Norte-coreanos fogem em busca de liberdade na China, mas enfrentam mais perigos do que nunca

Número de desertores do regime de Kim Jong-un que chegaram à Coreia do Sul caiu de 1.047 em 2019 para 63 no ano passado

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Por Choe Sang-Hun

THE NEW YORK TIMES — O engenheiro de software norte-coreano estava desesperado. Ele tinha sido enviado ao nordeste da China em 2019 para ganhar dinheiro para o regime norte-coreano. Depois de trabalhar durante longos períodos sob vigilância constante, em 2021 ele encontrou um endereço de email em um site e enviou uma mensagem angustiada: “Estou escrevendo sob o risco de perder minha vida”, afirmou.

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No início deste ano, uma jovem contrabandeada para a China por traficantes de pessoas da Coreia do Norte em 2018 entrou em contato com o proprietário do mesmo site. Ela tinha planos de desertar para a Coreia do Sul, mas, em vez disso, estava sendo mantida em cativeiro numa cidade fronteiriça chinesa e forçada a ganhar dinheiro com sexo virtual. “Por favor, ajude-nos a escapar”, escreveu ela.

O site pertencia ao reverendo Chun Ki-won, pastor cristão de Seul muito conhecido por ajudar refugiados norte-coreanos que fogem pela China — rota que quase todos os desertores seguem. Ele já foi condenado pela Coreia do Norte e preso na China por ajudar centenas de norte-coreanos a chegarem à Coreia do Sul ou aos Estados Unidos. Mas agora ele diz que seu trabalho se tornou “quase impossível”.

Chun Ki-won, pastor cristão que ajuda refugiados norte-coreanos que fogem pela China, em seu escritório em Seul, Coreia do Sul, em 3 de maio de 2023. Os recentes esforços de resgate para escapar do regime de Kim Jong Un por meio da China foram frustrados pela vigilância digital, pela especulação e pela pandemia. Foto: Chang W. Lee / NYT

A China impôs limites rígidos à travessia de fronteiras e até a viagens internas durante a pandemia. Quando essas restrições começaram a diminuir, nos últimos meses, Chun e outros trabalhadores humanitários receberam uma onda de apelos dos milhares de norte-coreanos retidos no país.

O preço de contratar um traficante de pessoas disparou devido ao aumento do risco de ser pego pela polícia chinesa — a vigilância cada vez mais intensa de Pequim tornou mais difícil evitar as autoridades. O número de norte-coreanos que chegaram à Coreia do Sul em 2019 foi de 1.047 e caiu para 63 em 2022.

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“O declínio nas deserções não decorre da diminuição do desejo dos norte-coreanos de escapar de seu regime opressor”, disse Hanna Song, uma ativista de direitos humanos que monitora refugiados, no mês passado, durante uma audiência no Congresso americano. “Reflete as crescentes dificuldades impostas pelas medidas de vigilância generalizadas da China.”

“Eles estão observando tudo o que faço”

Chun compartilhou centenas de mensagens de texto, arquivos de áudio, registros bancários e outros documentos com o jornal The New York Times para mostrar seu esforço para ajudar o engenheiro de software e a trabalhadora de sexo virtual, Lee. Ele pediu ao Times que omitisse o nome do engenheiro e o primeiro nome da mulher, bem como outros detalhes, para proteger suas identidades.

Lee e o engenheiro não se conheciam, mas ambos encontraram o caminho para Chun pela mesma motivação: sair da China sem serem enviados de volta ao regime repressivo de Kim Jong-un.

“Eles estão observando tudo o que faço”, disse o engenheiro em seu primeiro email para o reverendo, em 2021. Ele chegou à China com milhares de jovens norte-coreanos especialistas em computação. Antes da pandemia de coronavírus, esses profissionais eram enviados regularmente ao exterior para ganhar dinheiro para o regime trabalhando em tecnologia da informação ou praticando crimes cibernéticos.

A Coreia do Norte se mantém isolada da internet e envia esses especialistas altamente treinados para China, Sudeste Asiático e outros lugares para evitar sanções internacionais devido ao seu programa de armas nucleares. Os profissionais costumam morar juntos em dormitórios, onde são instruídos a espionar uns aos outros. Seus mentores procuram sinais de deslealdade, como assistir a seriados da Coreia do Sul.

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Conversando com Chun pelo Telegram, o engenheiro comparou sua vida à de “um pássaro numa gaiola”. Durante o dia, vagava por sites como Upwork em busca de trabalho para ganhar dinheiro para o regime.

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Quando chegou à China, o engenheiro não tinha planos de fugir para a Coreia do Sul. Mas, no ano passado, enviou a Chun um vídeo de seu rosto machucado e disse que foi espancado por desobediência. “Quero viver como um homem livre, nem que seja por um único dia, mesmo que morra tentando”, escreveu.

