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Não havia motivo para Argentina e Brasil estarem afastados, diz ex-embaixador

Diplomata Marcos Azambuja afirma que países estão 'voltando ao natural'

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Embora os presidentes do Brasil e da Argentina tenham demorado quase um ano para ter sua primeira reunião bilateral - algo sem paralelo nas últimas décadas nas relações exteriores dos dois vizinhos -, o diplomata Marcos Azambuja afirma que não havia motivos políticos, econômicos ou sociais para tal distanciamento e comemora a reaproximação. "Estamos voltando ao natural: dois grandes vizinhos têm que conversar". 

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Ex-embaixador em Buenos Aires entre 1992-1997 e hoje conselheiro no Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), Azambuja fez um agradecimento póstumo a Diego Maradona, morto na semana passada, ao lembrar que a situação permitiu ao presidente Bolsonaro ter um "pretexto para ser solidário e gentil sem violentar suas convicções". 

Também destacou que a Argentina enfrenta suficientes problemas no âmbito interno - como a pandemia, a crise econômica e uma importante saída de empresas para vizinhos - e não tem o menor interesse em procurar novos conflitos. A reunião virtual de 45 minutos ocorreu no Dia da Amizade entre Brasil e Argentina, celebrada em memória do encontro, em 1985, do então presidente José Sarney e do argentino Raúl Afonsín em Foz do Iguaçu - o momento é tido como o pontapé da criação do Mercosul. 

Diplomata Marcos Azambuja afirma que países estão 'voltando ao natural' Foto: Marcos de Paula/AE

Qual sua avaliação sobre o primeiro encontro entre Jair Bolsonaro e o presidente Alberto Fernández? É preciso comemorar a normalidade, ainda que tardia, do fato. Deveria ser banal que um presidente do Brasil converse de maneira amistosa com o presidente da Argentina. Surpreendente é que tenha levado tanto tempo para que acontecesse (quase um ano). Estamos voltando ao natural: dois grandes vizinhos têm que conversar. Eu faria, também, um agradecimento póstumo ao Maradona, que deu ao Bolsonaro o pretexto para ser amável, solidário, gentil e, ao mesmo tempo, não violentar suas convicções. Maradona foi também um elo para que a conversa fosse mais amistosa. 

O que motivou o presidente Fernández a buscar essa reaproximação? O chanceler argentino, Felipe Solá, de quem sou amigo, tem a convicção de que a história precisa continuar sendo escrita por dois grandes vizinhos que eram exemplares em sua aproximação e em seu entendimento. Ele é uma pessoa de espírito moderado, o Fernández também, não são extremistas por temperamento. Não podíamos deixar que Brasil e Argentina se afastassem quando não houve razão, conflito territorial, político ou disputa comercial. Entre nós não há nada que justificasse um distanciamento rancoroso e desconfiado. Pelo contrário, tudo nos aproxima e nossa vocação é de convívio. Somos uma vizinhança que se transformou em uma sociedade. Espero que não haja episódios que nos levem a um distanciamento de novo. E a Argentina tem suficientes problemas internos para não querer conflitos externos. 

O senhor acredita que essa busca pela aproximação com o Brasil tem também a ver com um distanciamento entre Cristina e Fernández?  Eu não tenho informações fidedignas de que isso acontece, mas presumo que aconteça. Um pouco pela inevitabilidade das tensões políticas. Uma ex-presidente que passa a vice, os ventos que sopram em ligeira mudança de direção, um mundo que já não é mais o mesmo de alguns anos atrás. Para a eleição, foi uma união de conveniência dos dois, mas não sei até que ponto hoje isso está sendo testado pela realidade, em um mundo pós-pandêmico, em que certas causas já não estão mais tendo grande trânsito. Não sei de um distanciamento profundo entre ambos, mas é da natureza da política que isso devesse mais ou menos acontecer porque é uma união de difícil sustentação. 

Por que tardou tanto esse encontro? Na Argentina havia a ideia de que a América do Sul se movia para aquele universo populista, nacionalista, esquerdista, que os anos PT (2002-2016) criaram. De que esse modelo sul-sul seria um modelo vitorioso e irresistível. E se surpreendeu quando não foi. Mas a Argentina não quer com o Brasil nenhum problema. O país tem um cardápio de dificuldades internas que recomenda não criar nenhum problema adicional. Os dois países têm um no outro um mercado de produção industrial (como veículos, motores e autopeças). Se sairmos do mercado argentino e eles do nosso, passamos a ser exclusivamente vendedores de commodities. Nós damos um ao outro um bom patamar de comércio, é uma relação rica, importante. Há uma complementaridade encantadora entre Brasil e Argentina. E temos um fascínio turístico um pelo outro - eles procuram com a mesma fidelidade o nosso sol com que nós procuramos a neve deles. 

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O senhor acredita que a ideia da cooperação sul-sul foi derrotada? Derrotada não. Há um espaço para o sul-sul, para a ideia das associações entre os países periféricos. Há oportunidades. O que não se pode é querer transformar isso no eixo principal de inserção mundial. Temos que estar nos grandes processos, criar nossas alianças, entendimentos regionais e subregionais sem transformá-los no centro de nossa política. Eles têm de ser um acessório, um elemento importante, indispensável, mas as grandes relações ainda se dão nas grandes linhas de produção mundial, nas grandes cadeias, que são a Ásia, a América do Norte, a Europa. Dito isso, podemos e devemos apostar na América do Sul, é indispensável, mas não colocar nela tantas fichas. 

O Mercosul saiu do debate público nos últimos anos. Qual sua avaliação sobre o momento do bloco? O Mercosul serviu para criar pontes de um lado e outro. Ele foi útil e valioso como uma aproximação política, democrática e diplomática, permitiu que problemas nucleares de má origem fossem desfeitos. Permitiu que onde havia desconfiança se criasse confiança. Mas foi insuficiente e inadequado na criação do que pretendia ser: uma zona de livre comércio e um grande processo de integração, uma quase União Europeia na América do Sul.

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