Em maio, o presidente chinês Xi Jinping se encontrou com os cinco líderes das ex-repúblicas soviéticas da Ásia Central em uma cúpula em Xi’an, noroeste da China. Mais que um encontro diplomático comum, a presença de Xi demonstrou um interesse especial de Pequim no evento: consolidar seus laços na região de olho na batalha por influência mundial com os Estados Unidos. E, de quebra, minar a influência da Rússia sobre nações historicamente ligadas a esta.
Foi a primeira vez que as maiores autoridade da China e do Casaquistão, Usbequistão, Tajiquistão, Turcomenistão e Quirguistão se encontraram presencialmente desde que estabeleceram laços, há mais de três décadas. E aconteceu enquanto em Hiroshima, no Japão, os líderes do G-7 se reuniam em uma cúpula paralela.
Dois detalhes que, para os analistas, sinalizam a importância dada ao encontro, apelidado de C+C5. “É claramente uma disputa por influência entre a China e o Ocidente liderado pelos EUA em meio ao que se chama de Nova Guerra Fria”, declarou o especialista em Rússia e Ásia Central da Academia de Ciências Sociais de Xangai, Li Lifan.
O encontro resultou em um pacote de acordos comerciais e investimentos no valor de US$ 3,8 bilhões (R$ 18 bilhões), ampliando um financiamento que cresce desde a Iniciativa Cinturão e Rota, iniciada em 2013. Em 2018, a China já investia US$ 15 bilhões (R$ 71 bilhões) nos cinco países da Ásia Central, ricos em reservas inexploradas de gás natural, petróleo, cobre e urânio. Como maior consumidora de energia do mundo e compartilhando fronteira com estas nações, os interesses dos chineses na região são altos. E cresceram mais ainda nos últimos dois anos.
Rivalidade com a Rússia
Em razão da instabilidade política no Afeganistão e a guerra na Ucrânia, Pequim têm tido um interesse particular na segurança da Ásia Central. O tema foi central no encontro em Xi’an, marcando a entrada da China em um terreno dominado pela Rússia, que tem um compromisso de longo prazo com forças armadas da região. A China tem oferecido compromissos bilaterais a estas nações ex-soviéticas no combate ao terrorismo.
Segundo analistas, Pequim não tenta substituir o papel de segurança da Rússia na Ásia Central. Em vez disso, introduz novas estratégias, como os sistemas de vigilância e desmobilização de protestos, e aumenta a sua influência através de áreas econômicas. Somente o Turcomenistão, por exemplo, é responsável por 70% do gás que é importado pela China. Mais de 90 projetos industriais da região são financiados pelos chineses e o valor das exportações e importações chegou a US$ 70 bilhões (R$ 333 bi) em 2022, segundo levantamento da revista The Economist. Em comparação, o comércio com a Rússia movimentou menos de US$ 40 bilhões (R$ 190 milhões) no mesmo período.
Somadas, as fronteiras terrestres da Rússia e da China com a Ásia Central totalizam 10.300 quilômetros, o que deixa os cinco líderes regionais em uma busca constante de estabilidade com os dois vizinhos. Com a Rússia enfraquecida por causa da guerra na Ucrânia e o temor de também sofrerem uma invasão no futuro, a China aparece na hora certa. “A China intervém e dá aos líderes da Ásia Central muito investimento e tranquilidade”, afirmou a analista Niva Yau, do Atlantic Council, em uma entrevista sobre o encontro ao jornal alemão DW.
Nova Guerra Fria
A importância mútua
Se a China oferta investimento e segurança para a Ásia Central, a Ásia Central oferece uma aliança sólida para a China no momento em que a competição do país com os EUA é chamada de Nova Guerra Fria, tamanho acirramento. No quadro geopolítico, trata-se da maior preocupação da China. Supera de longe uma disputa regional com a Rússia, país que tem se tornado dependente de Pequim devido ao isolamento consequente da invasão na Ucrânia.