Grupos de direitos humanos já criticaram Pequim pelas condições de escravidão de muitos norte-coreanos no país, mas seus apelos por uma reação geralmente são ignorados. Quando as autoridades chinesas pegam norte-coreanos tentando fugir para o sul, muitas vezes os trata como migrantes em situação ilegal, não como refugiados, e os envia de volta ao seu país de origem para serem punidos, além de usar sua tecnologia de vigilância para capturar pessoas em fuga ou estrangeiros com status irregular.

Já Lee chegou à China há cinco anos, e seu plano desde o início era desertar. Segundo ela, o homem que a contrabandeou lhe disse que se ela trabalhasse por três meses seria enviada para o Sul. Em vez disso, ele a vendeu para uma norte-coreana casada com um policial chinês em Baishan, cidade próxima à fronteira.

Mulheres como Lee são frequentemente vendidas para homens na China rural que não conseguem encontrar esposas ou para cafetões e traficantes de pessoas que as forçam a trabalhar em redes ilegais de sexo virtual. A mulher de Baishan manteve Lee num apartamento e a forçou a praticar atos sexuais diante de uma webcam. Em janeiro, Lee procurou Chun dizendo que ela e duas outras norte-coreanas estavam prestes a ser vendidas para outro traficante de pessoas e precisavam de ajuda urgente.

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Ajudar refugiados norte-coreanos exige a contratação de traficantes de pessoas em quem se possa confiar, diz Lee Hark-joon, cineasta que dirigiu dois documentários sobre refugiados norte-coreanos.

Mas “a prioridade deles geralmente é o dinheiro, não o refugiado”, afirma ele, citando casos em que os traficantes abandonaram norte-coreanos depois de cobrar suas taxas ou os mantiveram como reféns para extorquir mais dinheiro em troca de não alertar as autoridades.

Impacto da pandemia

O problema tornou-se ainda mais desenfreado após a pandemia. O custo de movimentar um desertor norte-coreano pela China aumentou de milhares de dólares antes da crise sanitária para dezenas de milhares de dólares, segundo ativistas de direitos humanos.

Em janeiro, Chun conseguiu juntar recursos para financiar a operação do engenheiro, de Lee e de suas duas colegas de quarto. Ele contratou um traficante na Tailândia que se associou a outros na China. O plano era transportar os norte-coreanos a um esconderijo em Qingdao, cidade na costa leste chinesa.

Depois que todos se encontrassem, o passo seguinte seria o contrabando da China para o Laos e depois para a Tailândia, onde eles poderiam solicitar asilo na Coreia do Sul, uma rota comum para muitos refugiados. Eles viajariam pela China de carro, pois as verificações de identidade, que se tornaram mais comuns após a pandemia, inviabilizaram o transporte público.

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Chun dividiu a rota para Qingdao em várias etapas, tanto para o engenheiro quanto para as três mulheres. Em cada estágio, os traficantes trocavam de carros para impedir qualquer tentativa de rastreá-los usando reconhecimento facial ou outra tecnologia de vigilância.

A operação começou a desmoronar quando eles não levaram o engenheiro diretamente para Qingdao, mas para uma casa na cidade de Jilin, no nordeste da China, fazendo uma escala não programada no caminho.

Depois de conduzir o engenheiro até a casa, os traficantes contataram Chun para pedir mais dinheiro para comida, roupas e sapatos novos. Na manhã seguinte, estavam saindo de casa para pegar as três mulheres em Baishan quando foram parados pela polícia em Jilin. A polícia também prendeu o engenheiro.

Ele havia sido dado como desaparecido por seu supervisor norte-coreano, e o carro que foi usado para buscá-lo foi identificado por uma câmera de vigilância durante a parada não programada, de acordo com o que contaram a Chun parentes dos traficantes, que agora estão presos.

O reverendo correu para encontrar traficantes que pudessem resgatar as mulheres antes que fosse tarde demais. “Eles estarão esperando você à meia-noite no local designado. É um carro roxo”, escreveu ele para Lee, dizendo que ela deveria segurar um guarda-chuva na mão direita para que fosse identificada.

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No início de fevereiro, os novos traficantes levaram as três mulheres norte-coreanas para o esconderijo em Qingdao. Mas, alguns dias depois de chegar, o policial chinês em Baishan arrombou a porta e invadiu a casa com bandidos, diz Chun, alegando que as mulheres haviam ligado para ele em meio à confusão.

Um dos traficantes deve ter feito um acordo com o marido para trocar as três mulheres por uma recompensa em dinheiro, afirma Chun. “Não há outra explicação.” O engenheiro está agora numa prisão chinesa esperando para ser repatriado para a Coreia do Norte, de acordo com o reverendo. Lá, aqueles que tentaram fugir enfrentam campos de prisioneiros ou coisa pior. Já o paradeiro de Lee continua desconhecido. “Ajudo norte-coreanos há 23 anos”, diz ele. “Nunca me senti tão triste e impotente.”

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