Netanyahu não é confiável e ameaça Israel e os EUA; leia a coluna de Thomas Friedman

Está óbvio para muitos de nós que este governo israelense chegaria a extremos que nenhum outro jamais ousou

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Por Thomas L. Friedman

Graças a Deus, a sociedade israelense conseguiu forçar o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu a pausar, por agora, sua tentativa de impor controle sobre o Judiciário independente de Israel e obter carta-branca para governar como bem entenda. Mas esse episódio expôs uma nova e perturbadora realidade para os Estados Unidos: pela primeira vez, o líder de Israel é um ator irracional, um perigo não apenas para os cidadãos de seu país, mas também para importantes interesses e valores americanos.

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Isso requer uma reavaliação imediata tanto do presidente Joe Biden quanto do lobby judaico pró-Israel nos EUA. Netanyahu, essencialmente, disse a eles todos: “Confiem no processo”, “Israel é uma democracia saudável”; enquanto lhes sussurrava: “Não se preocupem com os religiosos fanáticos e os supremacistas judeus que eu trouxe ao poder para ajudar a bloquear meu julgamento por corrupção. Eu vou manter Israel dentro de sua tradição política e seus limites em política externa. Sou eu, seu velho amigo, Bibi.”

Eles quiseram confiar nele, mas no fim era tudo mentira.

Desde o Dia 1 ficou óbvio para muitos de nós que este governo israelense chegaria a extremos que nenhum outro jamais ousou. Sem nenhum freio verdadeiro, ele levaria os EUA e os judeus da diáspora a cruzar limites que eles jamais imaginaram cruzar, enquanto possivelmente desestabilizaria a Jordânia e os Acordos de Abraão, eliminando a esperança de uma solução de dois Estados e levando Israel, em seu aniversário de 75 anos, à beira da guerra civil.

Manifestantes protestam contra reforma judicial em Israel  Foto: Ronen Zvulun / Reuters

O objetivo número 1

Isso ocorre porque o elemento-chave para a implementação da agenda radical do governo sempre foi, desde o início, assumir o controle da Suprema Corte de Israel — o único freio independente e legítimo para as ambições de Netanyahu e sua coalizão de parceiros extremistas — por meio de um processo disfarçado de “reforma judicial”.

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Com o Judiciário de joelhos, o Estado de Israel seria governado mais à maneira de autocracias eleitas, como Hungria e Turquia, do que como aquele país que mundo conhecia. E Netanyahu e seus parceiros perseguiram esse tipo de controle político sobre os tribunais mais do que qualquer prioridade prometida em campanha, levando o país à iminência da “guerra civil” — conforme admitiu Netanyahu em seu discurso à nação na noite da segunda-feira.

Diante dessa possível guerra civil — depois de um fim de semana inédito de revolta expressa por diversos setores da sociedade civil de Israel, pelas Forças Armadas do país e até por alguns membros do próprio partido do primeiro-ministro — Netanyahu decidiu suspender seus esforços golpistas e estabelecer com a oposição uma negociação de aproximadamente um mês na tentativa de forjar alguma concessão mútua.

Um ator imprevisível

Vamos ver o que acontece. Mas uma coisa já é clara: Netanyahu tornou-se a definição de ator irracional nas relações internacionais — alguém cujo comportamento nós não conseguimos mais prever e cujas palavras o presidente Biden não deveria confiar. Para começar, os EUA precisam garantir que Netanyahu não use armas americanas para se envolver em alguma guerra de escolha contra o Irã ou o Hezbollah sem o endosso pleno e independente do alto comando militar israelense, que se opõe ao seu putsch no Judiciário.

Por que eu insisto que Netanyahu se tornou um ator irracional e um perigo para os nossos interesses e valores? Trata-se de uma pergunta que pode ser respondida com outra pergunta:

Como você descreveria um primeiro-ministro israelense e seu filho que, após 50 anos em que os EUA mandaram bilhões e mais milhões de dólares para Israel em ajuda econômica e militar, têm disseminado a mentira de que o governo americano esteve por trás das massivas manifestações contra o premiê — afirmando ser impossível que os protestos tenham tido origem autêntica, interna e ampla, certamente financiados pelos EUA?

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Yair Netanyahu, o conselheiro político mais próximo de seu pai, postou na semana passada teorias conspiratórias para seus muitos seguidores de direita no Twitter, segundo noticiou o Jerusalem Post, como esta: “O Departamento de Estado americano está por trás dos protestos em Israel, com o objetivo de derrubar Netanyahu, aparentemente para concluir um acordo com os iranianos”.

Imagino de onde isso veio. Bem, duas semanas atrás, o Times of Israel noticiou que, enquanto Netanyahu-sênior estava em visita oficial a Roma, uma “autoridade graduada” em sua comitiva (expressão que todos na Via Láctea sabem que serve como código para o próprio primeiro-ministro) foi citada afirmando (sem nenhum pingo de evidência): “Este protesto é financiado e organizado com milhões de dólares. (…) A organização é de altíssimo nível”. A reportagem seguiu: “Outro membro da comitiva do presidente confirmou que a autoridade graduada se referiu aos EUA”.

