Eleições em Israel: Netanyahu tenta volta ao poder em meio a crise política sem fim

Candidato do Likud chega como favorito nas urnas na 5ª eleição realizada no país em menos de 4 anos, mas precisa superar velhos fantasmas para formar governo

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Foto do author Renato Vasconcelos

SÃO PAULO ― Imerso em uma crise política que dizimou cada formação de governo construída no Knesset desde 2019, Israel realiza nesta terça-feira, 1°, sua quinta eleição nacional em cerca de quatro anos. Com um avanço da extrema direita consolidado nas pesquisas eleitorais e a possibilidade do sumiço de partidos importantes do Congresso, o país continua dividido pela mesma figura dominante da política israelense: o ex-premiê Binyamin Netanyahu.

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A frente do governo por 15 anos, sendo 12 deles em mandatos consecutivos entre 2009 e 2021, Netanyahu conseguiu transformar o debate político eleitoral de Israel em uma discussão sobre ele, abafando as disputas ideológicas entre direita e esquerda, liberais e conservadores e, até certo ponto, entre judeus e árabes, resumindo um diverso espectro político aos blocos anti-Bibi e pró-Bibi.

A estrutura desta polarização está impressa na base do turbilhão político dos últimos anos e ficou à mostra em 2021, quando o ex-premiê foi ejetado do poder por uma coalizão de partidos que pouco (ou nada) tinham em comum, a não ser a aversão a Netanyahu. Partidos ultraortodoxos e árabes concordaram em governar juntos para evitar as pautas do ex-premiê ou seu modo ardiloso de fazer política.

Binyamin Netanyahu discursa durante agenda de campanha no mercado Tikva, em Tel Aviv; ex-premiê tenta retornar ao poder quase um ano depois de ser derrotado. Foto: Gil Cohen-Magen/ AFP

Quando governou pela primeira vez, entre 1996 e 1999, o jovem líder do Likud não chamava a atenção por qualquer comportamento extremado. A guinada populista, dizem especialistas, aconteceu apenas a partir de 2009, quando passou a demonstrar um pragmatismo inabalável e uma habilidade política acima da média para garantir a maioria no Parlamento e se manter sempre no poder, não importando as mudanças no cenário nacional ou internacional. Essa capacidade, a certa altura, rendeu-lhe o apelido de “mago”.

A “mágica”, que frequentemente envolveu viradas de mesa e recuos de acordos previamente estabelecidos, o que criou uma longa lista de inimigos, passivo que agora cobra um preço ao ex-premiê. As últimas pesquisas eleitorais divulgadas antes da votação, na semana passada, indicam que Likud deve ser o partido mais votado na terça, mas analistas apontam que com a margem atual, Bibi pode não conseguir formar um gabinete.

“Enquanto Netanyahu se tornava a única liderança do Likud, minando as figuras de destaque que surgiam internamente, ele também traiu aliados com que fez acordos para chegar ao poder, o que gerou ressentimentos que esvaziaram suas possibilidades de aliança”, explicou a professora Karina Calandrin, doutora em Relações Internacionais e coordenadora do Instituto Brasil-Israel (IBI).

A lista das vítimas de traição de Netanyahu incluem importantes nomes da política nacional, como o atual premiê Yair Lapid, que foi ministro de Bibi entre 2013 e 2014, o ex-general Benny Gantz, que formou governo com o Likud em 2019, e Avigdor Lieberman, ex-ministro da Defesa. Somados, os partidos dos três devem somar 40 cadeiras no Knesset ― mas nenhum deles deve voltar a se aliar com o Likud.

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Com poucas chances de garantir maioria no governo por meio de alianças com partidos de direita e centro-direita, a opção restante foi radicalizar. Durante a campanha, Netanyahu assumiu uma posição polêmica e apoiou abertamente uma parceria com o Partido Religioso Sionista, uma coalizão que ele ajudou a formar, unindo siglas inspiradas pelo movimento Kahanista ― frequentemente apontado como um tipo de neofascismo judaico. A expectativa é que a coalizão chefiada pelo extremista Itamar Ben-Gvir seja a terceira força da eleição.

Desde 2019, Netanyahu ajuda a intermediar alianças entre grupos de extrema direita, incluindo o de Ben-Gvir, que teriam dificuldades para entrar no Parlamento sozinho. A intervenção mais recente, em agosto, garantiu a formação da coalizão, para que pudesse se beneficiar da crescente popularidade do extremista.

