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Na guerra da Ucrânia, pequenos avanços viram grandes vitórias à medida que a contraofensiva estanca

Este relato a respeito dos desdobramentos da contraofensiva é o segundo de uma série de duas partes e descreve as brutais tentativas de romper as linhas russas, assim como divergências que se aprofundaram entre comandantes ucranianos e americanos em relação a táticas e estratégias

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Por Washington Post

Os soldados da 47.ª Brigada Mecanizada Separada esperaram cair a noite antes de entrar — nervosos, mas confiantes — em seus Veículos de Combate Bradley fornecidos pelos Estados Unidos. Era 7 de junho, e a longamente aguardada contraofensiva da Ucrânia estava prestes a se iniciar.

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O objetivo das primeiras 24 horas era avançar cerca de 14 quilômetros, chegando ao vilarejo de Robotine — um impulso inicial no sul, com o objetivo de retomar a cidade de Melitopol, próxima ao Mar de Azov, e romper linhas de abastecimento russas.

Mas nada saiu como planejado.

Os soldados ucranianos esperavam campos minados, mas foram surpreendidos por sua densidade. O terreno fora acarpetado com explosivos, tantos que alguns foram enterrados em pilhas. Os militares tinham sido treinados para pilotar seus Bradleys em terreno estável, numa base na Alemanha, mas no solo argiloso de Zaporizhzhia, em meio ao ruído ensurdecedor da batalha, eles tiveram dificuldades para atravessar as finas faixas de onde as minas eram retiradas pelas unidades de avanço.

Soldado do exército ucraniano cava trincheiras na região de Donestsk  Foto: Genya Savilov/AFP

Alguns russos, posicionados em pontos mais elevados, começaram imediatamente a disparar mísseis antitanques. Alguns veículos do comboio foram atingidos, forçando outros atrás deles a desviar da trilha aberta. Esses blindados, por sua vez, explodiram sobre minas, atravancando ainda mais o comboio. E então helicópteros e drones russos chegaram para atacar os veículos aglomerados.

Os soldados, alguns experimentando o choque do combate pela primeira vez, bateram em retirada para se reagrupar — apenas para voltar a atacar e recuar, consecutivamente, dia após dia, com os mesmos resultados sangrentos.

“Era o fogo do inferno”, afirmou o comandante de batalhão Oleh Sentsov, da 47.ª Brigada.

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No quarto dia, o general Valeri Zaluzhni, comandante-chefe das Forças Armadas da Ucrânia, já tinha visto o suficiente. Blindados ocidentais incinerados — Bradleys americanos, tanques Leopard alemães e veículos de neutralização de minas — tomaram o campo de batalha. O número de mortos e feridos consumia a moral.

Zaluzhni disse aos seus soldados para cessarem os ataques antes que mais do estoque limitado de armamentos da Ucrânia fosse destruído, afirmou uma graduada autoridade militar ucraniana.

Soldados ucranianos participam de treinamento militar na região de Donetsk  Foto: Genya Savilov/AFP

Em vez de tentar romper as defesas russas com um ataque mecanizado massivo e apoio de fogo de artilharia, conforme o conselho dos americanos, Zaluzhni decidiu acionar os soldados ucranianos a pé, em pequenos grupos de aproximadamente dez combatentes — um processo que pouparia equipamento e vidas, só que muito mais lento.

Meses de planejamento com os EUA foram deixados de lado naquele quatro dia, e a já adiada contraofensiva projetada para alcançar o Mar de Azov em até três dias paralisou-se quase completamente. Em vez de avançar 14 quilômetros no primeiro dia, nos quase seis meses passados desde junho os ucranianos avançaram apenas 19 quilômetros no total e libertaram uns poucos vilarejos. Melitopol ainda está bem longe.

Tentativas

Este relato a respeito dos desdobramentos da contraofensiva é o segundo de uma série de duas partes e descreve as brutais e com frequência inúteis tentativas de romper as linhas russas, assim como divergências que se aprofundaram entre comandantes ucranianos e americanos em relação a táticas e estratégias. A primeira reportagem examinou o planejamento ucraniano e americano empregado na operação.

