‘Não é hora de falar de paz, precisamos defender o Estado de Israel’, diz escritor israelense

O ativista e escritor israelense Yossi Klein Halevi aponta que o legado do primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, está destruído por conta do ataque terrorista do Hamas e da tentativa de passar uma controversa reforma do judiciário

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Foto do author Daniel Gateno
Atualização:


Foto: Yossi Klein Halevi/ Shalom Hartman Institute
Entrevista comYossi Klein HaleviEscritor e pacifista israelense

O ataque organizado pelo grupo terrorista Hamas no dia 7 de outubro, que deixou 1.400 mortos em Israel, atingiu um país que já estava em ebulição.

A nova guerra contra o Hamas ocorre em meio a protestos que foram feitos por mais de 36 semanas consecutivas no país em oposição à reforma do Judiciário proposta pela coalizão liderada pelo primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu.

Se o país já estava dividido em relação à controversa coalizão de extrema-direita que foi encabeçada por Netanyahu, as críticas ao primeiro-ministro só aumentaram. “A carreira política de Netanyahu acabou, seu legado acabou. O homem que prometeu nos manter seguros nos tornou mais vulneráveis do que estivemos em 50 anos”, apontou o escritor e pacifista israelense Yossi Klein Halevi.

O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, participa de coletiva de imprensa em Jerusalém  Foto: Christophe Ena/Reuters

O escritor avalia que Israel se tornou um país muito mais moderno durante a administração de Netanyahu e ele tem méritos por ter contribuído na criação do conceito de Start-Up Nation. Mas nada disso se salva após a proposta de reforma do Judiciário e o ataque terrorista.

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Halevi aponta que Netanyahu deve continuar sendo primeiro-ministro até o fim da guerra com o grupo terrorista Hamas. “Na Segunda Guerra Mundial, os britânicos substituíram Neville Chamberlain por Winston Churchill, mas não temos nenhum Churchill nesta coalizão.”

O escritor teve o seu último livro, “Cartas ao Meu Vizinho palestino”, traduzido para o português e publicado pela editora Contexto no ano passado. No livro, o escritor tenta estabelecer um diálogo entre israelenses e palestinos por meio de cartas, usando sua experiência pessoal como guia.

Contudo, Halevi pondera que a obra é irrelevante no contexto atual de Israel. “Esta não é uma conversa que eu estou interessado em prosseguir no momento. Precisamos restaurar a nossa credibilidade militar e isso não funciona bem em conjunto com a reconciliação.”

O encontro com o escritor foi organizado pelo Instituto Brasil-Israel. A seguir, os principais trechos da entrevista:

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Tanques israelenses são posicionados na fronteira entre Israel e a Faixa de Gaza  Foto: Aris Messinis/AFP

Como o sr. está se sentindo neste momento do país? É possível dizer que todos os israelenses estão traumatizados?

Estamos todos traumatizados neste momento e há um profundo sentimento de descrença pela maneira com que o grupo terrorista Hamas rompeu as defesas da fronteira e o exército não apareceu de forma eficaz durante horas. Há uma grande sensação de uma quebra de vínculo entre a população e o governo de Israel e um medo enorme dos próximos meses. Não sabemos o que vai acontecer, vai ser terrível. Sabemos que muitos soldados israelenses vão morrer, assim como civis palestinos na Faixa de Gaza, e existe uma preocupação de que muitos dos nossos amigos em todo o mundo que estão conosco agora não poderão estar conosco quando a guerra se tornar realmente difícil.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, conversa com o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, em uma reunião bilateral em Tel Aviv, Israel  Foto: Evelyn Hockstein /Reuters

E também existe um sentimento de indignação que muitos de nós temos pelo fato de Netanyahu ser o responsável por este desastre e que provavelmente ele vai continuar sendo o nosso primeiro-ministro durante esta guerra. O lado positivo é que estamos unidos. E se você tivesse me dito há algumas semanas que haveria um ataque terrorista terrível e o país inteiro se uniria como se não tivéssemos divididos pela reforma do Judiciário há um ano, eu não tenho certeza se teria acreditado. O fato de termos recuperado a nossa unidade é a maior arma de Israel.

Na sua avaliação, Netanyahu deve continuar sendo o primeiro-ministro durante toda a guerra?

Não sei como nos livraremos dele. Porque não vejo ninguém no Likud (partido de Netanyahu) que possa substituir o atual primeiro-ministro. Na Segunda Guerra Mundial, os britânicos substituíram Neville Chamberlain por Winston Churchill, mas não temos nenhum Churchill nesta coalizão. Existem bons lideres fora da coalizão, mas não podemos fazer nada neste momento. Acredito que Netanyahu continuará no poder até depois da guerra e, quando isso passar, teremos um enorme movimento de protesto cuja raiva será muito maior do que qualquer coisa que tivemos no ano passado.

Israelenses protestam em Tel Aviv e exigem a libertação dos mais de 200 reféns que estão na Faixa de Gaza  Foto: Janis Laizans/Reuters

O que acontecerá com Netanyahu? A carreira política dele irá acabar depois da guerra, assim como aconteceu com Golda Meir depois da Guerra de Yom Kippur?

