‘Não queremos viver no mundo do caos’: Ucrânia pede ao Brasil que apoie esforços pela paz

Chefe do gabinete de Volodmir Zelenski disse que a relação com o Brasil não é a que os ucranianos gostariam e lamentou que o presidente não tenha sido convidado para o G-20

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Foto do author Jéssica Petrovna

A Ucrânia pediu ao Brasil que apoie os esforços para condenar a Rússia e restaurar a paz. O apelo partiu de Andri Iermak, chefe do gabinete de Volodmir Zelenski em conversa com repórteres brasileiros sobre a iniciativa que busca resgatar crianças ucranianas deportadas à força pelos russos durante a guerra, que está prestes a completar três anos.

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Iermak destacou que o Brasil pode ser uma voz importante em conversas com a Rússia, mas precisa reconhecer claramente quem é o agressor se quiser atuar pelo fim da guerra. E lamentou que Zelenski não tenha sido convidado para a Cúpula do G-20, no Rio, vista pelo ucraniano como uma oportunidade perdida de discutir os planos para a paz.

“Acho que foi um erro. Nós gostaríamos de dizer aos líderes do G-20 que a temos um plano porque nós somos a vítima, mas respeitamos todos aqueles que tem respeito pela independência, a soberania e a integridade territorial da Ucrânia”, disse.

Ele sinalizou que a Ucrânia tem interesse em dialogar, citando nominalmente os presidentes Lula, do Brasil, Xi Jinping, da China, e Cyril Ramaphosa, da África do Sul, — que tem melhor interlocução com Vladimir Putin —, mas desde que todos tenham como base os mesmos princípios. “O interesse em garantir a ordem internacional é de todos. Ninguém quer viver no mundo do caos”.

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Andriy Yermak, chefe do gabinete de Volodmir Zelenski, pediu ao Brasil que apoie esforços para garantir a paz. Foto: Presidência da Ucrânia

Embora tenha sinalizado a disposição em ouvir o que os líderes de outros países tem a dizer, ele ressaltou que a proposta de paz apresentada por Brasil e China não atende às necessidades da Ucrânia. E questionou: “Como é possível realizar um plano sem o país que é vítima da agressão?”.

Andri Iermak ressaltou que ninguém tem mais interesse na paz do que os próprios ucranianos, mas o tipo de paz importa. Na visão de Kiev, um cessar-fogo, como proposto por Brasil e China, não resolve o problema. Serviria apenas para a Rússia preparar novos ataques e tomar de vez o território que ocupa ― quase 20% da Ucrânia.

A guerra não terminará apenas com uma paz superficial, que não será aceita pelo povo que sofreu.

Andri Iermak, chefe do gabinete do governo da Ucrânia

Lula tentou se apresentar como mediador para o conflito, mas causou desconfiança na Ucrânia por declarações consideradas pró-Rússia. Ele disse que “quando um não quer, dois não brigam”, equiparando a responsabilidade do país invadido ao país invasor, e sugeriu que os Estados Unidos estariam prolongando a guerra com fornecimento de armas para defesa dos ucranianos.

Alvo de críticas, Lula foi deixando o assunto de lado. Mais recentemente, contudo, disse que uma consulta popular sobre o território ocupado poderia acabar com o conflito. “Por que em vez de guerra não fazem um referendo para saber com quem o povo quer ficar?”, questionou em entrevista às vésperas do G-20. “Seria muito mais simples, muito mais democrático e muito mais justo. Vamos deixar o povo decidir”.

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O que o presidente não disse é que a Rússia realizou referendos para anexar quatro regiões ucranianas ― Donetsk e Luhansk, Kherson e Zaporizhzia ― ainda no primeiro ano de guerra. E que as votações são consideradas ilegais pela Constituição da Ucrânia e pelo direito internacional.

Soldados ucranianos em Donetsk, região ocupada pela Rússia.  Foto: Oleg Petrasiuk/Associated Press

‘Relação com Brasil não é a que gostaríamos’

Bombardeado por questões sobre a relação entre os países, o chefe de gabinete ucraniano, disse que a aproximação depende da vontade dos dois lados. Andri Iermak lembrou que Lula não foi à Ucrânia, embora tenha sido convidado, nem chamou Zelenski para vir ao Brasil.

“Da nossa parte, estamos demonstrando nossa vontade, e esperamos que, em algum momento, essa relação se torne aquilo que desejamos. Hoje temos o que temos. Infelizmente, não é a relação que gostaríamos de ter”, reconheceu.

Ao ser perguntado sobre ações concretas que o Brasil poderia adotar, ele sugeriu que o País poderia aderir à iniciativa que busca levar as crianças ucranianas deportadas à força para Rússia de volta para casa. O programa Bring Kids Back afirma ter resgatado pouco mais de mil crianças entre as quase 20 mil que foram levadas do seu país durante a guerra.

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“As crianças são ensinadas a temer serem ucranianas e perdem o acesso à sua cultura e língua. Isso não é apenas um crime de guerra, é uma tentativa calculada de apagar uma identidade nacional”, denunciou.

“O que o Brasil pode fazer? Atuar na mediação com os russos e unir-se à coalizão internacional para o resgate das crianças ucranianas. A voz do Brasil é importante para lidar com Rússia”, sugeriu Iermak, acrescentado que o País tem uma oportunidade de mostrar a sua liderança na resolução de crises humanitárias globais.

Apesar das cobranças, ele reafirmou o respeito da Ucrânia pelo Brasil, lembrando que o País é uma das maiores democracias do mundo e pode ser um importante aliado na restauração da ordem global, abalada pelos regimes autoritários de Rússia , Irã e Coreia do Norte, os agentes do caos.

Confiança nos Estados Unidos

Iermak foi ainda mais cauteloso ao falar dos Estados Unidos e do presidente eleito Donald Trump. “Tenho plena certeza de que o presidente Trump poderá desempenhar um papel de liderança neste processo”, disse. “Ele sempre foi firme em tornar a América forte, e isso é muito importante para nós, porque os EUA foram, durante todo esse tempo, o líder da coalizão de apoio à Ucrânia”.

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Crítico dos gastos com a guerra e com o financiamento da Otan, o republicano disse que acabaria com a guerra em um dia, sinalizando que os ucranianos poderiam ser forçados a negociar com os russos, mesmo estando em condições desfavoráveis. Isso seria um revés na política de apoio inabalável de Joe Biden, um dos principais aliados da Ucrânia. Com o democrata, os EUA mandaram cerca de US$ 90 bilhões em recursos para Kiev e prometeram outros US$ 31 bilhões prometidos, segundo monitoramento do Kiel Institute for the World Economy, think tank com sede na Alemanha.

Esse apoio ficou mais difícil no último ano, bloqueado repetidas vezes no Congresso pelo Partido Republicano, que terá o comando da Casa Branca, além da maioria da Câmara e do Senado a partir da próxima segunda-feira. Apesar da reviravolta na política americana, o chefe do gabinete ucraniano se mostrou confiante.

“Antes de tudo, acredito no que ouvi pessoalmente”, disse mencionando os encontros que Trump teve com Zelenski em Nova York, antes da votação nos EUA, e em Paris, depois de eleito. “O presidente Trump entende absolutamente quem é o agressor, quem é Putin. Entende que a paz é importante e que essa paz deve ser justa. Vai ser preciso conversar, é claro. Estamos esperando o dia 20 de janeiro”.

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