Esta segunda parte tem como base entrevistas com mais de 30 oficiais militares de alta patente ucranianos e americanos, assim como mais de duas dúzias de oficiais e soldados na linha de frente. Alguns oficiais e soldados falaram sob condição de anonimato para descrever operações militares.

As principais constatações da reportagem a respeito da campanha ucraniana incluem:

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Soldado do exército ucraniano dispara contra posições russas na região de Donetsk  Foto: Mstyslav Chernov / AP

Passados seis meses do início da contraofensiva, a campanha se tornou uma guerra de ganhos incrementais. Trincheiras úmidas, ao estilo da 1.ª Guerra, se espalham pelo leste e sul da Ucrânia e drones de ataque zumbem pelos céus. Moscou lança ataques de mísseis contra alvos civis em cidades ucranianas, enquanto Kiev usa mísseis ocidentais e tecnologias desenvolvidas localmente para atacar os russos em posições distantes das linhas de frente — em Moscou, na Crimeia e no Mar Negro.

Mas os limites territoriais de junho de 2023 mudaram pouco. E o presidente russo, Vladimir Putin, em contraste ao silêncio que com frequência manteve no primeiro ano da guerra, gaba-se sempre que pode do que classifica como o fracasso da contraofensiva ucraniana. “No que tange a contraofensiva, que está supostamente empacando, o fracasso é completo”, disse Putin em outubro.

Treinando para a batalha

Em 16 de janeiro, cinco meses antes do início da contraofensiva da Ucrânia, o general Mark Milley, então chefe do Estado-Maior Conjunto dos EUA, visitou os soldados da 47.ª Brigada pouco depois de uma unidade chegar à Área de Treinamento Grafenwoehr, na Alemanha.

Milley, acompanhado de equipe e militares de alta patente com base na Europa, passeou pelo campo de treinamento lamacento e gélido, conversando com soldados ucranianos e assistindo-os praticar tiro contra alvos fixos com fuzis e metralhadoras M240B.

As instalações eram usadas para treinar pequenos grupos de soldados ucranianos desde 2014, quando a Rússia invadiu e anexou ilegalmente a península ucraniana da Crimeia. Em antecipação à contraofensiva, o esforço foi incrementado com o treinamento de um batalhão ou mais, de aproximadamente 600 soldados ucranianos, em cada ciclo.

Numa tenda de campanha branca, Milley reuniu-se com os militares americanos que coordenavam o treinamento. Eles lhe disseram que estavam tentando replicar táticas russas e construir trincheiras e outros obstáculos similares aos que os ucranianos enfrentariam em batalha.

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“Para eles serem bem-sucedidos contra os russos, (…) tudo se resume à sua capacidade de atirar e manobrar”, afirmou Milley, descrevendo em termos básicos a essência da estratégia contraofensiva de “armas combinadas”, que implica em manobras coordenadas de uma força massiva de infantaria, tanques, veículos blindados, engenheiros e artilharia. Se fosse realizada pelos EUA ou pela Otan, a operação teria incluído também um poder aéreo devastador para enfraquecer o inimigo e proteger as tropas terrestres, mas os ucranianos teriam de avançar com pouco ou nenhum apoio aéreo.

Soldado do exército ucraniano usa drone para atacar posições russas em Bakhmut  Foto: Leah Millis/Reuters

A 47.ª Brigada foi selecionada para ser uma “força de ruptura” na vanguarda da contraofensiva e seria equipada com as armas ocidentais. Mas conforme Milley deu suas voltas e conversou com os soldados ucranianos — de jovens na casa dos 20 anos a recrutas de meia-idade — muitos lhe disseram que haviam deixado a vida civil recentemente e não tinham nenhuma experiência de combate.

Milley não comentou imediatamente. Mas depois, em reunião com treinadores americanos, pareceu reconhecer a magnitude da tarefa adiante. “Ensinem-lhes aqui tudo o que vocês têm a lhes ensinar”, afirmou ele.

