O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, recebeu alta do hospital nesta segunda-feira, 24, após passou por uma cirurgia para pôr um marca-passo. Ele enfrenta uma crise nacional sem precedentes antes da votação no parlamento sobre uma reforma do judiciário vista como anti-democrática por parte da população.
Ele se submete ao procedimento às vésperas de uma importante votação relacionada à controversa reforma judicial promovida por seu governo —projeto que mergulhou o país do Oriente Médio na mais grave crise doméstica da sua história.
No sábado, 22, o líder de 73 anos foi levado às pressas para o Sheba Medical Center, perto de Tel Aviv, em razão de uma “arritmia temporária” potencialmente fatal, segundo seus médicos. O quadro foi detectado por um monitor cardíaco implantado em Netanyahu há uma semana, após um episódio de desidratação.
“Como podem ver, estou muito bem”, afirmou o premiê, vestindo um blazer, em um vídeo gravado no centro médico após o procedimento. Ele disse ainda que pretende estar presente no Knesset, o Parlamento israelense, nesta segunda-feira, 24, para a terceira e última votação de um dos textos da reforma do Judiciário promovida por sua coalizão. Se aprovado, ele seria o primeiro texto da polêmica reforma judicial a ser transformado em lei.
Durante a madrugada, manifestantes bloquearam uma estrada que leva ao parlamento e a polícia usou canhões de água para impedi-los. A mídia israelense informou que um consórcio de empresas anunciou no domingo que alguns de seus membros não vão abrir em protesto contra os planos do governo, levando grandes redes de shoppings e alguns postos de gasolina a fecharem suas portas.
Netanyahu e seus aliados de extrema-direita, uma coalizão de partidos ultranacionalistas e ultraortodoxos, dizem que as mudanças são necessárias para restringir os poderes de juízes não eleitos. Seus oponentes dizem que o plano destruirá o frágil sistema de freios e contrapesos do país e empurrará Israel para um governo autoritário.
Os legisladores começaram a derradeira rodada de negociações acerca do texto antes de ele virar lei no próprio domingo. O projeto em questão proíbe os tribunais de usar o chamado “padrão de razoabilidade” para invalidar decisões do governo.
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A medida impacta, entre outros, a nomeação de ministros. Em janeiro, por exemplo, a Suprema Corte usou o recurso para determinar o afastamento do então número dois do governo, Aryeh Deri, devido a uma condenação anterior por fraude fiscal —o político confessou o crime no ano passado, como parte de um acordo judicial para escapar da prisão.
A retomada das discussões acerca do projeto de lei nas últimas semanas voltou a convulsionar as ruas do país após um hiato de três meses. No domingo, centenas de manifestantes rezaram em frente ao Muro das Lamentações, em Jerusalém, enquanto outros milhares empunharam bandeiras, vestiram camisetas com a palavra “democracia” estampada e tocaram tambores sob o sol escaldante em outros pontos do país.
“Estamos preocupados, com medo, com raiva. Estão tentando mudar este país, criar um retrocesso democrático”, disse a estudante Tzivia Guggenheim, 24, à agência de notícias Reuters, ao lado de sua barraca. Ela era uma das centenas de manifestantes que acampam em um parque próximo ao Knesset, em Jerusalém —alguns, após marcharem por vários dias a partir de Tel Aviv.
Críticos da reforma afirmam que medidas como tirar do Supremo o poder de vetar leis aprovadas pelo Parlamento ou aumentar a influência do governo sobre a nomeação de juízes removeriam os contrapesos em que um Estado democrático se baseia. Os defensores do projeto afirmam, porém, que a reforma impõe ao Judiciário o limite necessário para restaurar o equilíbrio entre os Três Poderes.
Os protestos atraíram o apoio de seculares e religiosos, ativistas pela paz e militares, além de grupos de direita e de esquerda. Até mesmo os presidentes dos maiores bancos de Israel se juntaram ao coro de críticas na última sexta-feira (21). “Os investidores com os quais conversamos nos últimos meses estão muito preocupados com os últimos acontecimentos”, afirmou o presidente-executivo do banco Leumi, Hanan Friedman.
Neste sábado, cerca de 10 mil reservistas das Forças Armadas —uma das instituições mais centrais da sociedade do país— afirmaram que vão cruzar os braços em protesto contra o avanço da reforma judicial. Eles fundaram há meses o grupo Brothers in Arms para mostrar seu descontentamento com a reforma.
“Tentamos de tudo. É aqui que traçamos a linha. Juramos servir ao reino e não ao rei. Somos determinados, lutadores, amamos este país e não vamos desistir dele”, afirmaram, em conjunto, em uma entrevista publicada pelo jornal local The Times of Israel no sábado.
O anúncio sucede a divulgação, na sexta, de uma carta na qual 1.142 reservistas da Força Aérea de Israel ameaçaram abandonar seus deveres de serviço voluntário por causa das eventuais mudanças no Judiciário.
No país, aqueles que serviram em unidades especiais geralmente continuam cumprindo suas funções quando vão para a reserva. Por isso, o movimento preocupa —cerca de metade das equipes enviadas para missões de combate, por exemplo, é de reservistas que se voluntariam após o serviço militar obrigatório, de acordo com veteranos. /AP e AFP
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