Cartazes de Binyamin Netanyahu na cidade de Kiriat Malakhi; por volta ao poder, premiê articulou aliança com extrema direita. Foto: Menahem Kahana/ AFP

“Por causa das ameaças que Netanyahu sente em seu futuro muito imediato e pessoal, ele está disposto a colocar a mão em Ben-Gvir e incluí-lo”, afirmou Tomer Persico, pesquisador do Shalom Hartman Institute, um grupo de pesquisa em Jerusalém, ao The New York Times. “Isso muda todo o mapa político israelense.”

“Netanyahu vai fazer alianças com qualquer um para chegar ao poder. Isso é típico de líderes populistas e, no caso dele, vai ajudá-lo com alguns problemas legais”, disse em entrevista ao Estadão Henri Barkey, professor da Universidade de Lehigh, na Pensilvânia, explicando também como o ambiente radicalizado beneficia o estilo de política do ex-premiê.

“Líderes populistas sempre gravitam em direção à polarização, porque isso os ajuda, os dá uma plataforma para explorar. Veja Bolsonaro e Órban, veja Trump e Erdogan... Polarização é, por definição, parte do que faz um populista”, acrescentou.

Popularidade, polarização e governança

No sistema parlamentarista de Israel, tão importante quanto a capacidade de negociar com os demais partidos para formar maioria ― o que significa conquistar, no mínimo, 61 cadeiras ― é conquistar uma margem de segurança que permita manter o gabinete em caso de turbulência, algo que ninguém conseguiu fazer desde 2019.

Netanyahu é festejado por integrantes do Likud durante leitura do projeto de lei que dissolveu o Parlamento, no ano passado. Foto: Ronen Zvulun/ Reuters

Esse pode ser o principal obstáculo entre Netanyahu e um novo período de liderança. Mesmo tendo enfrentado problemas legais nos últimos anos, incluindo denúncias como fraude, suborno e quebra de confiança enquanto era premiê, ele mantém um índice de popularidade considerável eleitores israelenses. De acordo com as pesquisas, o Likud vai ser o partido mais votado no país outra vez, com pelo menos 31 cadeiras no Parlamento. A última vez que a legenda não terminou uma eleição entre os dois partidos mais votados de Israel foi em 2006, antes da guinada populista de Bibi.

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Não bastasse a preferência nas urnas, as pesquisas apontam que Netanyahu tem uma aceitação consolidada de cerca de 40% da população israelense (o que é mais do que os eleitores de qualquer partido ou coalizão individualmente). O Partido Religioso Sionista, apoiado por Bibi, deve ser o terceiro mais votado, chegando pela segunda vez ao Parlamento, e conquistando pela primeira vez mais de 10 cadeiras.

Porém, a polarização também explica movimentos contrários. As pesquisas eleitorais mostram que o principal rival do Likud nesta eleição, o Yesh Atid (”Há Futuro”, em português) de Yair Lapid deve ser o segundo partido mais votado, com uma média de 25 cadeiras (tendo registrado um pico de 27). A Unidade Nacional, de Benny Gantz e Gideon Saar, outros dois adversários do ex-premiê, devem ser a quarta força eleitoral.

Netanyahu,Gantz e o presidente Reuven Rivlin se cumprimentam durante cerimônia em homenagem ao ex-premiê Shimon Peres, em 2019; ex-aliados viraram rivais. Foto: Ronen Zvulun/ Reuters

Embora com algumas coalizões diferentes e um avanço marcante da extrema direita pró-Bibi, o cenário eleitoral é similar ao em que ele foi derrotado, escreveu a cientista política e especialista em opinião pública Dahlia Scheindlin, em uma análise para o jornal israelense Haaretz.

Segundo Scheindlin, a tendência é que 72 cadeiras fiquem com partidos da centro-direita à direita radical, no entanto, embora isso indique um domínio conservador da agenda política, muitas dessas facções não mantém mais nenhum contato com Netanyahu.

O que essas tendências estão nos dizendo? Bem, quase exatamente o que os resultados das eleições de 2021 nos disseram”, afirmou a pesquisadora./ Com informações de NYT e WPOST

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