Opinião | Maduro conseguiu o que queria e dividiu a oposição na Venezuela

A votação de 28 de julho pode depender da maneira que Machado e Rosales resolverem suas diferenças; instituições controladas pelo regime muito provavelmente ditarão o desfecho

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Por Tony Frangie Mawad

CARACAS — A eleição presidencial “à la carte” que muitos temiam na Venezuela se tornará realidade após um contencioso processo de registro eleitoral terminar com 13 candidatos concorrendo formalmente. Em questão de dias, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) deu sinal verde a vários postulantes, mas impediu a candidata da opositora Plataforma Unitária Democrática (PUD), Corina Yoris, de participar da disputa. Yoris representava María Corina Machado, a líder mais popular da oposição, que também foi banida.

Um nome proeminente entre a longa lista de postulantes é Manuel Rosales — fundador do partido político Um Novo Tempo, governador do Estado mais populoso da Venezuela e ex-candidato presidencial — que atualmente levanta desconfianças entre os opositores, que o consideram um candidato pró-sistema. Sua participação faz aumentar as incertezas sobre este novo capítulo da antiga e persistente crise política na Venezuela e estreita cada vez mais algum um possível caminho para uma aliança política capaz de retirar Maduro do poder.

O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, discursa na sede da Comissão Eleitoral em Caracas, Venezuela  Foto: Ariana Cubillos/ AP

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Rosales foi o único candidato da oposição a competir com o finado Hugo Chávez em 2006, exilou-se no Peru em 2009 ao ser acusado de corrupção pelo chavismo e retornou para a Venezuela em 2015. Pouco depois de voltar, ele foi preso na penitenciária El Helicoide, a mais notória cadeia da ditadura para presos políticos. Mas Rosales logo passou para o regime de prisão domiciliar e acabou libertado em 2016, quando seu banimento para concorrer a cargos eletivos foi inesperadamente removido ao mesmo tempo que outros opositores foram banidos. Eleito duas vezes governador do Estado de Zulia, seu nome é reconhecido nacionalmente, e seu partido integra a PUD, o que complica a posição da coalizão.

Ainda assim, Rosales é considerado um dos “poucos membros da oposição que possui conexão direta com o Palácio de Miraflores”, a residência presidencial nesta capital, segundo noticiou o jornal espanhol El País anteriormente esta semana. Para muitos, o problema central é a posição ambígua de Rosales, que em certas ocasiões se mostra mais disposto a criticar outros setores da oposição do que o próprio regime.

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Manuel Rosales, candidato da oposição a presidência da Venezuela, participa de coletiva de imprensa em Caracas, Venezuela  Foto: Federico Parra/AFP

Essa posição imprevisível eleva os riscos no ambiente político já frágil da Venezuela. Além de Rosales, a PUD tem um candidato provisório, o ex-diplomata de carreira Edmundo González — que espera ser capaz de substituir Yoris. O tempo está acabando, conforme o prazo final para que as imagens dos candidatos sejam impressas na cédulas, 20 de abril, se aproxima. A oposição ainda poderá mudar de candidato até 10 dias antes da eleição, mas a imagem de seu postulante não aparecerá nas cédulas, o que diminui chances de vencer.

Enquanto Machado sugeriu que o registro de Rosales é uma “traição” à oposição, Rosales reiterou em eventos públicos e entrevistas com meios de imprensa locais sua intenção de apoiar Machado caso o CNE aprove posteriormente sua candidatura. Mas uma decisão desse tipo está totalmente descartada, e um campo dividido de postulantes à presidência simplesmente aumenta as chances de um político com baixos índices de aprovação, como Maduro, conquistar um terceiro mandato presidencial. Ainda assim, muitos na coalizão esperam que as facções de Rosales e Machado possam alcançar um acordo nos próximos quatro meses.

Refletindo as preocupações internacionais em relação aos acontecimentos recentes na Venezuela, o presidente colombiano, Gustavo Petro, atacou Maduro esta semana pela desqualificação de Machado para a eleição classificando a medida como um “golpe antidemocrático”. Seus comentários são percebidos como uma crítica sem precedentes de um líder que trabalhou juntamente com o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, até semanas atrás para criar condições eleitorais justas na Venezuela. “Foi indubitavelmente uma maneira de excluir uma corrente política real existente na Venezuela”, acrescentou Petro. “O povo determinará se é majoritária ou não.” Outras condenações, dos Estados Unidos e da União Europeia, eram esperadas.

