‘Não há volta’: dissidentes cubanos sentem-se encorajados apesar da repressão

Grandes multidões desafiaram o Estado denunciando o aumento do custo de vida e o agravamento da escassez de alimentos e medicamentos

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Por Ernesto Londoño e Frances Robles
Atualização:

HAVANA - Detido em uma delegacia após os grandes protestos de domingo, Guillermo Fariñas, um veterano dissidente do governo de Cuba, não acreditava no que via: dezenas de rostos desconhecidos, muitos deles adolescentes, enchiam o local

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Nenhum era membro dos círculos tradicionais de oposição, disse Fariñas. “Eu disse ao segurança que me prendeu: 'Você vai ter que mudar’”, disse Fariñas, de 59 anos. “‘Este é o povo, e não apenas o povo, mas os jovens. Olhe para eles: eles decidiram que não vão apenas continuar deixando o país - eles querem uma mudança aqui.'”

Após uma notável onda de manifestações em Cuba no fim de semana, o governo deteve dezenas de pessoas em uma repressão que os ativistas descreveram como a maior em anos, talvez até décadas.

Um antigo ativista de direitos humanos disse que o número de prisões em todo o país era comparável apenas à repressão que precedeu a invasão de 1961 na Baía dos Porcos.

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Protestos massivos encorajaram dissidentes; manifestações se espalharam para fora da ilha Foto: Cristina Vega Rhor/AFP

A Anistia Internacional disse na terça-feira que compilou uma lista de 150 pessoas detidas na sequência das manifestações de domingo. Outro grupo, o Movimento San Isidro, um grupo dissidente cubano liderado por artistas e acadêmicos, registrou 171 relatos de pessoas que foram detidas ou desapareceram na esteira dos protestos.

Manifestações históricas em Cuba

“Os protestos em massa pacíficos foram históricos”, disse Erika Guevara-Rosas, diretora da Anistia Internacional para as Américas. “Embora as formas de repressão sejam as mesmas, estamos assistindo a uma mobilização substancial e perigosa da polícia e das forças de segurança militar.”

Grupos de direitos humanos disseram que pode demorar vários dias para obter uma imagem clara da escala da resposta do governo, porque conexões de telefone e internet instáveis ​​dificultam o rastreamento de quantas pessoas foram presas.

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Mas os cubanos relataram ter visto uma forte presença de forças de segurança nas ruas na segunda e terça-feira, e muitas famílias estavam tentando desesperadamente rastrear seus entes queridos que foram detidos ou que desapareceram após as manifestações.

Protestos foram os maiores vistos em Cuba desde 1994 Foto: Yamil Lage/AFP

Mesmo assim, dissidentes veteranos disseram que a repressão era esperada após o que muitos chamaram de o maior protesto no país desde a Revolução Cubana, forçando os líderes cubanos a reconhecer a severa crise econômica que levou milhares às ruas.

Muitos o descreveram como um ponto de virada potencial em um país onde o Partido Comunista conseguiu sufocar até mesmo pequenos desafios à sua autoridade por décadas. “A faísca foi acesa, senhoras e senhores, não há como voltar atrás”, disse a jornalista independente Yoani Sánchez em um breve podcast que ela gravou na terça-feira. “As pessoas sentiram o que é gritar liberdade nas ruas de Cuba.”

Repressão do regime de Cuba

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O governo cubano frequentemente detém dissidentes por um ou dois dias depois que as forças de segurança interrompem as manifestações. Não estava claro se as detenções de domingo levariam a uma nova geração de prisioneiros políticos de longo prazo.

Daniel Triana, um ator cubano que foi detido em um centro de detenção de Havana por cerca de 24 horas, descreveu uma enxurrada de manifestantes sendo conduzidos à cela onde ele foi mantido. “Muitas pessoas em todo o país ainda estão detidas, eu diria centenas”, disse ele em uma entrevista por telefone. “Na minha ala, havia dezenas de pessoas e eles estavam trazendo pessoas quando eu cheguei lá, e eles estavam trazendo pessoas quando eu saí.”

Camila Remón, membro do Movimento San Isidro, disse que os protestos recentes foram possibilitados pela ampla conectividade com a Internet na Ilha, um fenômeno relativamente novo.

“Tem sido um meio muito eficaz de falar”, disse ela, observando a enxurrada de vídeos online, muitos deles transmitidos ao vivo, que deram às pessoas ao redor do mundo um vislumbre em tempo real do que estava acontecendo em Cuba enquanto os protestos se desenrolavam. “Conseguimos publicar muito conteúdo mostrando o que o regime faz.”

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Mas o serviço de internet logo foi encerrado em todo o país no domingo, e muitos ativistas relataram problemas de conexão esta semana. Dissidentes disseram que o governo parecia estar restringindo o acesso a uma ferramenta que representa uma terrível ameaça ao seu controle do poder.

“A única coisa que nos deu coragem para ir às ruas foi ver que outras pessoas também estavam fazendo isso”, disse Triana. “Cortar a internet vai esmagar toda a segurança que tínhamos.”

Manifestantes caminham emdireção oposta abloqueio montado por soldados em Havana. Foto: REUTERS/Alexandre Meneghini

 Na Flórida, os líderes locais discutiram na terça-feira maneiras de capacitar grupos de oposição em Cuba. O governador Ron de Santis expressou interesse em que empresas locais explorem a possibilidade de expandir amplamente o acesso à internet na Ilha.

Reação do governo cubano

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Altos funcionários cubanos pareceram abalados com a magnitude do protesto de domingo, que se desenrolou em dezenas de vilas e cidades em toda a ilha. Grandes multidões desafiadoras de manifestantes denunciaram o Estado, o aumento do custo de vida e o agravamento da escassez de alimentos e medicamentos.

O presidente Miguel Díaz-Canel pediu aos apoiadores do governo que voltem às ruas e invocou a perspectiva de violência enquanto o governo tenta assumir o controle. “Não vamos abrir mão de nossa soberania, da independência do povo, nem da liberdade desta nação”, disse ele no domingo após os protestos. “Há muitos entre nós, revolucionários, dispostos a colocar nossas vidas em risco.”

No dia seguinte, Rogelio Polanco Fuentes, chefe do departamento ideológico do Partido Comunista, disse que os protestos eram parte de uma forma de "guerra não convencional" que os Estados Unidos estavam travando na busca pela mudança de regime. “Envolve táticas da chamada luta não violenta, que geram instabilidade e caos nos países, para provocar atos de repressão das forças de segurança”, afirmou. “Estas, por sua vez, geram a percepção de violações dos direitos humanos.”

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