Lula diz cobrar transparência na Venezuela por respeito à soberania popular e ouve indireta de Boric

Em visita ao Chile, petista modera tom após dizer que nada de ‘anormal ou grave’ ocorreu em Caracas, enquanto chileno defende ‘esquerda democrática que respeite e faça respeitar os direitos humanos em qualquer lugar’

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Atualização:

BRASÍLIA E SÃO PAULO - O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e o presidente do Chile, Gabriel Boric, discutiram nesta segunda-feira, dia 5, a reação conflitante de seus governos após a eleição presidencial na Venezuela. O assunto virou o “elefante na sala” entre Lula e Boric, durante a visita de Estado do petista a Santiago.

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Em declaração posterior à reunião, Lula afirmou cobrar a divulgação transparente dos resultados eleitorais, antes de anunciar a posição oficial do Brasil, por respeito à “soberania popular” e à “tolerância”. Formalmente, o Palácio do Planalto não reconheceu um vencedor na Venezuela.

“O respeito pela tolerância e o respeito pela soberania popular é o que nos move a defender a transparência dos resultados. O compromisso com a paz é que nos leva a conclamar as partes ao diálogo e promover o entendimento entre governo e oposição”, afirmou Lula, durante pronunciamento no Palácio La Moneda.

Anunciada pelo regime chavista há uma semana, a suposta reeleição do ditador Nicolás Maduro foi denunciada como fraude pela oposição e contestada internacionalmente, inclusive por observadores convidados, como o Centro Carter. Brasil e Chile reagiram de forma dissonante.

Chile's President Gabriel Boric (C) walks next to Brazil's President Luiz Inacio Lula Da Silva on arrival at La Moneda presidential palace in Santiago on August 5, 2024. Lula Da Silva is on official visit to Chile to discuss economic issues and bilateral relations. (Photo by Rodrigo ARANGUA / AFP) Foto: Rodrigo Arangua/RODRIGO ARANGUA

Lula e Boric são de esquerda, mas a crise venezuelana é um dos principais motivos de desacordo entre eles. O petista relatou ter informado ao chileno, durante reunião privada, detalhes da articulação que vem fazendo com os presidentes da Colômbia, Gustavo Petro, e do México, Andrés Manuel López Obrador. A tentativa deles é convencer o regime de Maduro a publicar os comprovantes da votação.

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Petro e López Obrador também são de esquerda e aderiram à aposta brasileira na diplomacia tríplice com Caracas. A ideia do Itamaraty era incluir Boric, mas ele ficou de fora porque o Chile perdeu interlocução com o regime ao contestar a alegação de vitória de Maduro.

Colômbia e México, assim como o Brasil, deixaram de reconhecer a vitória de Maduro, declarada pelo Conselho Nacional Eleitoral, órgão controlado pelo chavismo. Mas não endossaram a oposição. Até agora, os três países pedem e aguardam uma verificação imparcial da votação.

Por outro lado, os Estados Unidos decidiram reconhecer que o candidato opositor Edmundo Gonzálzez saiu vitorioso da disputa, com base em atas de votação reunidas e publicadas pela plataforma opositora na internet. Peru, Argentina, Uruguai, Equador, Costa Rica e Panamá seguiram Washington. A pressão foi reforçada pela União Europeia, que não reconheceu os resultados e cobrou verificação independente.

Maduro diz não aceitar que os opositores tentem “usurpar” a presidência e comparou Edmundo González a Juan Guaidó, que se autoproclamou presidente após eleições contestadas em 2019, sendo reconhecido por Brasil, Estados Unidos e mais 50 países.

Boric também cobra a divulgação de dados, mas não reconheceu González. Porém, foi mais duro com o regime e disse ser “difícil acreditar” na alegada vitória de Maduro. Bastou para que fosse punido. Em retaliação, os chavistas expulsaram diplomatas chilenos de Caracas, a fim de fechar a embaixada, como ocorreu com sete países.