Observadores internacionais

A desqualificação arbitrária de candidaturas e a escalada da repressão política nos dias recentes levantam preocupações a respeito das garantias necessárias para assegurar uma competição política transparente até a votação de 28 de julho. Em outubro, o governo e a oposição assinaram o já defunto acordo de Barbados, que dava provimento à expansão do registro nacional eleitoral permitindo mais liberdade à imprensa durante a campanha, fazendo auditorias do sistema eleitoral e convidando missões de observadores internacionais. Mas esses elementos, destinados a garantir eleições livres e justas, titubeiam e serão escrutinados nos próximos dias.

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“Estas serão as eleições sob as condições mais restritivas nos últimos 20 anos”, disse à AQ o jornalista radicado em Caracas e especialista em processos eleitorais Eugenio Martínez. Além das restrições, as irregularidades são profusas: ainda que a lei eleitoral da Venezuela determine que o calendário eleitoral seja publicado inteiramente na gazeta eleitoral assim que o CNE convoque eleições, o cronograma deste ano só foi publicado como uma lista de datas no website do CNE. “Legalmente, o calendário eleitoral não existe”, acrescentou Martínez.

A autoridade eleitoral convidou delegações das Nações Unidas, da União Europeia e do Centro Carter para acompanhar a votação, mas os convites foram enviados no início de março, com um prazo apertado. “Isso claramente tem intenção de evitar que os observadores cheguem a tempo”, afirmou recentemente em uma entrevista a uma rádio o negociador-chefe da PUD no acordo de Barbados, Gerardo Blyde. A União Europeia deverá enviar uma missão exploratória à Venezuela este mês, o que não significa necessariamente que haverá uma missão de observação completa do bloco europeu acionada no fim de julho, já que o cumprimento de uma série de condições e requisitos ainda é necessário. Esse cronograma “dificulta o processo”, acrescentou ele.

María Corina Machado, a líder da oposição, participa de uma coletiva de imprensa em Caracas, Venezuela  Foto: Miguel Gutiérrez/EFE

Os meios de imprensa locais noticiaram que uma delegação da Noruega, um dos principais entes facilitadores em relação à Venezuela recentemente, chegou a Caracas em 2 de abril para reuniões de alto nível com o governo, a oposição e Machado.

Algumas regras

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Mas o regime provavelmente predeterminou o desfecho da disputa ao marcar a eleição com tão pouca antecedência, fazendo com que partidos políticos e organizações internacionais corram contra o relógio. O governo estabeleceu 291 locais temporários de registro para novos eleitores espalhados por áreas pouco povoadas que ficarão ativos apenas até 16 de abril — e a Venezuela tem 335 municipalidades.

Os mais de 7 milhões de venezuelanos vivendo no exterior — a maioria dos quais votaria contra — foram amplamente excluídos desse processo. Apesar de protestos de migrantes venezuelanos, muitas embaixadas e consulados afirmam que não receberam equipamentos e nem instruções do CNE para um processo de registro no exterior. As poucas representações que iniciaram processos de registro eleitoral estão atrasadas em relação ao cronograma. Outro ponto acordado em Barbados foi uma cobertura mais livre da imprensa. Mas o governo fechou nove estações de rádio este ano. Similarmente, desde 2018 o CNE não tem permitido que jornalistas façam perguntas em conferências de imprensa.

Venezuelanos protestam por eleições livres em frente a embaixada da Venezuela em Buenos Aires, Argentina  Foto: Luis Robayo/AFP

O CNE também avançou com auditorias previstas para os softwares, hardwares e bancos de dados do sistema eleitoral, que incluem representantes de todos os partidos autorizados a concorrer, incluindo a coalizão opositora. “Esses processos dão transparência aos aspectos técnicos das eleições”, afirmou o representante da oposição nas auditorias, José Huerta. “Quando observamos irregularidades em outros processos, como as eleições para a Assembleia Constituinte de 2017, foi porque não participamos das auditorias.”

Neste cenário, a relação Rosales-Machado seria decisiva, e ninguém espera que os obstáculos e a repressão abrandem nos próximos quatro meses. Em visita à Espanha, esta semana, o subsecretário de Estado americano para o Hemisfério Ocidental, Brian Nichols, expressou cautela a respeito do atual panorama político da Venezuela. “Eu diria que, neste momento, a eleição não oferece muita esperança”, afirmou ele, acrescentando uma mensagem velada ao regime. “Mas ainda há tempo de mudar o curso.”

Na Venezuela, onde 80% afirmam estar dispostos a votar, segundo uma sondagem recente do instituto local de pesquisas Delphos, nem todos estão pessimistas: “Hoje eu lhes falo do fundo do coração: nós estamos certos e temos a força, temos o povo e temos uma grande oportunidade”, afirmou Machado no domingo de Páscoa. “Tenhamos confiança de que ninguém nos desviará da rota que nos levará a eleições limpas e livres.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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Opinião por Tony Frangie Mawad

Tony Frangie Mawad é jornalista freelancer radicado em Caracas

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