Enquanto a cúpula de Xi’an estava em andamento, a China era um dos temas centrais do encontro do G-7 que acontecia em paralelo no Japão. A atenção recebida foi vista pelas autoridades chinesas como um afastamento do Ocidente para barrar o seu desenvolvimento. Como contraponto, o encontro com os líderes da Ásia Central visou fortalecer a região, ter garantia de apoio e se opor às economias ocidentais.
O encontro também oferece possibilidades de Pequim não ser afetada pelas sanções contra a Rússia impostas pelo Ocidente. Na Iniciativa Cinturão e Rota, o país investiu em ferrovias que vão até a Europa através da Ásia Central e as fortalece no momento em que o caminho pela Rússia se tornou mais difícil por causa dos laços cortados com o bloco europeu.
Segundo o professor brasileiro de relações internacionais da Universidade de Relações Exteriores da China, Marcus Freitas, desenvolver e aprofundar laços com estes países é crucial para Pequim transformar a segurança da região e afastá-la do campo de influência dos EUA, que tem estreitado alianças com outros países asiáticos, a exemplo da Índia, Coreia do Sul e Filipinas. “A China trabalha em várias frentes para mitigar a pressão dos EUA e seus aliados. Aumentar o investimento na Ásia fortalece a segurança da região para ela e a cooperação econômica”, declarou.
No fim do encontro, os países sinalizaram o fortalecimento da aliança em um comunicado conjunto, reforçando a ideia de um mundo multipolar cada vez mais falado pela China. “Os partidos enfatizam que a democracia é uma busca e um valor comum de toda a humanidade”, diz. “A escolha do próprio caminho de desenvolvimento e modo de governança de um país é seu direito soberano e não está sujeita a interferências.”
Uma aliança cheia de desconfianças
Mesmo que não seja a disputa central, a ascensão da China na Ásia Central afeta a Rússia. Em parte para se contrapor a Xi, o presidente russo Vladimir Putin prometeu uma série de investimentos em infraestrutura na região, também de olho na construção de gasodutos para transporte de recursos naturais da região. A presença da China mudando a hegemonia russa é um incômodo silencioso.
Segundo uma análise de Temur Umarov, especialista do Carnegie Endownment for International Peace, a Rússia quer o máximo de combustível fluindo através dos sistemas de oleodutos da região do Cáspio e da Ásia Central, onde tem o poder de ligar e desligar. “De tempos em tempos, Moscou lembra a Ásia Central de sua dependência da Rússia, como por exemplo, suspendendo as operações do oleoduto do Cáspio que atravessa o território russo e que o Cazaquistão usa para exportar 80% de seu petróleo”, disse.
Putin também tem outros interesses. Há anos, a Ásia Central é considerada a região mais estável sob influência de Moscou. Com o crescente isolamento do presidente russo, a estabilidade dessa aliança é crucial para as relações exteriores da Rússia.
Embora políticos da Ásia Central tenham evitado apoiar a guerra na Ucrânia, os cinco líderes ex-soviéticos estiveram em Moscou no dia 9 de maio, no desfile militar do Dia da Vitória, o feriado mais importante da Rússia, em demonstração de apoio a Putin.
Moscou depende destas alianças para contornar as sanções do Ocidente. Os bancos centrais do Cazaquistão e do Uzbequistão ajudam a liquidar pagamentos, usando ouro e rublos, para transações que antes da guerra teriam sido feitas através do sistema Swift. As agências de logística e alfândega destes países recebem exportações russas antes de repassá-las para a Europa. E muitos russos migraram para a região, ampliando seu ambiente de negócio.
O resultado é o crescimento das economias da Ásia Central. As moedas do Cazaquistão, Tajiquistão e Uzbequistão subiram em relação ao dólar desde o início da guerra. O Banco Europeu para a Reconstrução e o Desenvolvimento prevê que as indústrias que operam no transporte das exportações russas contribuirão para o crescimento do PIB de 5,2% na região este ano.
As previsões explicam por que para os líderes da Ásia Central os laços estáveis com China e Rússia são importantes. E, enquanto prosperam, a China aprofunda sua influência tornando uma incursão do Ocidente difícil na região e fragilizando a Rússia em seu poderio.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.