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Indireta

Ao lado de Lula, o chileno preferiu deixar o assunto de lado. Ao menos até que o petista retorne ao Brasil. Ele prometeu que falaria sobre a situação venezuelana na tarde desta terça-feira, dia 6, quando Lula terá embarcado de volta a Brasília.

Boric, no entanto, deixou seu recado. Afirmou, diante do petista, contar com ele para “construir uma esquerda e um progressismo democrático, que, sempre, a todo evento, respeite e faça respeitar os direitos humanos em qualquer lugar”.

Os protestos contra o resultado da eleição na Venezuela deixaram pelo menos 11 mortos, denunciam organizações de direitos humanos. Outras 2 mil pessoas foram presas.

O petista vem sendo cobrado há tempos por Boric por ter defendido Maduro antes, ajudado na reabilitação política internacional do ditador, e por gestos seguidos em favor do regime chavista.

No ano passado, em Brasília, o chileno reagiu em discordância e contestou a declaração de Lula, segundo quem as acusações de autoritarismo contra Maduro eram fruto de “narrativas” de opositores.

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Após ser retaliado por Caracas, o governo Boric acusou o regime chavista de agir como uma ditadura e de atentar novamente contra os direitos humanos e políticos.

‘Não somos iguais’

Em Santiago, o petista moderou o tom e leu um discurso previamente escrito. Assim, evitou repetir o teor de uma declaração simpática ao regime, dada em entrevista na semana passada. Em sua primeira manifestação sobre a eleição venezuelana, Lula disse que não havia nada de “anormal” ou “grave” na disputa eleitoral.

O petista também endossou uma nota do PT, seu partido, que tomou lado e tratou Maduro como presidente reeleito. Lula afirmou ainda que a disputa sobre o resultado deveria ser resolvida com recurso da oposição à Justiça venezuelana, que carece de independência por ser amplamente controlada pelo regime chavista.

Um ponto de divergência remanescente é que Lula e López Obrador sugerem uma verificação dos resultados em formato a ser acordado pelas forças políticas internas na Venezuela, desde que permita escrutínio imparcial. Já Boric e Petro defendem uma checagem por observadores internacionais.

Ciente da indisposição com o Chile sobre o assunto, Lula disse que as “divergências menores” não podem “machucar” a relação e comprometer acordos mais importantes. Ele disse que vai trabalhar para melhorar a relação política e a amizade entre os países.

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Lula recorreu ao exemplo do próprio PT para argumentar com Boric. Afirmou que seu partido enfrenta divergências interna há tempos, por abrigado 19 tendências diferentes, e que por isso aprendeu a lidar com a diversidade e chegar a posições únicas.

“Na política externa é a mesma coisa. Cada país tem sua cultura, seus interesses, suas nuances políticas. A gente não pode querer que todo mundo fale a mesma coisa, que pense a mesma coisa. Nós não somos iguais, nós somos diferentes, e isso é extradorniário porque as diferanças permitem que a gente procure encontrar nossas similaridades, as coisas que nos ajudam”, argumentou Lula.

O petista disse que os ideiais de ambos convergem na “defesa intransigente da democracia” e convidou o chileno a participar de uma reunião de líderes políticos democráticos contra o extremismo, que patrocina ao lado do premiê espanhol, Pedro Sánchez, em Nova York, no mês que vem, por ocasião da Assembleia Geral das Nações Unidas.

Allende e Bolsonaro

Antes da reunião privada e da reunião ampliada com ministros, Boric guiou Lula em visita a uma ala do palácio presidencial que homenageia o ex-presidente Salvador Allende. O espaço abriga uma reconstituição do antigo gabinete de Allende, que se suicidou após ser deposto pelo golpe militar liderado pelo general Augusto Pinochet, em 1973.

Lula disse ter lamentado, enquanto ouvia à gravação de um discurso de Allende, que “o Brasil tenha em sua história a triste mácula de ter apoiado a ditadura chilena”.

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“Sabemos que a arbitrariedade é inimiga do bem estar e que a democracia não se sustenta sem um Estado que garanta direitos. Nos últimos anos, o Brasil experimentou uma versão tacanha de autoritasimo político e neoliberalismo econômico”, afirmou o petista, em referência ao ex-presidente Jair Bolsonaro, admirador de Pinochet, mas sem citá-lo nominalmente.

