BRASÍLIA - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu mais um sinal nesta quarta-feira, dia 14, de que o Brasil pode aderir ao megaprojeto de infraestrutura da China Belt and Road Iniciative (Inicitativa Cinturão e Rota, em português), conhecido popularmente como a nova Rota da Seda. A iniciativa sofre crescente objeção de parceiros ocidentais do Brasil, como Estados Unidos e União Europeia.
“Os chineses querem discutir conosco a Rota da Seda. Nós vamos discutir a Rota da Seda”, disse Lula. “Nós não vamos fechar os olhos, não. Nós vamos dizer: O que é que tem para nós? O que eu tenho com isso? O que eu ganho? Porque essa é a discussão.”
O petista discursou na sede da Confederação Nacional da Indústria (CNI) ao lado do presidente da entidade, Ricardo Alban, que endossou imediatamente a posição de Lula. O evento foi organizado pela revista Carta Capital.
“Não pense que quando falo da China quero brigar com os EUA, pelo contrário. Quero os Estados Unidos do nosso lado tanto quanto quero a China. Eu quero saber onde é que nós entramos, qual o lugar eu vou entrar, com quem eu vou dançar? O Brasil só será respeitado se tiver projeto”, afirmou o presidente.
Alinhamento a Pequim
É a terceira vez, nos últimos três meses, que Lula sinaliza abertura à adesão do Brasil, um objetivo perseguido há 11 anos pela China. O projeto foi lançado em 2013, pelo presidente Xi Jinping.
Os contratos de projetos ligados à nova Rota da Seda somaram US$ 2 trilhões. Ao todo, 147 países ingressaram em projetos ou manifestaram interesse de participar da iniciativa chinesa.
Em reação, a Europa também lançou seu projeto de parceria internacional, a Global Gateway. Washington passou a acusar as obras chinesas de serem pouco benéficas e criarem uma “armadilha da dívida”, o que é contestado por Pequim.
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O assunto será o ponto central da visita de Estado que Xi Jinping fará ao Brasil, em novembro. Ele será recebido em Brasília com honras e cerimônia ampla, depois de participar nos dias 18 e 19 da Cúpula do G-20, no Rio. Antes, os dois presidentes se encontrarão em Lima, capital do Peru, durante a semana de líderes da APEC, o fórum de cooperação econômica Ásia-Pacífico.
Segundo Lula, a reunião bilateral em Brasília vai celebrar as relações e discutir a parceria de longo prazo. “Queremos ser uma economia mais forte do que jamais fomos e precisamos procurar parceiros”, afirmou o presidente.
Lula afirmou em junho que deseja construir com o líder chinês “uma parceria estratégica de muitos anos”. Em julho, admitiu que seu governo preparava uma proposta de adesão à nova Rota da Seda, a fim de verificar nas negociações com que vantagens o País receberia como contrapartida dos chineses.
Os detalhes da viagem de Xi Jinping estão sendo preparados entre as chancelarias brasileira e chinesa. Há uma extensa pauta e interesses dos dois lados, que vão além do agronegócio e passam por itens de Defesa, aviação e exploração espacial, além de investimentos em energia e indústria automobilística.
A nova declaração de Lula ocorre na véspera do início de celebrações oficiais dos 50 anos de relações diplomáticas entre Brasil e China, estabelecidas em 15 de agosto de 1974. Os países estabeleceram, em 2012, uma “parceria estratégica global”.
Novo PAC
Durante visita a Brasília em janeiro, o ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, propôs ao governo Lula que alinhasse a nova Rota da Seda a seus objetivos de reindustralização e de fomento das obras públicas, o Novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Ele também falou na confiança política criada entre os dois lados e na sinergia entre as diplomacias.
O Palácio do Planalto tenta atrair empresas da China para as obras do Novo PAC, por meio de concessões, parcerias público-privadas (PPPs), fornecimento de materiais e equipamentos ou na composição de capital para tomar parte em leilões. O ministro da Casa Civil, Rui Costa, usou a crescente presença chinesa no setor de energia para provocar espanhóis a por mais recursos no País: “A China pisa no calcanhar de vocês”.
Em junho, o vice-presidente Geraldo Alckmin foi a Pequim manter reuniões políticas, acompanhado de empresários. Também ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Alckmin representa o Brasil na Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (COSBAN), criada em 2004 sob o incentivo de Lula.
Na ocasião, o vice-presidente negou que pretendesse concluir a adesão brasileira à nova Rota da Seda, o que havia sido anunciado nas redes sociais pelo líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE). Segundo Alckmin, o projeto continuaria em discussão entre os países.
Expectativa frustrada na visita de Lula
A adesão brasileira foi discutida no ano passado, em abril, quando Lula fez uma visita de Estado à China, até agora a mais ampla de suas viagens internacionais neste terceiro mandato.