Uma retórica similar à do Irã

Trata-se do mesmo pensamento conspiratório que os líderes iranianos têm propagado para desacreditar o legítimo protesto pró-democracia no Irã liderado pelas mulheres iranianas.

É vergonhoso que Netanyahu e seu filho se voltem contra os EUA com o mesmo cinismo patético usado pelo Irã — além da loucura. A presença desses indivíduos nos EUA deve ser proibida até que eles se desculpem.

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Este não é o único sinal da magnitude da irracionalidade à que Netanyahu se entregou. Pergunte a si mesmo: que primeiro-ministro israelense racional arriscaria fraturar suas Forças Armadas — o que essa tentativa de golpe contra o Judiciário já tem gerado — em um momento que o Irã passou a ser capaz de produzir material físsil suficiente para fabricar uma bomba nuclear em menos de duas semana e que tensionaria conquistas diplomáticas com aliados árabes de Israel?

Pouco mais de uma semana atrás, o então ministro da Defesa de Netanyahu, Yoav Gallant, um respeitado comandante militar que iniciou a carreira na Marinha, deu uma escolha ao primeiro-ministro: cessar sua tentativa de golpe contra o Judiciário sem o estabelecimento de um diálogo nacional; ou ir adiante com isso, perder seu ministro da Defesa e ver amplos segmentos do Exército e da Força Aérea se recusarem a aparecer para trabalhar.

Cisão no Exército

Netanyahu fez então o movimento formidável de demitir Gallant. Conforme colocou Amos Harel, setorista de Forças Armadas do Haaretz: “É difícil imaginar alguma autoridade de defesa que não tenha se chocado totalmente com a decisão de Netanyahu. (…) Entre oficiais e ex-oficiais das IDF, a discussão na noite do domingo teve como foco a necessidade de haver ou não uma demissão em massa dos principais generais e generais de brigada para pôr fim à loucura”.

Considere também o seguinte: que ministro israelense racional arriscaria uma das maiores conquistas das diplomacias de EUA e Israel no Oriente Médio, os Acordos de Abraão, para empurrar um golpe no Judiciário que daria liberdade total a judeus supremacistas e religiosos nacionalistas em seu gabinete? Eu estou falando de sujeitos como o ministro das Finanças de Netanyahu, Bezalel Smotrich, que, conforme o site de notícias Axios descreveu na semana passada, “discursou em Paris em um palanque que exibia um mapa que mostrava a Jordânia e a Cisjordânia ocupada como partes de Israel e afirmou que o povo palestino é ‘uma invenção’”.

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Isso arrepiou totalmente EAU e Bahrein, sem mencionar a Jordânia, que é um pilar crucial da estratégia americana no Oriente Médio. Se Netanyahu e cia. desestabilizarem a Jordânia, semearão vento e colherão tempestade.

Manifestante protesta contra Netanyahu em Tel-Aviv  Foto: Oded Balilty/ AP

Desprezo ao Estado de direito

E que primeiro-ministro israelense tentaria aprovar uma lei para que ele possa nomear um sonegador de impostos e golpista financeiro condenado três vezes pela Justiça — o líder do Partido Shas, Aryeh Deri — seu ministro da Saúde e do Interior sob a promessa de torná-lo ministro das Finanças na próxima reformulação de gabinete?

Em 1993, a Suprema Corte ordenou que Deri se demitisse do gabinete em virtude de acusações de corrupção, mas ele continuou líder do Shas até 1999, quando foi sentenciado a 3 anos de prisão por aceitar propinas. Então, em 2021, conforme noticiou o Times of Israel, Deri aceitou um acordo no qual admitiu “um par de violações fiscais em troca de renunciar à Knesset” e pagamento de multa. Em janeiro, a Suprema Corte decidiu que Deri não estava apto para servir no governo.

Caso você não tenha percebido, além de tudo mais que está acontecendo, Netanyahu tem tentado empurrar apressadamente uma legislação que anula a Suprema Corte para que este seu comparsa que defraudou o Tesouro israelense — ao qual contribuintes americanos doaram bilhões em ajuda ao longo do meio século recente — possa, eventualmente, ser nomeado o responsável por esse mesmo Tesouro.

O desprezo que tudo isso demonstra em relação aos contribuintes israelenses, ao estado de direito em Israel, à Suprema Corte do país e aos EUA é apenas mais evidência de um líder que perdeu completamente sua âncora moral.

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Chegou a hora de o governo americano, o Congresso americano e os líderes e lobistas judeus americanos, que com frequência possibilitaram as ações de Netanyahu, deixem inequivocamente claro que estão marchando ao lado desses israelenses — militares, membros da indústria da alta tecnologia, das universidades, das comunidades religiosas tradicionais, médicos, enfermeiros, pilotos da Força Aérea, banqueiros, sindicalistas e até colonos — que tomaram as ruas na semana passada para garantir que o aniversário de 75 anos da democracia israelense não seja seu último. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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