Análise | Netanyahu pode ter que escolher entre a trégua em Gaza e a sobrevivência do seu governo

Premiê israelense enfrenta, de um lado, o crescente isolamento internacional com a sequência da guerra, ao mesmo tempo que lida com a pressão de seus aliados internos para vencer o Hamas

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Por Isabel Kershner (The New York Times)

Durante meses, o primeiro-ministro de Israel Binyamin Netanyahu se recusou a oferecer um cronograma tempo para o fim da guerra contra o grupo terrorista Hamas em Gaza, uma postura que seus críticos enxergam como uma tática política. Mas ele foi colocado em uma situação difícil pelo anúncio do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, que detalhou uma proposta para um cessar-fogo.

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Netanyahu, um conservador, há muito tempo tem feito um malabarismo entre interesses pessoais, políticos e nacionais. Ele agora, parece estar lidando com uma decisão difícil entre a sobrevivência do seu governo agressivo e linha-dura e trazer para casa os reféns detidos em Gaza, ao mesmo tempo que coloca a si mesmo e a Israel em novo rumo, longe do crescente isolamento internacional.

Críticos do primeiro-ministro descreveram-o como um indeciso e disseram que agora há dois Netanyahus. Um, eles dizem, funciona de forma pragmática no pequeno gabinete de guerra que ele formou com alguns rivais centristas, para lhe conferir legitimidade pública. O outro está efetivamente sendo mantido como refém pelos membros da extrema-direita da sua colizão governamental, que se opõem a qualquer concessão ao Hamas e que garantem a sua sobrevivência política.

Na última sexta-feira, 31, Biden delineou termos gerais os quais eles disse que foram apresentados por Israel para mediadores dos EUA, do Catar e do Egito que têm pressionado por um acordo para interromper o conflito e liberar os reféns em Gaza. Autoridades de Israel confirmaram que os termos correspondiam a uma proposta de cessar-fogo que havia sido aprovada pelo gabinete de guerra de Israel, mas que ainda não foi apresentada ao público israelense.

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Agora, dizem analistas, é um momento crucial para “Bibi”, como o primeiro-ministro é popularmente conhecido.

Biden “arrancou Netanyahu do armário da ambiguidade e apresentou ele mesmo a proposta de Netanyahu”, escreveu Ben Caspit, biógrafo e crítico de longa data do primeiro-ministro, no Maariv de domingo, 2, um jornal diário hebraico. “Depois ele fez uma pergunta simples: Bibi apoia a proposta de Netanyahu? Sim ou não. Sem enrolações e conversa fiada”.

Netanyahu tem feito um malabarismo entre interesses pessoais, políticos e nacionais, lidando com a escolha entre a sobrevivência do seu governo e colocar Israel longe do isolamento internacional. Foto: Amir Cohe via AP, Arquivo

Os líderes dos dois partidos de extrema direita na coligação — Bezalel Smotrich, ministro das Finanças de Israel e Itamar Ben-Gvir, ministro de Segurança Nacional de Israel — prometeram derrubar o governo de Netanyahu se o primeiro-ministro concordar com o acordo delineado por Biden antes que o Hamas seja totalmente destruído. Alguns membros da linha dura do partido Likud, de Netanyahu, disseram que se juntarão a eles.

Ao mesmo tempo, Benny Gantz e Gadi Eisenkot, dois ex-chefes militares que se juntaram ao governo de emergência durante a guerra, ameaçaram retirar o apoio ao seu partido centrista Unidade Nacional até 8 de junho se Netanyahu não apresentar um caminho claro a seguir. E os partidos da oposição começaram se organizar para tentar derrubar o governo.

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A proposta de cessar-fogo envolve três fases. Sob o plano, grupos de reféns seriam liberados em troca de centenas de prisioneiros palestinos em celas israelenses, um cessar-fogo temporário iria se transformar em um cessar permanente das hostilidades e seria lançado um esforço com apoio internacional para reconstruir Gaza.

Mais de 100 reféns foram soltos sob um acordo mais limitado em novembro. Estima-se que 125 pessoas ainda estão sob o poder do Hamas e outros grupos armados em Gaza, embora acredita-se que dezenas deles estejam mortos.

Grupo de reféns libertados pelo Hamas chega ao Sheba Medical Center em Tel Aviv, Israel, em 26 de novembro de 2023.  Foto: Amit Elkayam/NYT

Israelenses tiveram que tentar entender dois comunicados seguintes ao discurso de Biden que o gabinete de Netanyahu divulgou — de forma incomum — durante o sábado. Os comunicados não endossaram veementemente a proposta nem negaram que ela tivesse sido apresentada por Israel aos mediadores. Condicionais e abertas à interpretação, elas pareciam ser propositalmente feitas para deixar as opções de Netanyahu em aberto.

O primeiro comunicado disse que Netanyahu tinha autorizado a equipe de negociação de Israel a apresentar uma proposta que iria permitir a libertação dos reféns e também “permitiria a Israel continuar a guerra até que todos os seus objetivos fossem alcançados, incluindo a destruição das capacidades militares e governamentais do Hamas”

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Já a segunda declaração reiterou essas condições para acabar com a guerra e acrescentou: “a ideia de que Israel irá concordar com um cessar-fogo permanente antes dessas condições sejam cumpridas é um fracasso”.

Notavelmente ausente, entretanto, estava o objetivo frequentemente declarado de Netanyahu de “vitória total” sobre o Hamas em Gaza — um slogan que Biden rejeitou na sexta-feira como um objetivo vago que significaria uma guerra indefinida.