A 47.ª Brigada era uma unidade tabulada recentemente para o treinamento na Alemanha. O comando militar ucraniano tinha decidido que brigadas mais experientes ficariam para segurar os russos durante o inverno (Hemisfério Norte), enquanto soldados novatos formariam novas brigadas, receberiam treinamento no exterior e então protagonizariam os combates na primavera e no verão. Mais de um ano de guerra — com até 130 mil soldados mortos ou feridos, segundo estimativas ocidentais — tinha cobrado um preço enorme das Forças Armadas da Ucrânia. Mesmo as brigadas mais endurecidas pelos combates eram compostas majoritariamente por substitutos recrutados.

Cerca de 70% dos soldados da 47.ª Brigada não tinham nenhuma experiência em combate, segundo um comandante graduado na unidade.

O comando da 47.ª Brigada também era marcadamente jovem — seu comandante, apesar de experiente em combate, tinha apenas 28 anos, e seu subcomandante, 25. A juventude foi classificada como uma vantagem: oficiais jovens absorveriam as táticas da Otan sem influência dos modos de guerra soviéticos ainda presentes nas Forças Armadas da Ucrânia.

Soldados ucranianos disparam contra o exército russo nas trincheiras de Bakhmut  Foto: Tyler Hicks / NYT

Alguns soldados ucranianos consideraram que os treinadores americanos não compreenderam a escala de um conflito contra um inimigo mais poderoso. “A presença de um número enorme de drones, fortificações, campos minados e outros elementos não foi levada em conta”, afirmou um soldado da 47.ª Brigada de codinome Coringa. Os soldados ucranianos levaram seus próprios drones para ajudar a aperfeiçoar suas habilidades, mas os treinadores rejeitaram inicialmente o pedido para integrá-los porque os programas de treinamento eram pré-determinados. O uso de drones foi adicionado posteriormente, em acordo com a experiência da Ucrânia, afirmou uma autoridade dos EUA.

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O programa americano teve benefícios, afirmou Coringa, incluindo avançados treinamentos para combates em clima frio e ajustes de fogo de artilharia. Mas grande parte disso deixa de importar quando começa a chover balas de verdade. “Nós tivemos que melhorar as táticas durante a própria batalha”, afirmou ele. “Nós não podíamos usá-las do jeito que elas nos foram ensinadas.”

Autoridades americanas e ucranianas afirmaram que nunca esperaram que dois meses de treinamento fossem transformar esses soldados em uma força como a Otan. Em vez disso, a intenção foi ensiná-los a usar apropriadamente seus novos tanques e veículos de combate ocidentais e “letrá-los nas noções básicas de tiro e movimentação”, afirmou uma graduada autoridade militar dos EUA.

Nenhuma ordem para atacar

Quando retornaram para a Ucrânia, na primavera, os soldados da 47.ª Brigada esperavam que a contraofensiva fosse começar quase imediatamente. No início de maio, a unidade foi realocada para uma posição mais próxima à linha de frente, escondendo seus Bradleys e outros equipamentos ocidentais sob linhas de árvores na zona rural de Zaporizhzhia. A insígnia da 47.ª Brigada nos veículos era coberta, para evitar que cidadãos locais simpáticos aos russos revelassem sua localização.

Mas passaram-se semanas e nenhuma ordem de ataque chegou. Muitos na unidade sentiram que o elemento da surpresa tinha sido perdido. A liderança política “não devia ter anunciado nossa contraofensiva por quase um ano”, afirmou um comandante de unidade da 47.ª Brigada. “O inimigo sabia de onde nós viríamos.”

Milley e outros altos oficiais americanos envolvidos no planejamento da campanha argumentaram favoravelmente a uma concentração massiva das forças ucranianas em um ponto crítico de Zaporizhzhia, para ajudá-las a romper as duras defesas russas e garantir um avanço bem-sucedido a caminho de Melitopol e do Mar de Azov. O plano ucraniano, contudo, era pressionar em três eixos — no sul, ao longo de duas rotas distintas para o Mar de Azov; e no leste em torno da cidade sitiada de Bakhmut, que os russos tomaram na primavera depois de uma batalha de quase um ano.

Comandantes militares ucranianos decidiram que concentrar tropas demais em um ponto no sul deixaria vulneráveis as forças no leste e possibilitaria aos russos tomar território na região e possivelmente em Kharkiv, no nordeste.

