A ditadura chavista intensificou a repressão a protestos de opositores com prisões em larga escala e sem justificativas, e com uma manobra jurídica para criar uma lei “antifascismo” que facilita a detenção e julgamento de manifestantes e integrantes da oposição. A lei já foi aprovada em primeira votação pela Assembleia Nacional, controlada pela ditadura, e deve ser ratificada ainda esta semana. O Legislativo venezuelano é composto somente por uma Casa, controlada pelo chavismo, que ocupa 256 das 277 cadeiras. Os projetos precisam ser aprovados em dois turnos antes de seguirem à sanção presidencial.
No sábado, quando milhares de opositores foram às ruas em centenas de cidades para protestar contra a suspeita fraude eleitoral que deu a vitória à Nicolás Maduro, o ditador venezuelano também reuniu apoiadores em uma passeata favorável aos chavistas e em defesa da sua “reeleição”. Ele pediu que a Assembleia Nacional aprove “muito rapidamente” um projeto de lei “contra o fascismo, o neofascismo e os crimes de ódio”. E ainda provocou o candidato da oposição ao Paláco Miraflores, o diplomata Edmundo González Urrutia, que, segundo Maduro, prepara “sua fuga da Venezuela”.
“Estamos enfrentando um povo malévolo, fascista, vocês entendem o que é o fascismo? É o ódio, a intolerância, transformados em violência”, afirmou Maduro em frente ao Palácio Miraflores, fazendo referência à coalizão opositora, e acrescentou: “Por isso, apoio com todas as minhas forças o que o povo está fazendo com a Assembleia Nacional e peço que aprove muito rapidamente [a lei] contra o fascismo, o neofascismo e os crimes de ódio.”
A “lei antifascismo” propõe a punição a quem promova reuniões ou manifestações que façam “apologia ao fascismo”, além de ter o poder de cassar partidos políticos e aplicar multas de até US$ 100 mil para empresas, organizações ou meios de comunicação que financiem atividades ou divulguem informações que “incitem o fascismo”, tal qual definido pelo regime.
O projeto faz parte de um pacote legislativo enviado por Maduro ao Legislativo em meio ao impasse instaurado após as eleições. Na última quinta-feira, o Congresso, de maioria chavista, sancionou o primeiro deles: o projeto de lei que busca regulamentar as ONGs do país, denunciado por ativistas, defensores de direitos humanos e a comunidade internacional como um meio para reprimir os direitos civis e recrudescer a repressão no país.
Em seu discurso, Maduro afirmou ainda que a oposição “não tem líderes” e questionou o fato de González Urrutia não ter ido às manifestações da oposição deste sábado. O diplomata não aparece em público desde 30 de julho. Ele foi a principal aposta da oposição após a líder de fato do anti-chavismo no país, María Corina Machado, ter sido inabilitada por 15 anos e a indicada para substituí-la, Corina Yoris, ter seu registro negado pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE).
María Corina afirma ter cópias de mais de 80% das atas que demonstram, segundo a oposição, a vitória acachapante de González Urrutia e desmentem o resultado oficial de 52% dos votos para Maduro, divulgados pelo CNE. O órgão pró-chavismo ainda não publicou a apuração detalhada, argumentando que o sistema de votação automatizado foi alvo de um “ataque ciberterrorista”.
Repressão à dissidência
A ditadura chavista intensificou as prisões de manifestantes e opositores nos últimos dias. A ONU estima que mais de 2,4 mil pessoas foram detidas em meio à repressão do chavismo, enquanto um novo balanço da ONG Foro Penal, divulgado no sábado, registrou 1.416 detenções, das quais 188 seriam mulheres e 127, menores de idade.
Na última sexta-feira, María Corina denunciou em uma publicação no X que Piero Maroún, líder do partido social-democrata Ação Democrática, “estava com sua esposa e cunhada em um restaurante às 22h20 (de sexta-feira) quando foi detido por três pessoas não identificadas”. Maroún foi libertado no dia seguinte. Já no sábado, em meio ao protestos, partidos e ONGs de direitos humanos denunciaram a prisão de um político, um padre e um advogado.
