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No Irã, uma presença assombra os dois candidatos no segundo turno: Donald Trump

Nas palavras dos candidatos, a vitória do ex-presidente na disputa deste ano pela Casa Branca é tida como favas contadas

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Por Farnaz Fassihi (The New York Times)

Em todas as partes da campanha eleitoral para a presidência do Irã — debates, comícios e discursos — paira uma presença singular: Donald Trump.

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Nas palavras dos candidatos, a vitória do ex-presidente na disputa deste ano pela Casa Branca é tida como favas contadas. A questão mais urgente diante dos eleitores iranianos a caminho das urnas na eleição desta sexta-feira, afirmam os postulantes, é qual deles conseguirá lidar melhor com Trump.

O presidente Joe Biden quase não é mencionado, e eles nunca falam sobre as muitas pesquisas sugerindo que a eleição americana será extremamente apertada. Em vez disso, o nome de Trump é invocado repetidamente.

Iranianos passam por um outdoor com fotos dos candidatos presidenciais Masoud Pezeshkian (esq.) e Saeed Jalili em uma rua de Teerã em 1º de julho de 2024 Foto: Atta Kenare/AFP

A eleição presidencial do Irã irá para um segundo turno nesta sexta-feira, 5 de julho, com um reformista e um conservador da linha dura se enfrentando para substituir Ebrahim Raisi, que morreu em uma acidente de helicóptero em maio, em meio a uma apatia sem precedentes dos eleitores.

Depois que nenhum dos quatro candidatos obteve mais de 50% dos votos em 28 de junho, o legislador reformista Masoud Pezeshkian e o ex-negociador nuclear ultraconservador Saeed Jalili emergiram como os dois candidatos com mais votos, com Pezeshkian liderando por 3,9 pontos porcentuais.

No entanto, o primeiro turno registrou o menor comparecimento às urnas em uma eleição presidencial desde a criação da República Islâmica em 1979, destacando o descontentamento da população que está perdendo a fé no establishment clerical do país.

Em meio a apatia, no entendo, a presença de Trump é constante. Os iranianos têm bastante motivo para ficar apreensivos em relação a outra presidência de Trump. Foi Trump quen retirou unilateralmente os Estados Unidos do pacto do Irã com as potências mundiais sobre seu programa nuclear, apesar de os inspetores da agência atômica da ONU confirmarem repetidamente que o Irã vinha atendendo a todos os requerimentos. Biden esforçou-se para ressuscitar o pacto desde que assumiu, sem sucesso.

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Trump também impôs duras sanções econômicas sobre os lucros do Irã com petróleo e suas transações bancárias internacionais, que continuaram vigorando sob Biden. Essas medidas, assim como a corrupção e a má gestão econômica dos líderes iranianos, afundaram a economia de seu país, fazendo despencar o valor da moeda e elevando a inflação.

Analistas afirmam que a sombra emanada por Trump demonstra a medida da importância da política externa na eleição, com todos os seis candidatos — cinco conservadores e um reformista — reconhecendo que qualquer esperança de alívio econômico é indissociável das relações de Teerã com o mundo.

“O possível retorno de Trump ao governo virou uma ameaça nos debates presidenciais”, afirmou Vali Nasr, ex-autoridade do governo Obama e professor da Escola de Estudos Internacionais Avançados da Universidade Johns Hopkins, em Washington.

“Os linha-dura argumentam que somente sua dureza é capaz de domar Trump, e candidatos moderados e reformistas acreditam que Trump reagirá aos linha-dura com ainda mais pressão sobre o Irã, sugerindo que estão mais bem posicionados para mudar o tom da conversa com os EUA”, afirmou ele.

Nos círculos políticos do Irã, a preocupação sobre uma volta de Trump antecede a eleição presidencial especial. O Ministério das Relações Exteriores criou um grupo informal de trabalho na primavera (Hemisfério Norte) para começar a se preparar para o retorno de Trump, afirmaram duas autoridades iranianas.