No primeiro compromisso na capital chilena, uma deposição de flores em homenagem ao general libertador Bernardo O’Higgins, Lula ouviu vaias intensas e depois gritos de apoiadores. O petista almoçou com Boric, ministros e a ex-presidente chilena Michelle Bachelet.

Como alta comissária das Nações Unidas para Direitos Humanos, ela foi criticada por Bolsonaro e por Maduro. A ex-presidente acusou Bolsonaro de atacar o sistema eleitoral e defensores de direitos humanos no Brasil, e Maduro, de reprimir e criminalizar opositores na Venezuela.

Acordos

Lula e Boric permaneceram conversando ao pé do ouvido, ainda durante uma cerimônia de assinatura de 17 acordos entre ministros de Estado. Entre eles, de reconhecimento de carteiras de habilitação para estrangeiros residentes, sobre direitos humanos, intercãmbio entre chancelarias para iniciativas de gênero, promovação do turismo, agricultura e um novo tratado de extradição.

O petista também convidou o chileno para a Cúpula do G-20, em novembro, no Rio. E Boric disse que aceitou convite para retribuir a visita de Estado, em abril de 2025, no Brasil. Ele destacou a presença de cerca de 250 empresários e 14 ministros na delegação brasileira.

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O presidente do Chile voltou a defender a integração regional por meio de projetos concretos, com foco em infraestrutura e no estabelecimento de uma plataforma conjunta de reação a desastres naturais. Ele disse que os presidentes predentem no atual mandato inaugurar o corredor bioceânico de Capricórnio que une o Mato Grosso do Sul a portos do Norte chile, como Iquique e Antofagasta.

“As palavras são levadas pelo vento. É importante sermos capazes de concretizar”, cobrou Boric, que também pediu mais colaboração de inteligência e política entre as estruturas policiais para combate ao crime organizado transnacional, contra tráfico de drogas, armas e pessoas.

“Queremos concretizar a existência de um mecanismo de resposta conjunta para países da América do Sul a emergências que são cada vez mais comuns, que não dependam da boa vontade circunstancial que possa existir entre presidentes, mas que tenhamos um sistema de resposta integrado que nos permita atuar rapidamente e com mais eficácia frente a desastres naturais que temos vivido”, disse o chileno.

Agenda

Os discursos de Lula e Boric em Santiago focaram na relações entre Brasil e Chile e na integração regional, uma das principais bandeiras na política externa petista. “O Brasil saiu do apagão diplomático que se submeteu de 2018 a 2022. O Brasil não tinha relações com ninguém, tratava de ofender aliados e ficou totalmente isolado”, apontou Lula, mais uma vez sem citar nomes, ao defender que os países da América do Sul “não podem ficar de costas um para os outros”.

“Não é possível do lado da América Latina espanhola o Brasil ser o grande inimigo e não é possível do lado do Brasil a América do Sul ser tão insignificante”, continuou o presidente. “Acho que houve um erro histórico”.

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A visita tem o objetivo oficial de ampliar parcerias e estava prevista inicialmente para maio, mas foi adiada pela tragédia das chuvas no Rio Grande do Sul.

O presidente esteve ainda em encontros protocolares com os presidentes da Suprema Corte, Ricardo Blanco Herrera, do Senado, José García Ruminot, e da Câmara, Karol Cariola Oliva.

A agenda prevê ainda reunião com o secretário executivo da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), José Manuel Salazar-Xirinachs, e com Roberto Alvo, CEO da Latam, a maior empresa chilena em operação no Brasil.

O presidente ainda participa, no começo da noite (horário de Brasília) do encerramento do foro empresarial Brasil-Chile. Antes de voltar ao Brasil, a expectativa é que ele se reúna nesta terça-feira com a prefeita de Santiago, Irací Hassler, e com o ex-presidente Ricardo Lagos, além de lançar uma cooperação espacial com Boric.

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