O secretário de organização regional da sigla Um Novo Tempo (UNT), Carlos Molina, foi detido após participar de uma concentração da oposição na cidade de Valência, em Carabobo. De acordo com o partido de María Corina, o Vem Venezuela, “forças repressivas o tiraram de uma van”. A ONG Provea denunciou que o padre Elvis Cabarca foi preso pela Guarda Nacional Bolivariana (GNB) enquanto rezava um rosário em uma capela. O sacerdote foi detido em Puerto Ayacucho, no estado do Amazonas, onde também foi registrada a prisão do advogado de direitos humanos Henry Alexander Gómez Fernández.
Ativistas dos direitos humanos acionaram alertas na Venezuela devido à lei de fiscalização de ONGs aprovada nesta quinta-feira, 15, pelo Parlamento, por considerarem que ela vai “aumentar a perseguição” aos críticos do ditador Nicolás Maduro, em meio a denúncias de fraude em sua reeleição.
O parlamento unicameral, controlado pelo chavismo, votou por unanimidade a favor da lei, que ordena às organizações não governamentais que se inscrevam em um registro que será administrado pelo Ministério do Interior e façam uma “relação de doações” em que devem informar se o dinheiro é procedente de fontes nacionais ou estrangeiras.
A lei faz parte de um pacote legislativo solicitado por Maduro após a crise gerada pelas denúncias de fraude em sua reeleição, no mês passado.
“É um golpe que busca controlar até o menor âmbito da vida das pessoas e o país, ameaçando com dissoluções e multas milionárias as ONG já consolidadas e que cumprem dezenas de leis e impostos”, criticou na rede social X a organização de defesa dos direitos humanos Provea. “Alertamos a comunidade internacional para essa lei, que vai aumentar a perseguição às vozes dissidentes e silenciar o espaço cívico”.
Na mesma plataforma, a ONG Acesso à Justiça considerou a lei “um golpe definitivo contra a sociedade civil organizada e o espaço cívico na Venezuela”. Já a Espaço Público, que defende a liberdade de expressão, manifestou que se trata de “uma norma que concretiza a criminalização das organizações da sociedade civil”.
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Denúncias
As ONG têm sido chave nas denúncias de violação dos direitos humanos na Venezuela, em meio à falta de transparência das fontes oficiais. Elas são alvo frequente de ataques de funcionários do alto escalão do regime chavista, que as acusam de funcionarem como fachada para uma conspiração contra Maduro com o financiamento dos Estados Unidos e de outros países.
A lei foi proposta em janeiro de 2023 pelo líder chavista Diosdado Cabello, que acusou mais de 60 ONGs de “desestabilizarem” o país. Sua aprovação foi adiada duas vezes, em meio a críticas.
“Aprovam essa lei em um contexto de aprofundamento da repressão pós-eleitoral”, ressaltou o defensor dos direitos humanos Eduardo Torres. O não cumprimento da nova lei implica multas que podem chegar a US$ 10 mil (R$ 55 mil). Normas semelhantes existem em Cuba, Nicarágua, Guatemala e Bolívia.
‘Campanhas de ódio’
O pacote de leis solicitado por Maduro inclui uma para “punir” o “fascismo”, termo usado pelo governismo para descrever seus detratores.
Também foi proposta na Assembleia Nacional uma lei sobre as redes sociais, usadas, segundo Maduro, para gerar violência e lançar “campanhas de ódio”. O ditador mandou suspender o X por 10 dias e promove um boicote ao WhatsApp. Plataformas de informação e entretenimento foram bloqueadas por provedores de internet.
O alto comissário da ONU para os Direitos Humanos, Volker Türk, pediu às autoridades que impeçam a aprovação de “leis que prejudiquem o espaço cívico e democrático”, e expressou preocupação com as prisões em massa. Sua porta-voz, Ravina Shamdasani, descreveu um “clima de medo”, em que “é impossível aplicar os princípios democráticos e defender os direitos humanos”./AFP
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