O Irã negociou indiretamente em várias ocasiões neste ano e no ano passado com os EUA por meio de Omã e do Catar, por uma troca de prisioneiros e para dissipar tensões regionais; e participou de negociações indiretas para uma retomada do acordo nuclear com os governos Trump e Biden.

Uma mulher deposita seu voto durante a eleição presidencial em uma seção eleitoral dentro da embaixada iraniana em Bagdá, Iraque, sexta-feira, 28 de junho de 2024 Foto: Hadi Mizban/AP

As autoridades, que pediram para não ser identificadas porque não estão autorizadas para falar publicamente, afirmaram que, se Trump for eleito, a liderança do Irã seguirá com as negociações indiretas e não se encontrará com ele pessoalmente. As fontes afirmaram que discutiram se aguardar para negociar com Trump faria mais sentido do que alcançar um acordo com Biden agora, para algum presidente republicano, Trump ou não, rasgá-lo no futuro.

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O conservador Mohammad Baqer Ghalibaf, presidente do Parlamento iraniano, definiu da seguinte maneira: “Quando enfrentamos um inimigo como Trump, que não se comporta com integridade, nós temos de nos comportar de forma calculista”. Ex-comandante no Exército de Guardiões da Revolução Islâmica, Ghalibaf afirmou que reinstituir o acordo nuclear e aliviar as sanções são suas prioridades. Ele afirmou que, se não tomar decisões oportunas, o próximo presidente iraniano teria “de vender o Irã para Trump ou criar tensões no país”.

Trump afirmou repetidamente durante seu mandato que sua política de pressão máxima sobre o Irã tinha objetivo de obrigar o país a abrir concessões em relação ao seu programa nuclear e que não buscava mudança de regime. Ele defendeu sua política na semana passada, numa entrevista virtual ao podcast All In.

“Eu teria feito um acordo justo com o Irã; ia me entender com o Irã”, afirmou Trump na entrevista. Ele disse que seu maior objetivo era impedir o Irã de obter armas nucleares. “Eu coloquei eles numa posição em que era possível negociar”, acrescentou Trump, em uma afirmação considerada discutível por analistas. “Até uma criança conseguiria ter feito um acordo com eles.”

O ex-presidente dos EUA Donald Trump e o atual, Joe Biden, durante debate presidencial Foto: Gerald Herbert/AP

No sistema teocrático do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, líder-supremo do país, tem a palavra final sobre todas as questões de Estado mais importantes, incluindo negociações com os EUA e política nuclear. Mas o presidente iraniano determina a agenda doméstica e tem alguma influência sobre política externa.

Os eleitores iranianos também se preocupam a respeito de Trump, afirmou um membro da campanha do candidato reformista, Masoud Pezeshkian, que pediu para não ser identificado porque não está autorizado a falar publicamente. A fonte disse pelo telefone, de Teerã, que eleitores entraram em contato com a campanha de Pezeshkian por meio de redes sociais perguntando quais eram os planos do candidato para enfrentar Trump.

Pezeshkian fez do ex-ministro de Relações Exteriores Mohammad Javad Zarif, principal negociador iraniano do acordo de 2015, a face de sua política externa. Mas os conselheiros de Pezeshkian afirmaram que sua escolha de chanceler seria Abbas Araghchi, que foi vice de Zarif e integrou a equipe que negociou o pacto em 2015.

Durante um debate televisionado, Zarif disse a um dos rivais conservadores de Pezeshkian que o Irã conseguiu elevar suas vendas de petróleo para os níveis anteriores aos das sanções, de até 2 milhões de barris ao dia, porque Biden “afrouxou as cordas”, acrescentando: “Quando Trump voltar vocês vão ver o que ele vai fazer”.

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Num comício em Teerã, na segunda-feira, o candidato ultraconservador Saeed Jalili, que também participou das negociações nucleares, referiu-se a Trump com uma citação bem conhecida de Qassim Suleimani, o general iraniano cujo assassinato, em 2020, foi ordenado por Trump. “Trump, seu jogador, nós somos indivíduos capazes de lidar com você”, afirmou Jalili, arrancando aclamações vibrantes e aplausos da multidão. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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