Na ocasião, porém, o acordo para ingresso do País não foi selado, assim como ficaram pendentes entendimentos, por exemplo, para concretizar a venda de aviões da Embraer - expectativas frustradas de lado a lado. Mas o tema sempre permanece em voga, pautado pelos chineses.
A declaração conjunta dos governos, após a visita de Lula, dizia: “Brasil e China manifestaram interesse em examinar sinergias entre as políticas de desenvolvimento e os programas de investimento do Brasil, inclusive nos esforços da integração sul-americana, e as políticas de desenvolvimento e as iniciativas internacionais da China, inclusive a “Iniciativa do Cinturão e da Rota”.
Divergências no governo brasileiro
A entrada formal do Brasil no projeto chinês divide alas do governo. Mesmo na diplomacia, há visões em choque. Uma ala mais ligada ao Palácio do Planalto entende que participar do projeto seria positivo para o Brasil, que poderia receber ainda mais dividendos das facilidades oferecidas por Pequim - sobretudo os financiamentos de obras por bancos chineses.
Diplomatas na Secretaria de Estado, no entanto, ponderam que o País já se beneficia de investimentos chineses em projetos negociados isoladamente, tendo com Pequim uma relação privilegiada e crescente, em paralelo à parceria de comércio que reflete uma complementariedade econômica. Por isso, não dependeria do ingresso na Belt and Road.
No ano passado, integrantes do governo deram declarações conflitantes. Questionado sobre a possível adesão, o embaixador Eduardo Saboia, secretário de Ásia e Pacífico do Itamaraty, indicou desinteresse do Brasil em aderir à iniciativa chinesa. Segundo o embaixador, o ingresso “não agregaria valor” naquele momento.
Em outra direção, o ex-chanceler Celso Amorim, assessor especial de Lula, afirmou que “não via razão” para o Brasil deixar de ingressar, nem “dano político” com americanos.
Os resultados práticos a favor do Brasil e as consequências na relação com Washington, na avaliação de diplomatas especializados em China, são incertos. Para um ex-embaixador brasileiro em Pequim, trata-se de um “gesto político” a favor da China.
Como pano de fundo, há temor de que este gesto amplie o alinhamento ao eixo de contestação ao Ocidente, liderado pela China com apoio da Rússia e países rivais dos Estados Unidos.
Esse mesmo diplomata, especialista em economia, afirma que a adesão seria apenas uma “vantagem retórica” para o Brasil e que o País de fato não necessita entrar no projeto para desenvolver a relação com a China. Para ele, além de não ser “fundamental” para o empresariado brasileiro, o lado chinês é quem mais insiste no ingresso brasileiro, e certamente haverá reação norte-americana.
Casa Civil assume protagonismo
A ala política do Planalto segue dizendo que restam apenas resistências da burocracia. O assunto passou a ser coordenado pelo ministro Rui Costa, titular da Casa Civil.
Ele assumiu protagonismo nas negociações e vai coordenar os anúncios a serem feitos durante a visita de Xi Jinping. Costa começou a discutir a ampliação da cooperação durante encontro na segunda-feira, dia 12, com o embaixador da China no Brasil, Zhu Qingqiao.
Segundo o governo, será criado até a próxima semana um grupo de trabalho para discutir os projetos, envolvendo a Casa Civil, o Ministério das Relações Exteriores, a Embaixada da China, além de outras pastas, como a Fazenda. Entre as prioridades do governo brasileiro estão parcerias em inteligência artificial, infraestrutura e transição energética.
Um estudo do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC), lançado um ano atrás, analisou a efetivação dos investimentos chineses no País entre 2007 e 2022. Segundo a pesquisa, as empresas chinesas anunciaram 310 projetos no Brasil, com potencial de investimentos estimado em US$ 120 bilhões. Os aportes confirmados chegaram a 235 projetos, um estoque de investimentos efetivos de US$ 71,6 bilhões.
Desde 2009, a China é o principal parceiro comercial do Brasil, exportando commodities e importando produtos industrializados. No ano passado, o comércio bilateral alcançou o recorde de US$ 158 bilhões, tendo o Brasil superávit de US$ 51 bilhões, segundo o Itamaraty.
Nova Guerra Fria
Potências ocidentais veem na nova Rota da Seda um projeto com dimensão e interesses geopolíticos ocultos. Estados Unidos e União Europeia se organizam na contestação a Pequim, seja com recursos ou diplomacia.
Em fevereiro, o secretário de Estado dos Estados Unidos, Antony Blinken, prometeu no Rio por em marcha uma coalizão para canalizar investimentos em infraestrutura nas Américas, que não gere dívidas nos países e respeite o direito de trabalhadores.
“Estamos agindo de uma forma que não sobrecarrega os países com dívidas”, disse o americano. A declaração é uma crítica velada a Pequim, a quem os americanos acusam de criar “armadilhas de dívida” com financiamentos de obras gigantescas de infraestrutura, que depois os países não conseguem pagar, além de fustigar os padrões de direitos trabalhistas em empresas chinesas.
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