A rodada de negociações entre a Rússia e a Ucrânia na Turquia nesta terça-feira, 29, parece finalmente ter alcançado um avanço em direção a um possível acordo de paz. As duas delegações discutiram o cessar-fogo e garantias de segurança internacional para a Ucrânia, que se colocou à disposição para adotar a neutralidade em alianças militares. Após a reunião, a Rússia afirmou que vai reduzir a atividade militar em Kiev e em Chernihiv e que pode acelerar um encontro entre os presidentes Vladimir Putin e Volodmir Zelenski.
Segundo Mikhailo Podoliak, auxiliar do presidente Volodmir Zelenski, a chave para a negociação é o acordo sobre garantias de segurança internacional para a Ucrânia. “Somente com este acordo podemos acabar com a guerra como a Ucrânia precisa”, disse Podoliak no Twitter.
Esse acordo está vinculado ao status de neutralidade que a Ucrânia está disposta a adotar, continuou Podoliak - o que significa que o país não se juntaria a alianças militares ou hospedaria bases militares. Zelenski já havia informado nesta segunda-feira, 28, que a Ucrânia avaliava ‘a fundo’ adotar esse status. Entretanto, o posicionamento da Ucrânia deve passar por um referendo antes para consultar a população, disse o negociador.
As propostas também incluem um período de negociações bilaterais durante 15 anos sobre a anexação da Crimeia e poderiam entrar em vigor apenas no caso de um cessar-fogo completo. Foi a primeira vez desde o início da guerra que a Ucrânia aceitou negociar sobre o território. Já Donbas, território no leste da Ucrânia que a Rússia não reconhece como parte da Ucrânia, pode ser discutida posteriormente entre Zelenski e Putin, disse Podoliak.
O porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, havia afirmado que as negociações continuariam nesta quarta-feira, 30, com “grandes consequências”, mas não deu detalhes sobre a forma de qualquer possível acordo. No entanto, posteriormente o chanceler da Turquia, Mevlut Covusoglu, afirmou que o encontro foi encerrado nesta terça.
Após o encontro, o chefe da delegação russa, Vladimir Medinski, disse que a Rússia está preparada para acelerar uma possível reunião entre os presidentes Vladimir Putin e Volodmir Zelenski, assim que um esboço do acordo de paz entre os dois países estiver pronto. “Após as discussões significativas de hoje [terça-feira], decidimos e propusemos uma solução na qual é possível a reunião dos chefes de Estado simultaneamente, com a assinatura do tratado por parte dos ministros das Relações Exteriores”, disse Medinski.
“Com a condição de que se trabalhe rapidamente no acordo e se encontre o compromisso necessário, a possibilidade de chegar à paz estará muito mais perto”, acrescentou.
Pouco depois do final da reunião, o vice-ministro da Defesa da Rússia afirmou que o país deve reduzir a atividade militar em duas áreas: próximo a Kiev e na cidade de Chernihiv, no norte. “À medida que as negociações sobre um acordo de neutralidade e o status não nuclear da Ucrânia entram em uma dimensão prática (...), foi decidido, para aumentar a confiança, a redução radical da atividade militar em Kiev e Chernihiv”, declarou o vice-ministro da Defesa russo, Alexandre Fomine, em Istambul.
Em entrevista à agência de notícias estatal russa Tass, Medinski ressaltou que a redução da atividade militar não corresponde a uma interrupção do conflito. “Este não é um cessar-fogo, mas esta é a nossa aspiração, gradualmente alcançar uma desescalada do conflito, pelo menos nestas frentes”, declarou.
O anúncio da redução militar no norte da Ucrânia acontece no momento em que as forças ucranianas começam a contra-atacar as tropas russas que estão na região. Em Irpin, subúrbio de Kiev, por exemplo, o prefeito afirmou nesta segunda-feira que a cidade foi “libertada” dos invasores. Os ataques russos continuam em outras regiões, como Mikolaiv, onde ao menos 7 pessoas morreram e 22 ficaram feridas após um bombardeio nesta terça.
Os acenos sobre avanços nas negociações já impactou economicamente. O rublo valorizou mais de 10% em comparação ao dólar nesta terça-feira após a reunião entre Moscou e Kiev. A moeda russa era negociada no fim da tarde a 85,54 unidades por dólar, uma cotação que não registrava desde o dia 25 de fevereiro, um dia após o início da invasão. As ações dos mercados norte-americanos também abriram em alta.
As negociações tentam frear uma guerra que já deixou quase 20 mil mortos e que obrigou 10 milhões de pessoas a abandonar suas casas. “Ter um cessar-fogo e paz o mais rápido possível será benéfico para todos”, disse o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, antes do início das discussões.
As conversações aconteceram no Palácio de Dolmabahçe, em Istambul, a última residência no Bósforo dos sultões e que também foi a última sede administrativa do Império Otomano, que atualmente abriga escritórios da presidência turca. “As partes têm preocupações legítimas, é possível chegar a uma solução que seja aceitável para a comunidade internacional”, afirmou o chefe de Estado turco.
Para Erdogan, depende das duas partes “dar fim a esta tragédia”. O presidente turco também declarou que “a prorrogação do conflito não interessa a ninguém”. “O mundo inteiro espera boas notícias”, afirmou aos negociadores.
Bilionário russo Roman Abramovich participou das negociações
O oligarca russo Roman Abramovich também esteve presente na reunião. Ele é um dos mediadores nas negociações, segundo confirmou o Kremlin. “Abramovich está desempenhando um papel no estabelecimento de contatos entre os lados russo e ucraniano”, disse Dmitri Peskov. “Ele está presente em Istambul”, embora não seja um membro oficial da delegação russa, acrescentou.
Após uma reunião na capital ucraniana em março, o bilionário, que mantém dois iates atracados na costa turca desde a semana passada, mostrou sinais de que poderia ter sido envenenado. Outra foto da agência russa Ria Novosti mostra Abramovich ao lado de Erdogan e do ministro turco das Relações Exteriores.
Peskov negou que Abramovich e negociadores ucranianos tenham sofrido envenenamento e chamou o fato de “parte da guerra de informação contra a Rússia”. “Esta informação não corresponde a realidade”, disse.
Saiba mais sobre quem é Roman Abramovich
O papel da Turquia nas negociações
A Turquia recebeu no dia 10 de março em Antalya, sul do país, a primeira reunião de ministros das Relações Exteriores da Rússia e da Ucrânia desde o início da invasão russa. Mas o encontro não resultou em um cessar-fogo e nenhum avanço significativo foi registrado.
O país, que compartilha a costa do Mar Negro com os dois países em guerra, atua desde o início da crise para manter laços com as duas partes e e se esforça para atuar como mediador do conflito.
Ancara é um aliado tradicional de Kiev e forneceu ao país os drones Bayraktar, que a Ucrânia utiliza no conflito. Ao mesmo tempo, o país também procura manter boas relações com a Rússia, uma vez que depende fortemente das importações de gás e das receitas do turismo.
A Turquia também se envolveu, ao lado de França e Grécia, na negociação de uma retirada humanitária dos milhares de civis bloqueados no porto ucraniano de Mariupol, cercado pelos soldados russos. /AFP, NYT
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