Netanyahu sentirá um ódio da população que é muito maior do que Golda Meir sentiu. Sua carreira acabou. Seu legado acabou. O homem que prometeu nos manter seguros nos tornou mais vulneráveis do que estivemos em 50 anos. Talvez mais vulneráveis do que estivemos desde 1948, e ele era a pessoa que iria deter o Irã, mas o Irã está próximo de obter armas nucleares e está presente em todas as nossas fronteiras. Netanyahu deu uma entrevista à TV israelense e disse que o povo judeu não tem um bom histórico de preparação para situações preocupantes e que no Holocausto fomos pegos de surpresa, mas que isso não aconteceria sob seu comando. Ele não cumpriu nada do que prometeu e eu considero que ele é um dos piores líderes que tivemos em 4.000 anos de história judaica. O primeiro-ministro foi um dos nossos políticos mais talentosos. Poderia ter sido um dos nossos grandes primeiros-ministros, ele é o primeiro-ministro com mais tempo no cargo em nossa história. Ele tem grandes conquistas. O conceito de Startup Nation realmente decolou sob sua supervisão e os Acordos de Abraão também. Israel tornou-se um país muito mais moderno sob Netanyahu. Mas com a tentativa de passar a reforma do Judiciário e este ataque terrorista, Netanyahu destruiu 30 anos de seu legado.

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Vi outras entrevistas que o sr. deu afirmando que as pessoas que estão protestando contra a reforma do Judiciário em Israel querem salvar a história de sucesso do país, o que também salvaria o conceito de Startup Nation. O que isso significa? Esta reforma poderia minar tudo de positivo que foi construído em torno da imagem de Israel?

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Em primeiro lugar, não é uma reforma, é uma revolução. Algumas pessoas chamam isso de golpe judicial, e é na verdade uma transformação total do equilíbrio de poder em Israel. Temos um sistema de governo muito frágil e Netanyahu está certo quando diz que a Suprema Corte é mais ativista do que o desejado, mas isso funciona como um sistema de freios e contrapesos. Precisamos de uma Suprema Corte forte para garantir que as normas democráticas básicas sejam preservadas e que a extrema-direita não viabilize medidas absurdas. Se o poder da Suprema Corte for neutralizado, Israel ficará vulnerável à corrupção, à coerção religiosa e a normas antidemocráticas. O sucesso de Israel tem se baseado em um equilíbrio delicado entre questões de segurança e o mantimento de normas democráticas. Se perdermos um tribunal forte, perderemos a batalha pela manutenção de Israel como uma sociedade decente. Israel é um país que está sempre sob constante ataque, lidamos com ataques terroristas e guerras, mas o que torna isso tudo tão importante é que lutamos por continuar sendo uma democracia mesmo em circunstâncias impossíveis. Então, estamos protestando para que a Suprema Corte continue assim e para que Israel continue tendo a capacidade de manter o equilíbrio entre normas democráticas e de segurança. Netanyahu está perdendo a lealdade dos israelenses liberais, que são a espinha dorsal da história de sucesso da Start-Up Nation. E vai perder o apoio de grande parte da diáspora. Da diáspora liberal. E esses são os elementos que fizeram com que esse país fosse extraordinário, estas são as histórias de sucesso. Então, não estamos lutando apenas pela democracia, mas pela capacidade de Israel continuar sendo um sucesso.

Com o ex-presidente dos EUA Donald Trump, a bandeira dos EUA estava relacionada com a direita, e aqui no Brasil isso também aconteceu com o ex-presidente Bolsonaro. Em Israel, a bandeira está presente nos protestos, refletindo uma unidade nacional, por que isso acontece?

Todos se sacrificam por este país, quase todos os israelenses servem o exército e eu tenho o mesmo direito a usar a bandeira que alguém que vota em Itamar Ben-Gvir, atual ministro da Segurança Pública. Eu estou pronto para dar minha vida pela bandeira de Israel e ninguém vai tirar isso de mim. Então isso faz uma diferença muito grande. Nos Estados Unidos o exército é voluntário e as pessoas que tendem a servir possuem uma origem mais conservadora, de Estados que votam tradicionalmente no Partido Republicano. Em Israel, é possível encontrar diferentes espectros políticos no exército e muitos ex-generais são de esquerda. No começo das manifestações, Netanyahu tentou vender uma narrativa de que muitas bandeiras da Palestina estavam nos protestos e de fato algumas estavam, mas o primeiro-ministro tentou pintar as manifestações como antipatrióticas. A resposta dos israelenses foi levar milhares bandeiras de Israel, de múltiplos tamanhos. E quando vou a uma manifestação e estou no trem com a minha bandeira, todos sabem que sou contra este governo. O símbolo de ser contra o governo é a bandeira.

O sr. olha para o seu mais recente livro, “Cartas ao meu Vizinho Palestino” de forma diferente após os ataques terroristas do dia 7 de outubro?

Não olho para o livro de maneira diferente porque neste momento eu não estou pensando nele. Para mim, o livro é irrelevante neste momento, embora eu espere que ele seja relevante em algum momento no futuro. Mas está não é uma conversa que eu estou interessado em prosseguir no momento. Eu quero que Israel restaure a sua capacidade de dissuasão em relação aos seus inimigos no Oriente Médio. A região precisa saber que o que aconteceu no dia 7 de outubro foi uma aberração e não o princípio do fim da capacidade de Israel de se defender. Precisamos restaurar a nossa credibilidade militar e isso não funciona bem em conjunto com reconciliação. Estamos em tempos de guerra, espero que um dia seja possível ter conversas sobre paz, mas não agora. Ainda acredito na paz e espero por um acordo com a Arábia Saudita em algum momento, mas tenho a impressão de que os sauditas estão bravos com Israel e não pelo que está acontecendo na Faixa de Gaza, mas porque Israel não foi capaz de se defender contra o grupo terrorista Hamas, não se mostrou um aliado confiável contra o Irã, é por isso que estão repensando um acordo com Israel. Por isso precisamos reafirmar a nossa credibilidade militar e isso também significa preservar a possibilidade de paz, o que pode parecer contra intuitivo para muitas pessoas, mas isso é o Oriente Médio e é assim que funciona.

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