Prédio em Mariupol, na Ucrânia, é atingido por bombardeio russo  Foto: Evgeniy Maloletka/ AP

Para dividir as forças russas em Zaporizhzhia, brigadas ucranianas de fuzileiros navais na fronteira oeste da região vizinha de Donetsk rumariam para o sul, na direção da cidade costeira de Berdiansk. Isso deixou para a 47.ª e outras brigadas, parte do que a Ucrânia chama de seu 9.º Exército, a missão de atacar ao longo do principal eixo da contraofensiva, na direção de Melitopol.

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O plano previa que a 47.ª Brigada e o 9.º Exército romperiam a primeira linha de defesa russa e tomariam Robotine. Então o 10.º Exército, o corpo de paraquedistas, juntaria-se à luta em uma segunda onda para o sul.

“Nós pensamos que seria uma tarefa simples, de dois dias”, tomar Robotine, afirmou o comandante de um Veículo de Combate Bradley de codinome Francês.

Garimpando todas as abordagens

Dias depois da contraofensiva ser lançada, Oleksandr Sak, então comandante da 47.ª Brigada, visitou uma posição russa que seus soldados tinham capturado. Ele notou armas antidrone, miras térmicas e pequenos drones de vigilância entre outros equipamentos abandonados. “Eu percebi que o inimigo tinha se preparado”, afirmou ele. “Nós não os pegamos de guarda baixa, eles sabiam que estávamos chegando.”

Pôsteres de propaganda russa também ficaram para trás. Um mostrava dois homens se beijando em público sob um “X” vermelho ao lado da imagem de um homem, uma mulher e dois filhos. “Lutando pelas famílias tradicionais”, afirmava o cartaz.

Sak também encontrou um mapa que os russos tinham usado para marcar posições de seus campos minados. Em apenas uma parte do front, um quadrilátero de 49 mil metros quadrados de área, mais de 20 mil minas foram instaladas.

A Ucrânia virou o país mais minado do planeta. Levará décadas para torná-la um lugar seguro.

“Eu não diria que foi inesperado, mas nós subestimamos a dimensão”, afirmou Sak. “Nós conduzimos reconhecimento aéreo e de engenharia, mas muitas minas estavam mascaradas ou enterradas. Além das minas na linha de frente, há minas em posições inimigas profundas. Nós superamos posições inimigas e encontramos mais minas onde pensávamos que não haveria mais nenhuma.”

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Um agricultor local ucraniano trabalha em sua fazenda perto da fronteira com a Rússia, mesmo com o medo de minas e disparos de artilharia russa  Foto: Hanna Arhirova / AP

Um sargento-chefe de uma unidade de drones da 47.ª Brigada afirmou que somente a pé os soldados descobriam armadilhas de detonação remota, descrevendo a constatação como uma “surpresa”.

Autoridades militares dos EUA acreditavam que a Ucrânia poderia ter alcançado um avanço mais significativo se adotasse em maior medida o uso de unidades de reconhecimento terrestre e reduzisse sua dependência em relação a imagens de drones, que não são capazes de detectar minas escondidas, fios de detonação ou armadilhas explosivas.

A região de Zaporizhzhia é composta majoritariamente por campos planos e abertos, e os russos escolheram em quais terrenos elevados instalariam suas defesas cruciais. Dessas posições, afirmaram soldados e autoridades, unidades russas armadas com mísseis antitanque aguardaram os comboios de Veículos de Combate Bradley e dos tanques Leopard alemães. Um veículo de neutralização de minas sempre liderava o ataque — e era alvejado primeiro com a ajuda de drones de reconhecimento.

“Nós enfrentamos fogo antitanque constantemente e destruímos até 10 sistemas de mísseis antitanque guiados por dia”, afirmou Sak. Mas, acrescentou ele, “dia após dia eles acionavam mais” sistemas.

Cerca de 60% do equipamento de neutralização de minas da Ucrânia foi danificado ou destruído nos primeiros dias, de acordo com uma graduada autoridade ucraniana de defesa. “A dependência de nossos parceiros em relação a manobras de blindados e avanços não funcionou”, afirmou a autoridade. “Nós tivemos de mudar a tática.”

Uma semana após o início da contraofensiva, equipes de especialistas em neutralização de minas trabalhavam sob o lusco-fusco do alvorecer ou do entardecer, quando havia luz para eles desativarem as bombas manualmente mas não suficiente para os russos conseguirem detectá-los. Quando os sapadores abriam uma pequena trilha, a infantaria seguia — um avanço lento e extenuante, de uma coluna por vez.

Com frequência, quando alcançavam um posto avançado russo, os soldados ucranianos descobriam que o local também tinha sido minado. E em vez de se retirar, as forças russas mantinham suas posições mesmo sob fogo pesado de artilharia, o que obrigava os ucranianos a travar combates próximos, com armas menores, para conseguir avançar.

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Em toda a região de Zaporizhzhia, os russos tinham acionado novas unidades chamadas “Tempestade Z”, compostas de combatentes recrutados nas prisões. Os ex-detentos atacaram em ondas humanas chamadas “ataques moedor de carne” e eram usados para preservar forças mais especiais. Em torno de Robotine — o vilarejo que a 47.ª Brigada deveria ter alcançado no primeiro dia da contraofensiva — eles foram mesclados à 810.ª Ordem de Guardas da Brigada de Infantaria Naval e outras formações regulares do Exército russo.

“Robotine foi uma das missões mais duras”, afirmou um membro da unidade de engenharia da 810.ª Ordem em entrevista a um blogueiro russo pró-guerra. “Nós tivemos de usar toda a força para evitar que o inimigo avançasse. Enquanto especialistas em minas e engenheiros, nós tivemos de minar todas as vias para a infantaria e seus veículos. Os famosos Leopards estão queimando, e nós tentamos garantir que suas chamas brilhem bem forte.”

Propaganda russa em Moscou, Rússia, incentiva cidadãos a se alistarem para o exército, em meio a guerra contra a Ucrânia  Foto: Natalia Kolesnikova/AFP

Frotas de drones

No início do ataque em Robotine, um ninho de metralhadora russo instalado em um prédio impedia o avanço da infantaria ucraniana. Uma companhia de drones da 47.ª Brigada lançou dois drones de corrida modificados carregados de explosivos. Um entrou por uma janela e explodiu. Outro, pilotado por um militar de codinome Sapsan, entrou em outro recinto e explodiu munição guardada, afirmou ele, além de matar vários soldados inimigos.

Foi um sucesso inicial no uso de drones pequenos como artilharia de precisão. Operadores de drones — usando visores que recebem em tempo real imagens captadas pelo drone — caçavam veículos blindados com drones de visão em primeira pessoa, conhecidos como FPVs. Os drones FPV são tão precisos e velozes que conseguem atingir as partes vulneráveis dos veículos, como compartimentos de combustível e esteiras, afirmam pilotos.

Mas a Rússia também está acionando frotas desses mesmos drones de ataque fabricados a mão, que custam menos de US$ 1 mil cada e são capazes de inutilizar tanques que custam vários milhões. Ao contrário da munição de artilharia, que é um recurso precioso tanto para a Rússia quanto para a Ucrânia, os drones FPV, de baixo custo e descartáveis, podem ser usados para atingir pequenos grupos de infantaria — pilotados diretamente para entrar em trincheiras ou atingir tropas em movimento.

Retirar feridos ou abastecer tropas em posições nas linhas de frente também tornaram-se tarefas penosas e potencialmente mortíferas, com frequência realizadas de noite em razão da ameaça dos drones.

“Primeiro foram as minas o nosso problema. Agora são os drones FPV”, afirmou Sentsov, o comandante de pelotão da 47.ª Brigada. “Eles atingem o alvo com precisão e causam dano grave, conseguem inutilizar um Bradley e potencialmente até explodi-lo. Não é uma explosão direta, mas eles conseguem atingi-lo e incendiá-lo — não apenas param o veículo, mas também o destroem.”

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Prédio em Kiev, capital da Ucrânia, sofre ataque de drone russo  Foto: Serviço de Emergência da Ucrânia/ AFP

Autoridades militares dos EUA, seguindo sua própria cartilha, pediram que a artilharia fosse usada para suprimir o inimigo enquanto forças terrestres mecanizadas avançassem na direção de seu objetivo.

“Você tem que se movimentar enquanto dispara artilharia”, afirmou uma graduada autoridade de defesa dos EUA. “Parece muito básico — e é — mas é assim que você tem de lutar. De outro modo, você não consegue sustentar a quantidade de artilharia e munições que precisa.”

Mas autoridades ucranianas afirmaram que a onipresença e a letalidade de diferentes tipos de drones de ambos os lados das linhas de frente tem sido o fator preponderante para evitar que tanto os ucranianos quanto os russos alcancem ganhos significativos há meses.

“Em razão do desenvolvimento técnico, a coisa toda chegou a um impasse”, afirmou uma alta autoridade militar da Ucrânia. “O equipamento que aparece no campo de batalha vive no máximo um minuto.”

Condições caóticas no campo de batalha

A 47.ª Brigada anunciou a libertação de Robotine em 28 de agosto. Unidades de ataque aéreo do 10.º Exército ucraniano foram acionadas, mas não conseguiram libertar outros vilarejos.

A linha de frente também tornou-se estática ao longo de um eixo paralelo à costa no sul, onde fuzileiros navais ucranianos lideraram uma ofensiva na direção da cidade de Berdiansk, na beira do Mar de Azov. Depois de retomar os vilarejos de Staromaiorske e Urozhaine, em julho e agosto, não houve mais ganhos, o que deixou as forças ucranianas longe tanto de Berdiansk quanto de Melitopol.

Ao longo do verão, algumas das batalhas mais ferozes ocorreram em uma área de poucos quilômetros quadrados próxima à cidade de Bakhmut, no leste, ao longo do terceiro eixo da contraofensiva. Estrategistas ucranianos consideraram a retomada de controle do minúsculo vilarejo de Klishchiivka crucial para alcançar superioridade de fogo no entorno do sul da cidade e romper rotas de abastecimento dos russos.

Em julho, policiais que integravam a recém-formada Brigada Liut, ou “Fúria” — uma das unidades criadas no inverno passado, anteriormente à contraofensiva — foram acionados para a região. A brigada, composta de uma mescla entre policiais experientes e recrutas, recebeu a missão de atacar posições russas em Klishchiivka usando principalmente fuzis e granadas.

Soldados ucranianos descansam em suas posições nas trincheiras após conflito direto com soldados russos  Foto: Serhii Nuzhnenko/Reuters

Vídeos das operações da Brigada Liut fornecidos ao Washington Post e entrevistas com oficiais que participaram dos combates revelam a intensidade dos confrontos e o caos nos campos de batalha.

Em um vídeo gravado com câmera corporal, em setembro, soldados entram e saem de ruínas de residências debaixo de um bombardeio pesado. Movendo-se entre casas arrasadas, as forças ucranianas buscam nos destroços soldados russos que tenham ficado para trás — berrando para que eles se rendam antes de soltar granadas dentro de porões.

Dias depois, em 17 de setembro, a Ucrânia anunciou que tinha retomado Klishchiivka. Mas a retomada da localidade não alterou as linhas em torno de Bakhmut de nenhuma maneira significativa desde então.

“Klishchiivka é na realidade um cemitério de equipamentos e soldados russos”, afirmou o coronel-policial Oleksandr Netrebko, comandante da Brigada Liut. Mas ele também reconheceu: “Cada metro quadrado de território libertado está coberto pelo sangue dos nossos homens”.

A frustração aumenta

Sem nenhum avanço maior, as autoridades americanas ficaram cada vez mais agitadas ao longo do verão em razão de sua percepção de que a Ucrânia não estava direcionando forças suficientes para um dos eixos no sul, dada a visão americana sobre seu valor estratégico.

No norte e no leste, o general Oleksandr Sirski controlava metade das brigadas da Ucrânia, de Kharkiv e Bakhmut até Donetsk. Enquanto isso, o general Oleksandr Tarnavski controlava a outra metade das brigadas ucranianas ativas, combatendo ao longo de dois eixos principais no sul.

