.

O ditador da Venezuela, Nicolas Maduro, chega a sede Suprema Corte da Venezuela ao lado de sua esposa, Cilia Flores, em Caracas, Venezuela  Foto: Federico Parra/AFP

“É incumbência de todos no Hemisfério deixar claro que nos opomos” às ações de Maduro “e que, em última instância, Maduro tem de respeitar a vontade e os votos do povo venezuelano”, afirmou a repórteres o porta-voz do Departamento de Estado americano Matthew Miller, na quarta-feira.

Mesmo que os elementos de um diálogo estejam se formando tanto na região quanto entre os indivíduos diretamente envolvidos, há um reconhecimento no governo americano de que Washington é inevitavelmente um jogador, seja qual for o resultado.

“Não vou abordar o que nós faremos ou não”, afirmou a primeira autoridade, apesar desta e de outras fontes terem afirmado que as ações dos EUA variam possivelmente entre um retorno de negociações bilaterais com Maduro e mais sanções.

Mas as sanções “não serão uma bala de prata”, afirmou o pesquisador-sênior do Atlantic Council Geoff Ramsey, que analisa a Venezuela. “Acho que é por esse motivo que os EUA estão colocando foco mais em estímulos do que em punições neste momento.”

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“A situação dentro do regime (Maduro) não é totalmente formidável”, afirmou Ramsey. “Há uma série de interesses” que se beneficiaram dos passos esporádicos no sentido do alívio das sanções que o governo americano adotou, “e os olhos desses indivíduos têm brilhado quando eles falam sobre reestruturação da dívida, sobre reintegração da Venezuela ao sistema financeiro internacional. E eles não querem voltar para os tempos anteriores de isolamento e pressão econômica”.

“Acho que essa pressão, ainda que não tenha resultado em nenhum tipo de rompimento formal ou ruptura dentro do regime — e não acho que isso acontecerá — ocorre nos bastidores, muito silenciosamente, e reduz o campo de manobra de Maduro”, afirmou ele. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO