Na Lituânia, diáspora da Rússia aumenta temor do país com a segurança

A entrada de ativistas exilados da Rússia e refugiados da Ucrânia e de Belarus atiça temores em um país que lutou para preservar sua língua e sua cultura sob a ocupação soviética

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Por Anatoly Kurmanaev (The New York Times), Alina Lobzina (The New York Times) e Tomas Dapkus (The New York Times)

Uma pilha de flores cobriu um pequeno memorial no centro da capital da Lituânia, Vilna, após a morte do líder opositor russo Alexei Navalni, no mês passado. “Putin é um assassino”, dizia um cartaz escrito em russo.

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O tributo improvisado no memorial, uma pirâmide modesta em homenagem às vítimas da repressão soviética, enfatizou o crescente status de Vilna enquanto centro da oposição russa. Centenas de dissidentes que fugiram da Rússia depois da invasão à Ucrânia encontraram um aliado simpático em sua luta contra o presidente Vladimir Putin: o governo lituano, que há muito considera as intervenções externas do líder russo uma ameaça à sua existência.

Em Vilna, jornalistas russos exilados montaram estúdios para transmitir notícias pelo YouTube para milhões de compatriotas que permanecem no país. Ativistas russos alugaram escritórios para catalogar os abusos a direitos humanos praticados pelo Kremlin, e músicos russos têm gravado novos álbuns para o público de seu país.

Flores em homenagem a Alexei Navalni, o líder da oposição russa, foram deixadas no monumento às vítimas lituanas da ocupação soviética em Vilna  Foto: Andrej Vasilenko/The New York Times

A chegada dos dissidentes russos a Vilna somou-se a uma onda maior de refugiados e imigrantes russófonos que deixaram Belarus e a Ucrânia nos últimos quatro anos. Fugindo da repressão ou da guerra, juntos esses imigrantes reformularam a economia e o caráter cultural desta pacata cidade medieval, de 600 mil habitantes, elevando a imagem da Lituânia à de um bastião improvável da democracia.

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Mas o tributo a Navalni também aponta para uma relação inquietante entre a diáspora russófona em expansão em Vilna e seus anfitriões lituanos. Alguns na Lituânia se preocupam com a possibilidade dos benefícios econômicos e diplomáticos dessa imigração terem como custo uma russificação gradual de um pequeno país que enfrentou dificuldades para preservar sua língua e sua cultura durante a ocupação soviética.

O memorial em que os enlutados por Navalni deixaram flores, por exemplo, dedicado a vítimas lituanas da polícia secreta soviética, serviu para os russos exilados denunciarem o que acreditam ter sido um assassinato praticado sob ordem de Putin, um ex-agente da KGB.

Mas para alguns moradores de Vilna esse gesto usurpou a memória do sofrimento de seus compatriotas sob a União Soviética. Cerca de 200 mil lituanos foram deportados para gulags durante esse período ou executados por se levantar em armas contra os ocupantes.

“A língua russa está novamente por toda parte”, afirmou o linguista Darius Kuolys, da Universidade de Vilna, e ex-ministro lituano da Cultura. “Para alguns lituanos isso representa um choque cultural.”

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Vilna, a capital da Lituânia, se tornou um centro para a oposição russa  Foto: Andrej Vasilenko/The New York Times

Kuolys afirmou que a guerra na Ucrânia forçou a sociedade lituana a buscar um equilíbrio entre sustentar sua tradição de tolerância e preservar sua cultura. Kuolys citou a encarnação anterior da Lituânia como Estado soberano sob o Grão-Ducado da Lituânia, uma potência europeia multicultural do século 15, cujo legado é venerado pela maioria dos lituanos atualmente.

Reação nacionalista

Essa história e o tamanho relativamente pequeno de sua minoria russa local tradicionalmente abrandaram a maneira que a Lituânia lidou com sua ameaçadora vizinha. Em contraste, comunidades de etnia russa na Letônia e na Estônia, suas companheiras no Báltico, alimentaram uma reação nacionalista depois que os países ficaram independentes, que ocasionou a criação e aplicação de leis e políticas imigratórias e diplomáticas linha-dura em relação à Rússia e seus cidadãos.

Da mesma forma que os dois outros Estados bálticos, o governo lituano fechou suas fronteiras para a maioria dos russos após o início da guerra na Ucrânia. Mas a Lituânia continuou a emitir vistos humanitários para russos com credenciais democráticas. Essa política seletiva produziu em Vilna uma comunidade de cidadãos russos altamente escolarizados, engajados politicamente e com frequência abastados que surte um impacto enorme na cidade.

O meio de imprensa independente 7x7, por exemplo, montou um estúdio em Vilna para transmitir notícias apuradas por colaboradores em todas as províncias com pouca cobertura para seus compatriotas no YouTube. A associação Memorial, uma organização de defesa de direitos humanos colocada na ilegalidade na Rússia, tem alugado escritórios para atualizar sua lista de presos políticos russos.

Membros do grupo de defesa de direitos eleitorais Golos, que significa “voz”, têm trabalhado em Vilna para aplicar inteligência internacional em vídeos de postos de votação na Rússia para tentar documentar manipulações de votos nas eleições estritamente controladas do país.

A cantora russa Monetochka faz um show em Zurique, Suíça. Ela se mudou da Rússia para Vilna, Lituânia  Foto: Marvin Zilm/The New York Times

E uma estrela do pop russa no exílio, Liza Girdimova, conhecida como Monetochka, tem usado Vilna como base para criar sua família e gravar músicas entre turnês produzidas para a diáspora russa espalhada pelo mundo.

Nesse processo, os exilados afirmam ter criado uma versão miniatura de uma Rússia democrática entre os edifícios barrocos e góticos da cidade velha de Vilna.

“A Rússia sem Putin poderia ser assim”, afirmou a ativista opositora Anastasia Shevchenko, da cidade de Rostov-no-Don, no sul da Rússia, que partiu para Vilna depois de passar dois anos em prisão domiciliar.

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A organização fundada por Navalni paira sobre a comunidade russa no exílio em Vilna. O grupo se mudou para a capital lituana em 2021, após o Kremlin declará-lo uma organização extremista.

Apesar de seu status proeminente, a equipe de Navalni permanece separada da diáspora de políticos russos na cidade, em razão de uma combinação entre preocupações de segurança e a convicção ferrenha do grupo em autossuficiência.

Essas preocupações de segurança intensificaram-se em razão da crescente determinação do Kremlin em punir oponentes no exílio, depois de esmagar quase totalmente o dissenso dentro da Rússia.

Em março, um dos principais assessores de Navalni, Leonid Volkov, foi hospitalizado depois de ser espancado com um martelo por homens desconhecidos diante de sua casa, em um subúrbio de Vilna. Um grupo ultranacionalista russo reivindicou autoria.

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Policia lituana interdita uma rua de Vilna, capital da Lituania, onde Leonid Volkov, um membro da oposição russa, foi ferido com um martelo por um nacionalista russo  Foto: Petras Malukas/AFP

À parte a equipe de Navalni, a maioria dos russos exilados em Vilna se reúne, o que ajuda a aliviar a dor do exílio e facilita a troca de ideias.

“Quando andamos na cidade percebemos que não estamos sós, e isso é muito importante”, afirmou Alexandr Pliushchev, que dirige o “Breakfast Show”, um dos programas de notícias independentes produzidos por russos exilados em Vilna de maior audiência.

O ambientalista russo Konstantin Fomin inaugurou um espaço comunitário para os exilados chamado ReForum, que é palco de eventos culturais e oferece sessões de terapia gratuitas.

O pequeno tamanho de Vilna e a grande concentração de proeminentes russos no exílio nos distritos prósperos do centro da capital ocasionam situações que certas vezes lembram cenas dos contos de Anton Tchekhov.

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O white terrier Frank, nascido na Rússia, por exemplo, tornou-se parte do folclore da comunidade russa no exílio graças às longas caminhadas nas ruas de paralelepípedos de Vilna ao lado de seu dono, Vladimir Milov, que foi vice-ministro russo de Energia antes de passar para a oposição.

E em um bar de Vilna à meia luz, o ex-legislador russo de oposição Ilia Ponomarev, que vive em Kiev, relatou recentemente que opositores exilados que discordam de suas visões atravessam a rua em certas ocasiões para evitar cumprimentá-lo, uma manobra constrangedora em vias às vezes tão estreitas.

Russos exilados em Vilma protestam com uma bandeira de Alexei Navalni em frente a embaixada da Rússia na Lituânia  Foto: Andrej Vasilenko/The New York Times

Adaptação

Nem todos os ativistas russos se adaptaram facilmente à vida no exílio. Muitos foram forçados a fugir da Rússia subitamente, deixando para trás pertences, bens e a sensação de propósito produzida por seus trabalhos. A maioria dos exilados entrevistados pela reportagem afirmou que suas maiores preocupações são com os parentes que ficaram para trás, que eles temem poder ser alvo de perseguição do governo em retaliação por suas atividades.

Essa ansiedade só fez aumentar após a morte de Navalni, que, para muitos exilados, representava a maior — talvez a única — esperança de mudança política.

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“Eu estou sofrendo, dói em mim não saber o que dizer quando minha filha me pergunta, ‘Mãe, o que nós vamos fazer agora?’”, afirmou Violetta Grudina, que trabalhou para Navalni como organizadora provincial e partiu para Vilna depois que a guerra começou. Ela disse que os ucranianos são as maiores vítimas da guerra, “mas nós também estamos pagando seu custo”.

Autoridades e cidadãos lituanos observaram a chegada dos russos proeminentes com uma mescla entre curiosidade e suspeição. Alguns referem-as a eles como Russos Brancos, em uma referência sarcástica ao malsucedido movimento liderado pelas elites tradicionais russas contra o governo soviético um século atrás.

Mas eles se juntaram a ondas maiores de imigrantes de Belarus, que chegaram após a insurreição de 2020 por lá, e da Ucrânia, que apareceram depois da invasão russa. Muitos belarussos e ucranianos usam o russo como língua principal, criando um complexo quebra-cabeça cultural entre as diferentes comunidades étnicas em Vilna — amarradas por uma história em comum mas divididas por ressentimentos históricos mútuos.

Alguns russos no exílio — como a artista pop Monetochka, e a ativista política Shevchenko — afirmam que estão aprendendo língua lituana e tentando se integrar ao país que os adotou.

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Mas o foco dos exilados russos em sustentar a luta política dentro da Rússia deixou a maioria deles com pouco tempo — ou incentivo — para estreitar os laços com o país que os acolhe.

Violetta Grudina, uma aliada de Alexei Navalni, se mudou para Vilna depois que a Rússia invadiu a Ucrânia  Foto: Sergey Ponomarev/The New York Times

A imigração de russófonos na cidade desencadeou debates locais especialmente acalorados sobre educação. As 14 escolas de língua russa da era soviética em Vilna educam atualmente 11,5 mil estudantes — após um aumento de 20% ao longo dos três anos recentes — o que, segundo as autoridades, é uma tendência preocupante em um país que há muito centra sua identidade nacional na língua lituana.

O vice-prefeito de Vilna, Arunas Sileris, disse temer que essa tendência, decorrente do compreensível desejo de continuidade dos imigrantes, crie uma nova geração de habitantes da Lituânia que falam somente russo, segregando-os da sociedade mais ampla e tornando-os mais suscetíveis à retórica revisionista de Putin e do presidente de Belarus, Alexandr Lukashenko. “Eles não estão percebendo a Lituânia como sua pátria”, afirmou Sileris. “E isso é uma ameaça.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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