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Na eleição dos EUA, autoridades adotam ‘transparência radical’ e usam até GPS para atrair eleitores

Muitas jurisdições agora monitoram equipamentos eleitorais com rastreadores GPS, gravam a contagem de votos em vídeo e abrem suas sedes para visitas

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Por Yvonne Wingett Sanchez (The Washington Post)

FLORENCE, Arizona — Nesta comunidade conservadora de Phoenix, onde Donald Trump continua popular e sua derrota em 2020 é vista com suspeita, as falsidades eleitorais não perdem força. Elas apodrecem e aumentam.

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Assim, enquanto as autoridades do Condado de Pinal se preparam para outra eleição com o ex-presidente na cédula, elas tentam combater essa desconfiança com transparência radical, com diferentes estratégias adotadas.

As autoridades do Condado de Pinal construíram rapidamente uma sede eleitoral de US$ 32 milhões que ampliou em mais de quatro vezes o espaço anterior e tem paredes de janelas para que mais observadores possam assistir mais facilmente ao processo de contagem de votos. Eles adicionaram mais câmeras dentro e fora do ambiente para criar um acervo de imagens de vigilância.

Um novo centro de votação em Florence, Arizona, inclui uma sala com paredes de vidro que fornece uma vista panorâmica do processo de contagem de votos.  Foto: Caitlin O’Hara/The Washington Post

Os funcionários eleitorais agora prendem dispositivos GPS nos recipientes em que são transportados equipamentos e cédulas até os locais de votação, criando um registro de cada movimento. A necessidade disso surgiu após a tentativa de refutar rumores em 2020 de que um ônibus escolar cheio de equipamentos de votação havia sido abandonado em uma cidade deserta nas proximidades.

A fiação para máquinas tabuladoras fica à vista nas paredes em vez de passar por conduítes atrás delas, para que os funcionários possam provar que o equipamento não está conectado à internet e poderia ser hackeado, uma teoria falsa popular.

Além disso, os líderes do condado lançaram uma revisão externa dos sistemas de eleição e segurança cibernética para “provar inequivocamente a integridade” do processo depois que um líder republicano do condado levantou dúvidas quanto à legitimidade das primárias de 30 de julho. O resultado é esperado para outubro.

“Quando você sabe no fundo da alma que não há nada a esconder, a abertura em relação ao processo é algo óbvio”, disse a republicana Dana Lewis, registradora do condado de Pinal, que ajuda a supervisionar as eleições. “Mesmo quando abrimos a cortina, ainda há pessoas espreitando nas sombras, mas vamos continuar tentando combater a narrativa de desconfiança no processo eleitoral usando lógica, precisão e razão.”

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A nova sede ilustra como muitas autoridades em todo o país estão tentando reconstruir a confiança nas eleições. O foco implacável de Trump em como os votos são recebidos e contados — junto com informações falsas e fantásticas divulgadas por ele e seus apoiadores de destaque — levou a um aumento dramático no número de pessoas que estão observando e examinando o processo em todo o país. Em apenas alguns anos, o processo eleitoral em muitos Estados, especialmente os Estados-chave observados de perto, foi transformado.

Caixa de depósito de cédulas de votação com nova linguagem jurídica. Foto: Caitlin O’Hara/The Washington Post

As autoridades eleitorais estão realizando visitas abertas e treinamentos para que os curiosos ou céticos em relação ao processo possam vê-lo por si mesmos. Eles estão gravando em vídeo os procedimentos de contagem de votos para que as pessoas possam assistir às transmissões ao vivo de suas casas — ou solicitar a filmagem mais tarde. Estão instalando câmeras de vídeo nas urnas, que foram centrais para uma teoria infundada em 2020 segundo a qual supostos “laranjas” teriam enchido ilegalmente as urnas com votos para Joe Biden.

As autoridades dizem que, embora seja improvável que essas medidas impeçam a enxurrada de teorias da conspiração eleitorais — e possam até dar munição a elas —, o resultado deve ser mais facilidade e rapidez para refutar informações falsas.

“Sabemos que há pessoas que vão tirar do contexto as coisas que veem para reforçar ou informar sua própria narrativa, e isso faz parte da tensão de ser supertransparente: isso potencialmente deixa você vulnerável a mal-entendidos em um momento em que sabemos que praticamente qualquer função na administração eleitoral pode ser transformada em arma”, disse Tammy Patrick, diretora executiva de programas da Associação Nacional de Funcionários Eleitorais.

Linda Phillips, administradora eleitoral no Condado de Shelby, no Tennessee, disse que suas tentativas de educar o público são como “esvaziar o oceano com uma colher de chá”. Ainda vale a pena o esforço, disse ela, observando que rastreadores eletrônicos em componentes eleitorais essenciais durante a eleição intercalar de 2022 ajudaram a evitar litígios e falsas alegações de desaparecimento de equipamentos.

