No Vietnã, um novo encontro de Trump e Kim

Ditador norte-coreano conseguiu mudar o foco de detalhes nucleares para vagas esperanças de paz

PUBLICIDADE

Por The Economist
Atualização:

Após a espetacular apresentação feita para as TVs, em junho do ano passado, em Cingapura, Donald Trump e Kim Jong-un precisavam de outro show. Uma segunda cúpula entre o presidente americano e o ditador da Coreia do Norte começa hoje em Hanói, no Vietnã

As negociações entre Washington e Pyongyang estagnaram em junho, após o encontro entre Donald Trump e Kim Jong-un Foto: Ahn Young-joon / AP

PUBLICIDADE

A escolha do local é intrigante. Para os EUA, o Partido Comunista do Vietnã é um inimigo transformado em companheiro e abriu um rastro de reformas de mercado no país. Aparentemente, espera-se que Kim olhe e aprenda. No entanto, até agora, ele tem se recusado a copiar a transformação econômica do Vietnã. E, embora Trump tenha confessado ter se apaixonado pelo jovem déspota, Coreia do Norte e EUA apenas começaram a namorar. 

Para Kim, o Vietnã pode ser apenas um país que derrotou os EUA. Hanói, claro, é só o cenário. Em Cingapura, os moradores receberam avisos oficiais para manter as luzes acesas durante a noite para maximizar o deslumbramento da silhueta da cidade. Em Hanói, os habitantes locais têm um limite um pouco mais subversivo. Um barbeiro está oferecendo aos clientes o look Trump ou Kim, de graça. Ambos são sensíveis quanto às piadas feitas sobre seus cabelos, embora apenas um deles possa mandar os gozadores para o gulag (destino de alguns críticos da política externa de Kim, que foram expurgados em uma ação “anticorrupção”).

To Gia Huy, de 9 anos, e Le Phuc Hai, de 66 anos, se cumprimentam depois de mudarem os cortes de cabelo para o estilo de Kim e Trump, respectivamente Foto: AP Photo/Hau Dinh

Os penteados podem ser bem definidos, mas os contornos de qualquer acordo de cúpula continuam imprecisos. Em Cingapura, os dois lados concordaram em construir “um estável e duradouro regime de paz”. Trump disse que daria à Coreia do Norte as “garantias de segurança” e Kim se comprometeu com a “desnuclearização completa” da Península Coreana

Publicidade

Muita coisa continuou vaga: cronogramas, verificação e o que de fato significa desnuclearização. A Coreia do Norte adotou o termo para incluir o afastamento do compromisso de segurança dos EUA com a Coreia do Sul. No entanto, a equipe de Trump foi inflexível: isso tudo se referia ao “completo e verificável” desmantelamento das armas nucleares da Coreia do Norte.

Que diferença alguns meses fazem. Esta semana, Trump colocou um limite mais distante no prazo para a desnuclearização da Coreia do Norte. “Eu não estou com pressa”, disse. “Desde que não haja testes.” Os testes se referem a lançamentos de mísseis norte-coreanos e seis detonações nucleares que, no fim de 2017, haviam se transformado em um perigoso jogo de provocação. 

A decisão de Trump de sentar-se com Kim merece algum crédito (embora dificilmente seja digno de Nobel da Paz, sugerido pelo primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe). A região certamente se sente menos tensa em razão da turbulenta diplomacia, que envolve também a Coreia do Sul, desde o início do ano passado. Mas a afirmação de Trump de que a Coreia do Norte não é mais uma ameaça nuclear é rejeitada por seus próprios chefes de inteligência. Isto pode até causar preocupação em Kim, que quase certamente está expandindo seu arsenal.

Trump estabeleceu um nível pouco exigente para o sucesso em Hanói, mas Kim terá de oferecer algo. Choi Kang, do Asan Institute, centro de estudos de Seul, prevê um “negócio ruim e limitado”. Isso pode incluir a destruição dos reatores nucleares em Yongbyon e permitir que os inspetores confirmem que o local de Punggye-ri, onde os dispositivos nucleares foram detonados no subsolo, está realmente fechado. 

Publicidade

Os especialistas, porém, acreditam que o quinto e o sexto testes nucleares foram programados para ensinar aos norte-coreanos tudo o que eles precisam saber a respeito da detonação. Yongbyon, que foi desativado antes, estava mesmo decrépito. Thae Yong-ho, o mais graduado diplomata norte-coreano que desertou, diz que tais medidas são a mesma coisa que pintar um carro antigo para revenda. 

Enquanto isso, deve-se esperar pouco em Hanói sobre a inspeção do programa nuclear, menos ainda sobre a declaração de toda a sua extensão. Thae argumenta que Kim, inteligentemente, mudou a ênfase do desarmamento nuclear para a “paz”. Ambos os lados podem concordar em estabelecer escritórios de ligação nas capitais, um primeiro passo para normalizar as relações diplomáticas, e uma eventual “declaração de paz” – uma afirmação vaga e não vinculante de que nenhum dos lados ameaçará o outro.

O que Kim deseja, acima de tudo, é um alívio das sanções. Trump pode calcular que garantir a concessão não custaria muito aos EUA. O presidente da Coreia do Sul, Moon Jae-in, está se oferecendo para investir nas ferrovias da Coreia do Norte e promover a cooperação econômica. Se fossem permitidas maiores remessas de petróleo, a China pagaria todos os custos. Trump ficaria satisfeito com esse resultado, mesmo que não desmantele as armas nucleares norte-coreanas. Em Cingapura, Trump foi manipulado sem saber. Em Hanói, pode ser que ele nem se importe. / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO

© 2018 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.