Embora alguns dos mais fiéis apoiadores de Netanyahu tenham adotado o uso de bonés de beisebol azuis estampados com o logotipo “Vitória Total”, as declarações do gabinete do primeiro-ministro no fim de semana pareciam calibradas para se alinharem aos objetivos de guerra articulados pelo exército e pela cúpula de defesa de Israel, bem como por Biden.

Encruzilhada dupla

No domingo, 2, o ministro da Defesa de Yoav Gallant reafirmou que “em qualquer processo para colocar fim na guerra, nós não aceitaremos o governo do Hamas”. Ele disse que Israel iria “isolar áreas” em Gaza, liberá-las das operações do Hamas e “introduzir forças que iriam permitir a formação de um governo alternativo”, sem elaborar os detalhes sobre quem poderiam ser essas forças.

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Os opositores de Netanyahu o acusaram de prolongar a guerra para evitar uma eleição e um acerto de contas público pelas falhas políticas e da inteligência israelense que levaram ao devastador ataque do Hamas em 7 de outubro a Israel. O ataque desencadeou a ofensiva militar de Israel em Gaza e a morte e destruição generalizada que se seguiu.

Mas agora há muita coisa em jogo para Netanyahu, que se encontra numa encruzilhada tanto política como estratégica.

Pessoas protestam contra o governo de Netanyahu e pedem a libertação dos reféns detidos na Faixa de Gaza em Tel Aviv, Israel, em 18 de maio de 2024.  Foto: Leo Correa/AP

Desde a formação do seu atual governo — o mais direitista e religiosamente conservador da história de Israel — há 17 meses, Netanyahu tem tido uma relação cada vez mais tensa com Biden. E embora os quatro principais líderes do Congresso americano tenham o convidado formalmente para discursar em uma reunião conjunta na sexta-feira, não marcaram uma data.

A unidade bipartidária mascarou um debate tenso nos bastidores sobre a recepção do primeiro-ministro, dadas as profundas divisões políticas nos Estados Unidos sobre a condução da guerra em Gaza por Israel.

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Biden apresentou o acordo de trégua não apenas como uma forma para parar o derramamento de sangue em Gaza, mas também como um caminho para um grande acordo no Oriente Médio que poderia levar Israel a se tornar mais integrado na região e incluir um “potencial acordo histórico de normalização com a Arábia Saudita”. Israel, disse Biden, “poderia fazer parte de uma rede de segurança regional para combater a ameaça representada pelo Irã”.

Mr. Biden acknowledged that some parts of Mr. Netanyahu’s coalition would not agree with the proposal and would rather keep fighting for years and occupy Gaza. He exhorted Israeli leaders “to stand behind this deal, despite whatever pressure comes.”

Biden reconheceu que algumas partes da coligação de Netanyahu não concordariam com a proposta e prefeririam continuar lutando durante anos e ocupar Gaza. Ele convocou os líderes israelenses “a apoiarem este acordo, apesar de qualquer pressão que possa surgir”.

O presidente de Israel, Isaac Herzog, disse no domingo que daria a Netanyahu e ao governo seu apoio total em um acordo para trazer os reféns de volta para casa. Embora o papel do presidente seja sobretudo cerimonial e ele não tenha poderes executivos que possam ajudar Netanyahu caso o seu governo caia, a sua voz deverá ser unificadora e refletir o consenso nacional.

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‘Sim, mas...’

Depois de o gabinete de Netanyahu ter divulgado as declarações sobre a proposta de trégua, John Kirby, porta-voz do Conselho de Segurança Nacional dos EUA, procurou dissipar qualquer ambiguidade sobre as suas origens. “Esta foi uma proposta israelense”, disse ele à ABC News no domingo. “Temos todas as expectativas de que se o Hamas concordar com a proposta, tal como lhe foi transmitida — uma proposta israelense — então Israel dirá sim.”

Mesmo assim, baseando-se em experiências passadas, alguns analistas israelenses permanecem céticos de que Netanyahu estaria disposto a abandonar seus parceiros de coligação da extrema-direita. Isso, disse Reuven Hazan, professor de ciência política na Universidade Hebraica de Jerusalém, exigiria “um novo Netanyahu”.

“Sempre que ele teve a escolha entre fazer o que é bom para o país ou para seus fanáticos extremistas, ou até mesmo para o seu próprio partido, ele sempre escolheu seus fanáticos extremistas”, disse Hazan. O especialista ainda afirma que Netanyahu também aprendeu a dizer “Sim, mas...” para os americanos, e então “esperar o Hamas dizer ‘Não’ e arrastar isso pelo maior tempo possível.”

Por sua vez, o Hamas disse em um comunicado na sexta-feira que via o discurso de Biden “de forma positiva” e expressou prontidão para lidar “de forma construtiva” com qualquer proposta baseada num cessar-fogo permanente e outros termos que ele delineou.

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Dado o calendário político americano, disse Hazan, Netanyahu só precisa de se envolver em “políticas de sobrevivência” até ao Dia do Trabalho, celebrado na primeira segunda-feira de setembro, após o qual o governo americano estará concentrado nas eleições presidenciais de novembro.

“Netanyahu está pronto para dar uma volta de 180 graus e fazer o que é bom para o país?” Hazan questiona. “Todo mundo está nervoso com isso agora. Não prenda a respiração”, ele advertiu. “Um discurso do presidente Biden não significa que temos um novo Netanyahu.”

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