Novo centro de votação do Condado de Pinal. Nova sede ilustra como muitas autoridades dos EUA estão tentando reconstruir a confiança nas eleições Foto: Caitlin O’Hara/The Washington Post

“Nós trouxemos algumas das pessoas que eram muito céticas em relação ao processo em 2020, mostramos tudo que fazemos”, disse Linda. “Eu não diria que eles ficaram completamente convencidos, mas pelo menos baixaram um pouco a bola.”

No Condado de Mesa, Colorado, onde um ex-escrivão foi condenado em agosto por participar de uma violação de equipamento eleitoral após a eleição de 2020, a principal autoridade eleitoral organizou dias de visitação e passeios durante as eleições ao vivo deste ano para que as pessoas pudessem assistir ao desenrolar do processo com seus próprios olhos. Ela também está permitindo que o público participe de sessões de treinamento antes reservadas para juízes eleitorais de ambos os partidos.

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“Quanto mais transparentes formos, menos ceticismo teremos”, disse a republicana Bobbie Gross, escrivã e registradora do Condado de Mesa.

Quando os eleitores do Condado de Maricopa, no Arizona, receberam cédulas pelo correio durante a eleição primária neste verão, eles também receberam um guia em inglês e espanhol que explicava como as cédulas são contadas — e por que o processo pode demorar tanto. Após a eleição de 2020, esse cronograma contribuiu para uma enxurrada de desinformação no condado, que abriga Phoenix e mais da metade dos eleitores do estado. O guia dizia: “Para ver uma porcentagem maior do resultado até as 20h00, na noite da eleição, devolva sua cédula antecipada até a sexta feira anterior ao dia da eleição”.

Quando os eleitores de Maricopa, no Arizona, receberam cédulas pelo correio durante a eleição primária, eles também receberam um guia que explicava como as cédulas são contadas. Na foto, urna eleitoral cadeada.  Foto: Caitlin O’Hara/The Washington Post

O departamento eleitoral de Maricopa também trabalhou com líderes de uma tribo de nativos americanos que vive em uma parte remota do condado para criar um glossário oral de termos eleitorais que inclui “fraude” e “caixa de depósito”. E as autoridades realizaram dezenas de visitas presenciais às instalações eleitorais e lançaram uma zona virtual.

A eleição de 2020 desencadeou pressões que os líderes do condado no Arizona não haviam enfrentado antes, decorrentes em grande parte de falsas noções a respeito da derrota apertada de Trump. Embora grande parte dessa atenção tenha se concentrado em Maricopa, ela também consumiu lugares como o Condado de Pinal, onde Trump venceu de forma esmagadora. O aumento do escrutínio desmoralizou a equipe eleitoral e levou muitos a desistir, um padrão que se repetiu em escritórios eleitorais em todo o país.

Então, erros reais aconteceram em 2022, minando a confiança que os funcionários eleitorais e alguns líderes do condado tentavam incutir. Durante a eleição primária de 2022, algumas disputas estavam ausentes em dezenas de milhares de cédulas antecipadas e muitos locais de votação não conseguiram estocar cédulas suficientes para atender à demanda. Para muitos eleitores e candidatos alinhados a Trump, esses problemas validaram as críticas a um sistema cheio de erros. Em novembro daquele ano, uma recontagem detectou outro erro: centenas de cédulas deixaram de ser contadas.

Esses erros foram atribuídos, pelo menos em parte, às instalações apertadas construídas em outra época, quando a população era uma fração do que é hoje. Lar de mais de 425.000 pessoas, Pinal é o condado de crescimento mais rápido do estado, atraindo novos moradores para o condado a sudeste de Phoenix que buscam moradia mais barata, tempo de deslocamento razoável até a cidade e amplos panoramas desérticos.

As autoridades do condado decidiram investir em uma instalação maior. Eles aceleraram o projeto, pago com dinheiro das reservas do condado, para que estivesse pronto para a eleição primária de 2024 em julho.

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O espaço foi projetado tendo em mente as etapas complexas do processo de votação, incluindo a impressão e o armazenamento de cédulas, os procedimentos de verificação de assinaturas para cédulas recebidas pelo correio e o movimento de equipamentos eletrônicos da sede até os locais de votação. Há muito espaço extra com a expectativa de que a população do condado continue a crescer.

A peça central do edifício é o que as autoridades chamam de “tanque de tubarões”, uma sala com paredes de vidro que fornece uma vista panorâmica do processo de contagem de votos.

“Eles dizem: ‘Vocês estão escondendo algo, estão fazendo algo de errado’”, disse o republicano Jeff Serdy, vereador do condado de Pinal, a respeito dos céticos. “OK, o que podemos fazer para mostrar que não estamos trapaceando? Nós fizemos isso. Agora, diga-me onde estariam ocorrendo as irregularidades neste processo?... Podemos refutar suas teorias.”