As autoridades americanas consideravam a divisão meio a meio das forças de Kiev uma combinação equivocada e queriam mais tropas concentradas no sul. “É evidente que o inimigo vai destruir seus veículos de neutralização de minas”, afirmou uma alta autoridade militar dos EUA, acrescentando que havia métodos de camuflá-los, incluindo com uso de fumaça.

Mas obter informações a respeito da estratégia ucraniana e pedir mudanças era uma tarefa delicada. O oficial americano incumbido dessa tarefa foi o general Christopher Cavoli, que, como chefe do Comando Europeu dos EUA, coordenou grande parte do esforço do Pentágono de treinar e equipar o Exército da Ucrânia. Milley, em contraste, expressou com frequência um tom mais otimista e motivacional.

Cavoli, contudo, não conseguiu contato com Zaluzhni durante parte do verão, numa fase crítica da contraofensiva, afirmaram três fontes familiarizadas com a situação. Cavoli recusou-se a comentar o assunto. Uma graduada autoridade ucraniana notou que Zaluzhni conversou com Milley, sua contraparte direta, ao longo de toda a campanha.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, conversa com o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, em Washington, EUA  Foto: Evan Vucci/ AP

Em agosto, Milley também começou a expressar alguma frustração. Ele “começou dizendo a Zaluzhni: ‘O que você está fazendo?’”, afirmou uma graduada autoridade do governo Biden.

Os ucranianos insistiram na afirmação de que o Ocidente simplesmente não estava lhes dando poder aéreo e outros armamentos necessários para uma estratégia de armas combinadas ser bem-sucedida. “Vocês querem que nós avancemos com a contraofensiva, querem que mostremos avanços brilhantes na linha de frente”, afirmou Olha Stefanishina, vice-primeira-ministra ucraniana para integração europeia e euro-atlântica, “mas nós não temos caças de combate; portanto vocês querem que empreguemos nossos soldados aceitando o fato de que não temos capacidade para protegê-los”.

Quando os aliados disseram não, afirmou Stefanishina, “nós ouvimos, ‘Não vemos problema em seus soldados morrerem sem apoio aéreo’”.

Durante uma videoconferência, em agosto, seguida prontamente de uma reunião presencial nas proximidades da fronteira entre Polônia e Ucrânia, autoridades militares dos EUA insistiram, afirmando entender a lógica de causar preocupação às forças russas em diferentes pontos do front, mas argumentaram que avanços profundos não viriam a não ser que os ucranianos concentrassem mais forças em um único ponto para mover-se rapidamente e decisivamente.

Zaluzhni, em resposta, expôs os desafios em termos francos: os ucranianos não têm cobertura aérea, encontraram mais minas do que o esperado, e a força russa estava impressionantemente entrincheirada e movimentando suas reservas eficazmente para suprir lapsos.

O presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, escuta instruções de um general ucraniano perto das linhas de combate com a Rússia  Foto: Assessoria de imprensa do presidente da Ucrânia/AFP

“Eu não caracterizaria aquela reunião como um encontro de aceitação ou um dramalhão — vá pela esquerda, vá pela direita”, disse Milley. “Eu não diria isso. Eu diria que foi um seguimento normal dos negócios, em que líderes profissionais (…) encontram-se, rotineiramente, para avaliar situações e ajustes que transcorrem em campo.”

Em julho, conforme os estoques ucranianos de projéteis de artilharia diminuíam e a contraofensiva fracassava, o governo Biden mudou de posição a respeito do fornecimento para a Ucrânia de munições de fragmentação usadas em sistemas de artilharia, e o presidente desconsiderou temores do Departamento de Estado a respeito dos riscos para a imagem de Washington serem altos demais, dado o histórico dessas armas matando e ferindo civis. A decisão final sobre as transferências de armas veio em setembro, quando o governo americano concordou em fornecer uma variação dos Sistemas de Mísseis Táticos do Exército, conhecidos como ATACMS. Esses sistemas não eram o modelo capaz de realizar ataques profundos que Kiev tinha requisitado, em vez disso, os EUA optaram por fornecer um armamento de menor alcance capaz de disparar munições de fragmentação.

