O governo de Israel apresentou nesta quarta-feira, 11, um projeto de reforma para reduzir o poder do Judiciário do país e enfureceu a oposição do país. Se promulgado pelo Parlamento nos próximos meses, o plano diminui a capacidade da Suprema Corte de revogar leis e dá ao governo maior influência sobre quem pode ser juiz.
O líder da oposição, o ex-premiê Yair Lapid, disse temer que o plano do governo possa levar ao colapso da democracia de Israel. Um ex-ministro da Defesa, Benny Gantz, alertou para o risco de uma guerra civil. Um ex-general do exército, Yair Golan, pediu desobediência civil generalizada. Em resposta, uma deputada do governo, Zvika Fogel, pediu que os três fossem presos por “traição”.
Juntas, as propostas indicam a direção política em que o novo governo de Benjamin Netanyahu – uma aliança de políticos judeus ultraconservadores, ativistas colonos e opositores de um Estado palestino – pretende seguir, apenas duas semanas após seu inicio.
O plano de reforma judiciária propõe que uma maioria simples de deputados possa anular praticamente qualquer decisão da Suprema Corte que revogue as leis aprovadas no Parlamento. Atualmente, a Corte pode bloquear leis por motivos constitucionais. No novo projeto, os juízes só poderiam anular as leis se todos os 15 juízes concordassem de forma unânime.
O segundo projeto apresentado pelo ministro da Justiça de Netanyahu, Yariv Levin, estabelece que o governo seja capaz de nomear a maioria dos membros da comissão que seleciona novos juízes, subvertendo o sistema atual, em que o número de indicações do governo é minoria na comissão.
Para o novo governo, os dois projetos são uma maneira legítima de resolver um desequilíbrio histórico de poder de um judiciário hiperativo e não eleito que seleciona seus próprios juízes e que detém poder de veto sobre representantes democraticamente escolhidos. Levin classificou as mudanças como “essenciais para a existência da democracia e para restaurar a fé do público”.
Mais sobre Israel
A base do governo compara o efeito das mudanças para o Parlamento israelense com o sistema político de outros países para justificar a aprovação. Segundo eles, os projetos não tornariam o Parlamento mais poderoso do que a Câmara dos Comuns no Reino Unido e nem o processo de nomeação judicial mais politizado do que nos Estados Unidos.
Entretanto, a oposição do país vê os planos do governo como uma perigosa tentativa de enfraquecer o principal contrapeso de Israel sobre os excessos do governo, a Suprema Corte. O tribunal contestou a legislação cerca de 24 vezes desde que seus poderes foram aumentados na década de 1990, de acordo com especialistas jurídicos.
Os críticos também dizem que as propostas do governo permitirão que os políticos preencham desproporcionalmente as vagas da Suprema Corte com seus próprios aliados, corroendo a independência do Judiciário. Eles também temem que o mecanismo possa, em última análise, ajudar o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, processado por corrupção.
“Esta não é uma reforma judicial, mas uma aquisição política hostil que, se implementada, mudaria a natureza da democracia de Israel”, disse Tzipi Livni, ex-ministra da Justiça que liderou protestos contra as mudanças, em uma mensagem de texto.
Mudanças na postura de Benjamin Netanyahu
O debate em torno da reforma reflete a mudança da sociedade israelense entre as décadas que Benjamin Netanyahu, o premiê mais antigo de Israel, entrou pela primeira vez no Parlamento no final da década de 1980. Em 1992, os próprios membros do partido Likud, de Netanyahu, ajudaram a dar à Suprema Corte maior poder sobre a legislação do país ao votarem a favor de duas leis que estabeleceram direitos básicos.
Segundo o ex-ministro da Justiça e membro do alto escalão do Likud na época, Dan Meridor, o partido não teve dúvidas sobre a importância de um judiciário independente e do cumprimento de suas decisões. “O Likud aprovou e ficou orgulhoso”, declarou.
Na época, a Suprema Corte já tinha seus críticos. Os judeus ultraortodoxos se ressentiam da Corte por intervenções que afetavam o modo de vida conservador. Aliados de colonos desgostavam de como o tribunal ocasionalmente – embora nem sempre – decidia contra a construção ou expansão de assentamentos em partes da Cisjordânia ocupada.
Com o tempo, esses grupos se tornaram maiores e mais influentes, à medida que a sociedade israelense foi em direção à direita. Entretanto, o poder da Suprema Corte permaneceu inalterado, em grande parte porque Netanyahu, embora muitas vezes em coalizão com líderes de colonos e partidos ultraortodoxos no passado, conteve as ambições de alterar o Judiciário.
Agora, no entanto, isso mudou. Para a analista do grupo de pesquisa sediado Century Foundation, Dahlia Scheindlin, o premiê alimentou e promoveu aliados religiosos e de coalizão de direita enquanto estes atacavam o Judiciário em seus discursos, mas passou a agir somente quando percebeu que o sistema atual é um “intruso indesejado” em seus planos.
Isso começou a partir de 2016, quando Netanyahu começou a ser investigado por corrupção, culminando em um julgamento que se estende até hoje. “Certamente, não há dúvida de que há uma mudança em sua posição depois da acusação feita contra ele”, disse o ex-ministro da Justiça Daniel Friedmann.
Friedmann propôs uma reforma no Judiciário quando esteve no governo de Ehud Olmert (2006-2009), mas o plano foi descartado pelo próprio Netanyahu quando este sucedeu a Olmert em 2009. O ex-ministro ainda acredita na necessidade de conter o poder dos juízes, mas diz que as propostas atuais do governo desequilibram o sistema democrático de forma acentuada, dando ao governo muito controle sobre as nomeações judiciais e tornando muito fácil para o Parlamento anular o tribunal. “A questão é até onde as mudanças devem ir, e elas parecem estar indo um pouco longe demais”, disse ele.
O atual ministro da Justiça, Yariv Levin, afirmou que as mudanças propostas devolveriam o poder ao povo israelense, em parte garantindo que o Judiciário refletisse melhor a diversidade da população israelense. Entretanto, pesquisas feitas após as eleições de novembro sugerem que a maioria dos israelenses não apoia as mudanças. Segundo uma pesquisa do Israel Democracy Institute, mais da metade acredita que a Suprema Corte deve continuar capaz de derrubar novas leis, e apenas 16% querem dar aos políticos mais controle sobre quem pode ser indicado ao tribunal.
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