O Condado de Pinal está implementando um software de rastreamento de fechaduras por GPS. Foto: Caitlin O’Hara/The Washington Post

Dentro do tanque de tubarões em uma manhã recente, a reportagem teve uma visão de perto dos preparativos em andamento antes de novembro. As conexões para tabuladores de cédulas foram seladas com tampas de plástico para impedir a inserção de pen drives não autorizados para introduzir vírus sem serem detectados. As portas também foram seladas, impedindo a entrada de pessoas não autorizadas em espaços com votações em andamento. Vídeos de operações dentro e fora do prédio e de outros locais eram transmitidos em monitores no alto.

“Se eu tiver isso gravado no sistema de vigilância, terei uma fonte confiável de informações para poder refutar qualquer tolice”, disse Dana. “Posso responder automaticamente, aponte a data e o horário, e podemos apresentar as imagens da vigilância.”

Através do vidro, um funcionário eleitoral foi visto observando uma tela de computador mostrando a localização dos recipientes que guardam cédulas e equipamentos.

Quando uma eleição está em andamento, pontos verdes piscantes indicam que os recipientes estão em movimento. Pontos vermelhos significam que estão travadas e paradas. Os funcionários eleitorais sabem as rotas pelas quais as cédulas são transportadas, e as unidades de GPS permitem que eles monitorem qualquer desvio.

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“Se de repente elas pararem de se mover... sabemos que há um problema”, disse Dana Lewis.

A fiação para máquinas tabuladoras fica à vista nas paredes em vez de passar por conduítes atrás delas, para que os funcionários possam provar que o equipamento não está conectado à internet Foto: Caitlin O’Hara/The Washington Post

Os dispositivos ajudaram a garantir às autoridades que os funcionários eleitorais estavam seguros no início deste ano, quando ativistas antifraude eleitoral perseguiram um caminhão do condado carregando cédulas.

A primária de julho proporcionou um ensaio para a eleição geral de novembro — e os funcionários tiveram que reunir evidências para refutar alegações falsas.

Durante a votação antecipada, o ativista republicano Boots Hawks disse a amigos por e-mail que dois candidatos republicanos estavam “perdendo” suas disputas, embora o dia da eleição não tivesse chegado e os votos não tivessem sido contados.

A narrativa decolou. O republicano Kevin Cavanaugh, vereador do condado de Pinal, que mais tarde perdeu sua eleição primária para xerife e alegou falta de transparência nas eleições do condado, citou a correspondência de Hawks como “evidência potencial” de um crime. Ele exigiu que o procurador-geral do Arizona investigasse se os funcionários eleitorais haviam vazado ilegalmente os resultados das eleições. As alegações foram rapidamente consideradas “infundadas” pelo gabinete do promotor, que não abrirá uma investigação criminal, disse uma pessoa familiarizada com a revisão que falou sob condição de anonimato porque não estava autorizada a comentar publicamente o assunto. Hawks parecia ter confundido dados de participação eleitoral disponíveis publicamente com resultados eleitorais. Hawks disse este mês em uma entrevista que a citação de Cavanaugh de seu e-mail às autoridades “me deixou de orelhas em pé” e que ele confia nas eleições do condado.

Se uma investigação tivesse avançado, o vídeo gravado perto do tanque de tubarões teria mostrado que as cédulas ainda não tinham sido contadas quando Hawks enviou seu e-mail, disse um funcionário do condado familiarizado com a filmagem que não estava autorizado a comentar o assunto publicamente.

Gaiolas de suprimentos com materiais específicos de cada distrito eleitoral para os locais de votação. Foto: Caitlin O’Hara/The Washington Post

Quando o conselho de administração do condado — composto por cinco republicanos — se reuniu para analisar os resultados das eleições, Cavanaugh quis distribuir um relatório diferente que, segundo ele, detalhava sua descoberta de problemas “matemáticos” com várias disputas locais. Seus colegas não permitiram que ele fizesse isso. Mais tarde, ele se juntou a eles relutantemente para aceitar os resultados das eleições que lhe deram a derrota.

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“Sim”, ele disse, “sob coação”.

Logo depois, conforme as alegações infundadas de Cavanaugh se espalhavam, os líderes do condado anunciaram que especialistas externos revisariam os sistemas eleitorais, embora estivessem confiantes na precisão dos resultados e nos processos que os produziram.

“É vital que provemos inequivocamente a integridade do processo eleitoral do Condado de Pinal”, disse o vereador Jeff McClure (republicano), “para que nossos eleitores possam ir às urnas em novembro e ter certeza de que os resultados serão justos e precisos”./ TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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