Na Venezuela, Tribunal Supremo suspende resultado das primárias da oposição

Processo eleitoral da oposição venezuelana é freado pelo Tribunal Supremo de Justiça após uma sequência de ataques de Nicolás Maduro

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Em uma movimentação atípica que afunda na incerteza a viabilidade do processo eleitoral na Venezuela, o Tribunal Supremo de Justiça venezuelano ordenou nesta segunda-feira, 30, a suspensão de “todos os efeitos” do resultado das eleições primárias da oposição, que foram realizadas no último 22 de outubro e conduzidas de forma autônoma pela Comissão Nacional de Primária (CNdP).

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A eleição, que mobilizou quase 2.5 milhões de venezuelanos e que teve como vencedora a candidata de centro-direita María Corina Machado — com mais de 92% dos votos —, foi questionada pela ditadura de Nicolás Maduro, que através de um recurso apresentado por aliados no aparato judicial, busca frear o processo criticando supostas “irregularidades”, segundo declararam membros do CNdP ao Estadão.

“Todos os efeitos das diferentes fases do processo eleitoral conduzido pela Comissão Nacional de Primária estão suspensos”, afirma a decisão emitida nesta segunda-feira pela Câmara Eleitoral do Supremo Tribunal de Justiça (TSJ) da Venezuela.

Jesus Maria Casal (esq.), presidente da Comissão Nacional de Primária (CNdP), chega à sede do Ministério Público em Caracas, em 30 de outubro de 2023. Foto: FEDERICO PARRA / AFP

A decisão ordena que a Comissão Nacional de Primária (CNdP) apresente ao judiciário, no prazo de três dias, os “registros administrativos” das fases do processo, incluindo todas as atas do processo — documentos que contém dados sobre a constituição das seções eleitorais, os livros de cédulas, as atas de escrutínio, e até as próprias identidades dos eleitores.

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“Não podemos fazer isso, não podemos entregar as atas, porque isso seria colocar em risco a identidade dos eleitores. Seria violentado o voto secreto”, disse ao Estadão Andrea Tavares, Secretária-Geral do partido La Causa R, que participou do processo eleitoral.

Segundo Andrea Tavares, o TSJ também exige que sejam entregues as atas de aceitação da nomeação de María Corina Machado, Freddy Superlano e Henrique Capriles — três candidatos que foram “inabilitados” pelo regime e que, em teoria, não poderiam ser eleitos. Contudo, a oposição considera estas inabilitações “inconstitucionais” e alega que elas têm sido utilizadas pela ditadura como ferramenta para barrar das eleições os principais líderes dissidentes que aspiram a cargos públicos.

Na última semana, o deputado da Assembleia Nacional, José Brito, considerado um aliado do regime de Maduro, entrou com um recurso no TSJ para revisar supostas “irregularidades” nas primárias da oposição.

Em 2019, Brito havia sido expulso do partido Primero Justicia sob acusações de utilizar uma comissão da Assembleia para impedir a continuidade de investigações contra empresários ligados a Maduro que foram acusados de corrupção, incluindo o colombiano Alex Saab, que foi processado nos Estados Unidos por conspiração para lavagem de dinheiro.

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“As primárias tiveram um sucesso esmagador que o regime não estava esperando, pois estava sendo subestimada a participação das pessoas no processo. Ao ver este sucesso, agora o regime tenta atacar e desacreditar a eleição, começando uma perseguição contra os cidadãos que tiveram a responsabilidade de organizar o processo eleitoral”, afirmou Tavares.

Para a oposição venezuelana, estes ataques marcaram a ruptura do acordo assinado em 17 de outubro junto com a classe governista em Barbados, onde ambos os lados se comprometeram a promover a coexistência política em troca do levantamento gradual das sanções dos EUA. O acordo, que contou com a presença de uma delegação brasileira representada por Celso Amorim e que foi saudado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, também permitiria eleições livres e democráticas no país, mas era visto com receio por parte da oposição, cujo maior medo — a assinatura de um contrato de fachada que não seria respeitado por Maduro — foi confirmado nesta segunda-feira.

“Os partidos reconhecem e respeitam o direito de cada ator político de selecionar seu candidato para as eleições presidenciais livremente e de acordo com seus mecanismos internos, em conformidade com as disposições da constituição e da lei”, diz o primeiro ponto do acordo de Barbados.

Nos últimos dias, o regime de Nicolás Maduro acusou a oposição de “inflar” os resultados das primárias, das quais participaram pelo menos 2.440.415 pessoas, de acordo com o CNdP. O governo critica os números e afirma que não participaram mais 700 mil pessoas no processo.

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O procurador-geral do regime, Tarek William Saab, anunciou que seria realizada uma investigação de crimes cometidos pela Comissão, como usurpação de funções eleitorais, usurpação de identidade, lavagem de dinheiro e associação criminosa. De acordo com Saab, as primárias foram “uma fraude total”.

Na última semana, membros do CNdP, incluindo seu presidente, Jesús María Casal, bem como membros das diretorias regionais, receberam uma notificação da promotoria que convocava todos os organizadores das primárias para depor nesta segunda-feira.

As eleições primárias foram organizadas então de forma independente. O chavismo critica a irregularidade das primárias com o argumento de que o Comité Nacional Eleitoral (CNE) não participou do processo. Contudo, de acordo com o presidente do CNdP, quatro meses antes havia sido solicitada a assistência técnica e apoio institucional do CNE, então presidido por Pedro Calzadilla, para organizar a votação. Esta solicitação foi ignorada durante meses, até que o CNE decidiu abandonar suas funções sem responder à solicitação.

Em junho passado, uma semana depois do envio da solicitação da oposição, todos os membros do alto escalão do CNE renunciaram a menos de um ano de terem ocupado seus cargos. O motivo das renúncias continua sendo desconhecido.

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