Ainda que úteis, afirmam autoridades ucranianas, nem os lançadores ATACMS nem as munições de fragmentação romperam a paralisação no campo de batalha.

Nem outras estratégias. Ao longo da contraofensiva, a Ucrânia continuou a atacar posições inimigas afastadas das linhas de frente em um esforço para enfraquecer as forças da Rússia de semear medo na sociedade do país. Kiev não tem permissão para usar armas ocidentais em ataques contra o território russo, portanto uma frota de drones fabricados domesticamente tem sido usada. Alguns foram capazes de atingir alvos em Moscou, outros danificaram depósitos de petróleo russos na costa do Mar Negro. Drones navais também atingiram navios da Frota Russa no Mar Negro.

A Ucrânia ganhou território recentemente na região de Kherson, no sul, posicionando tropas na margem oriental do Rio Dnipro, mas não está claro quanto armamento — especialmente peças de artilharia — foi transportado para o outro lado do rio para ameaçar as linhas de abastecimento russas que partem da Crimeia.

A Ucrânia parou de pedir mais tanques e veículos de combate, apesar do intenso lobby por esses equipamentos durante o primeiro ano da guerra. “Muitas dessas armas”, afirmou um oficial militar ucraniano de alta patente, “não são mais relevantes”.

Soldados ucranianos navegam pelo Rio Dnipro, perto da cidade de Kherson, Ucrânia  Foto: Felipe Dana/AP

Linhas congeladas

Em uma reunião no fim de setembro, o secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, perguntou ao presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, por que seus militares continuavam a dedicar tantas forças ao leste, em vez de atacar no sul. Zelenski respondeu que, se os russos perdessem o leste, perderiam a guerra, de acordo com uma fonte ciente dessa conversa.

Zelenski reconheceu a existência de visões divergentes entre alguns de seus comandantes, afirmou a fonte. Mas os comandantes ucranianos mais veteranos continuaram a acreditar que direcionar mais forças para uma única parte do front não produziria avanço.

Então, em meados de outubro, os russos tentaram exatamente isso, num ataque feroz contra a cidade de Avdiivka, no leste, localizada em um bolsão geograficamente estratégico, próximo à cidade ocupada de Donetsk. Agora eram os russos que estavam na ofensiva, com quatro brigadas movimentando colunas de tanques e veículos de transporte de tropas concentradas em uma faixa estreita do front.

Veículos de engenharia com especialistas em neutralização de minas lideraram o ataque, exatamente da mesma forma que os ucranianos tinham iniciado sua contraofensiva. E similarmente, os russos sofreram baixas pesadas — autoridades ucranianas afirmaram que mais de 4 mil soldados russos foram mortos nas três primeiras semanas do ataque — antes de apelar para o avanço gradual dos sapeadores a pé, também da mesma forma que os ucranianos.

No início de outubro, a 47.ª Brigada, depois de um descanso dos combates, foi recolocada na contraofensiva. Zelenski prometeu publicamente que a Ucrânia continuará seu esforço durante o inverno, quando o clima dificulta ainda mais qualquer avanço.

Mas no fim de outubro os soldados da 47.ª Brigada foram subitamente transportados para o leste, para defender o flanco norte, de Avdiivka. Os armamentos ocidentais da brigada — tanques Leopard alemães e Veículos de Combate Bradley americanos — foram com eles.

A realocação para Avdiivka foi uma surpresa para a 47.ª Brigada e também um sinal de que a operação em Zaporizhzhia congelou-se ao longo de linhas quase fixas. E atrás de suas linhas, os russos continuaram a construir fortificações defensivas durante o verão e o outono, de acordo com imagens de satélite. Em torno do vilarejo de Romanivske, a sudeste de Robotine, foram instaladas três fileiras de valas e pirâmides de concreto antitanques para repelir qualquer nova tentativa de avanço dos ucranianos.

Em 1.º de novembro, em entrevista à revista The Economist, Zaluzhni reconheceu o que anteriormente era indizível: a guerra chegou a “um impasse”. “Muito provavelmente”, afirmou ele, “não haverá nenhum desfecho profundo e belo”. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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