A primeira-ministra da Escócia, Nicola Sturgeon, renunciou ao cargo nesta quarta-feira, 15, após oito anos no poder, nos quais também ocupou o posto líder do Partido Nacional Escocês (SNP), principal partido pró-independência do país. O pedido de demissão, que pegou analistas de surpresa, vem após alguns revezes, tanto por não conseguir convocar um novo referendo sobre a separação do Reino Unido, quanto por algumas decisões polêmicas envolvendo questões de gênero nas últimas semanas. Ela permanece no cargo até que um substituto seja escolhido.
“Essa decisão vem de uma avaliação mais profunda e de longo prazo. Sei que pode parecer repentino, mas tenho lutado contra isso, embora com níveis oscilantes de intensidade, há algumas semanas. Essencialmente, tenho tentado responder a duas perguntas. Continuar é certo para mim? E, mais importante, estou fazendo o bem pelo país, pelo meu partido e pela causa da independência a que dediquei a minha vida?”, disse Sturgeon durante uma coletiva de imprensa no Bute House, em Edimburgo.
“Se a única pergunta fosse ‘posso lutar por mais alguns meses?’, então a resposta é sim, claro que posso. Mas se a pergunta for, ‘posso dar a este trabalho tudo o que ele exige e merece por mais um ano, sem falar no restante desta legislatura - dar a ele toda a energia que ele precisa da maneira que me esforcei para fazer cada dia nos últimos oito anos?” – a resposta honestamente é diferente”, completou.
No pronunciamento, a premiê disse ter “o melhor emprego do mundo”, mas justificou a renúncia com a necessidade de renovação na política nacional, inclusive para avançar com pautas que ela mesma apoia, como a independência da Escócia. Sturgeon também disse que a renúncia poderia ser uma oportunidade para despolarizar o debate político no país.
“Se todos os partidos aproveitassem a oportunidade para despolarizar um pouco o debate público, focar mais nas questões do que nas personalidades, e redefinir o tom e o teor do nosso discurso, então esta decisão, certa para mim, e acredito que meu partido e o país, também pode ser bom para a política”, afirmou.
Sturgeon assumiu a liderança do SNP e do governo escocês após a renúncia de seu predecessor e mentor Alex Salmond, em 2014, depois que os escoceses votaram 55% para permanecer no Reino Unido - uma votação realizada antes do Brexit, o que motivou a luta por um novo referendo. Ao apresentar a renúncia, ela defendeu que a independência continue a ser um objetivo, mas que deve ser proposta por um novo líder.
“Para conseguir isso [a independência da Escócia], devemos superar a divisão na política escocesa, e meu julgamento agora é que um novo líder seria mais capaz de fazer isso. Alguém de quem a opinião de quase todo mundo no país ainda não está decidida, para o bem ou para o mal. Alguém que não está sujeito às mesmas opiniões polarizadas, justas ou injustas, como eu agora”, disse Sturgeon.
Com elevadíssimos índices de popularidade pela gestão bem-sucedida da pandemia de covid-19, que contrastava com as políticas caóticas do primeiro-ministro britânico Boris Johnson, Sturgeon acumulou sucessos eleitorais e obteve uma nova maioria pró-independência no Parlamento regional juntamente com ambientalistas em maio de 2021.
Mas foi enfraquecida pela aprovação, em dezembro passado, de uma lei altamente polêmica que facilita a transição de gênero, permitindo-a a partir dos 16 anos e sem a necessidade de diagnóstico médico, o que fez com que o governo do Reino Unido, liderado pelo conservador Rishi Sunak, entrasse em rota de colisão para se opor a medida.
Em meio a polêmica, uma decisão envolvendo uma mulher trans condenada pelo estupro de mulheres antes de sua transição colocou ainda mais holofotes sobre as questões de gênero no país. Inicialmente, a detenta foi enviada a uma prisão feminina, decisão que foi revertida após fortes reações sociais.
Nascida na cidade industrial de Irvine, a sudoeste de Glasgow e filha de pai eletricista e mãe enfermeira, Sturgeon ingressou no SNP aos 16 anos, como vice-coordenadora da juventude.
Peter Murrell, seu marido, é o diretor-geral do partido. O casal, que não tem filhos, se conheceu há mais de 20 anos em um encontro da juventude do SNP, do qual Sturgeon se tornou uma das primeiras representantes no Parlamento Escocês de Autogoverno quando este foi formado em 1999./ AFP e AP
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