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Nova presidente do Peru busca gabinete para contornar crise institucional

Dina Boluarte herda um país mergulhado numa crise política que antecede Castillo e seu maior desafio será nomear ministros que restaurem a confiança dos setores políticos, empresariais e da sociedade

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Foto do author Carolina Marins
Foto do author Fernanda Simas

Em seu segundo dia no cargo de presidente do Peru após o golpe de Estado frustrado de Pedro Castillo, Dina Boluarte tem o desafio de formar um gabinete que mostre um governo diferente de seu antecessor. Embora fosse a vice-presidente na chapa de Castillo, Boluarte recebeu bandeira branca do Congresso para governar com relativa tranquilidade, ao menos por enquanto. Mas analistas alertam que a duração desta paz dependerá dos nomes que indicar para a sua composição de governo.

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O futuro do novo governo dependerá, principalmente, da relação com o Congresso, que foi o principal motivo para a infinita crise política enfrentada por Castillo em seus 16 meses de presidência. Em setembro, Boluarte reiterou sua promessa de que, caso seu líder de chapa caísse, ela convocaria novas eleições gerais. No fim, não cumpriu a promessa e a rápida resposta condenando o movimento golpista de Castillo lhe rendeu uma reação positiva de setores políticos e econômicos do Peru.

“Dina Boluarte toma posse com um cenário complicado, sem uma bancada ou partido no Congresso”, diz a cientista política pela Pontifícia Universidade Católica do Peru (PUCP) Milagros Campos Ramos ao Estadão. “Seu primeiro desafio é construir um gabinete de diálogo, ‘de unidade nacional e ampla base’ e encontrar uma agenda de consenso com reformas constitucionais específicas, avaliando a possibilidade de eleições antecipadas.”

A nova presidente do Peru, Dina Boluarte, falando com o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, no Palácio do Governo, em Lima, em 8 de dezembro de 2022 Foto: Jhonel Rodriguez Robles/Presidência do Peru/AFP

“O primeiro desafio será governar, coisa que Pedro Castillo quase não fez, pois foi um presidente de sobrevivência”, concorda Fernando Tuesta, analista político e professor da PUC Peru. “Ela tem esse primeiro desafio e não é pouca coisa porque três anos e meio no Peru é muito tempo, é um longo prazo em um país cheio de fraturas, raiva e alta polarização”, completa em referência às próximas eleições programadas.

A advogada de carreira conseguiu descolar rapidamente a sua imagem da de Castillo, mesmo tendo sido ministra de Desenvolvimento e Inclusão Social e sua vice na chapa do partido de esquerda Perú Libre, do qual foi expulsa em janeiro por “traição por nunca ter abraçado a ideologia do partido”, segundo o líder Vladimir Cerrón.

Aos poucos, conforme Castillo dava sinais de que poderia utilizar a cartada da dissolução do Congresso para impedir a votação de um terceiro pedido de impeachment, Boluarte tentou mediar a situação, segundo jornais peruanos, citando fontes de dentro do gabinete presidencial. Mas, sem obter sucesso, ela continuou se distanciando do presidente até não fazer parte mais de seu ciclo de confiança, de acordo com o La Republica.

Trégua

Foi este afastamento que evitou que Boluarte caísse junto com Castillo na quarta-feira, 7, quando o Congresso adiantou a votação que aprovou o impeachment do presidente. Seu primeiro discurso, já na quarta, deu os primeiros sinais da trégua com o Parlamento, quando falou em “unidade nacional” e pediu que deixassem de lado as ideologias. Como resposta, ela recebeu o apoio da oposição liderada por Keiko Fujimori bem como de seu ex-líder de partido, Cerrón.

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De acordo com analistas, o motivo para esta bandeira branca inicial é claro: todos querem evitar uma nova eleição geral. Boluarte indicou que cumprirá este desejo na tarde desta quinta, quando prometeu que vai seguir as regras constitucionais e disse que eleições antecipadas são inviáveis no momento. “A Constituição é a Carta Magna que todos os peruanos devem obedecer. (O resultado) da eleição vai até 28 de julho de 2026″.

“Dina Boluarte deu uma mensagem de consenso, mas uma coisa é a teoria e outra coisa é a prática. Vamos ter uma trégua democrática até que o Congresso mostre novamente seu obstrucionismo”, afirmou a cientista política Alexandra Ames ao jornal peruano La República. “Ela tem que convocar um gabinete técnico, mas que inclua as aspirações de todas as partes”.

A formação de seu gabinete é justamente o maior ponto de atenção esta semana, não só para o Congresso, mas também para o setor empresarial do país. A nomeação acompanhada com maior expectativa é a de seu primeiro-ministro. Até o fim da tarde desta quinta-feira, Boluarte não havia indicado nomes e estava em constantes reuniões no palácio do governo.

“O fundamental será convocar um gabinete de pessoas com experiência política e com carreira profissionais importantes, algo que o governo Castillo não fez”, pontua Fernando Tuesta ao Estadão.

O presidente destituído do Peru, Pedro Castillo, sendo escoltado pela polícia após tentar um golpe de Estado Foto: Renato Pajuelo/AP

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“Se for um gabinete semelhante aos que Pedro Castillo costumava montar, pessoas sem experiência, com antecedentes criminais, etc., o empresariado obviamente não terá confiança nela”, afirmou o ex-ministro da Economia e diretor do Banco Central peruano, Carlos Oliva ao jornal El Comercio. “Mas se ela nomear um primeiro-ministro reconhecido e habilitado, será um primeiro grande passo para restaurar a confiança. Depois disso, resta saber que políticas ela vai adotar.”

O professor Fernando Tuesta também destaca que, em um claro sinal de que pretende governar de forma diferente a de seu antecessor, a nova presidente fez sinalizações positivas à imprensa, com quem Castillo teve sérios problemas de relacionamento. Seu primeiro ato esta manhã como presidente foi convocar uma entrevista coletiva e pedir “trégua” aos meios enquanto forma seu gabinete.

Crise prolongada

Mas além da composição de governo e o desafio de manter um relacionamento amigável com o Congresso, Boluarte terá de lidar com possíveis acusações na Justiça. Embora a impopularidade e estar em minoria tenha sido fundamental para a crise política infinita de Castillo, foram as acusações de corrupção - que lhe renderam a primeira investigação de um presidente em exercício - que escalaram a queda de Castillo.

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“Embora o apoio do Congresso seja essencial, não será suficiente”, adverte Milagros Campos Ramos. “Ela deve encontrar um equilíbrio com as forças não parlamentares e, sobretudo, distanciar-se dos atos de corrupção em que seu antecessor esteve envolvido. A queda de Castillo não se deve apenas à falta de apoio do Congresso, mas às alegações de corrupção em face das quais ele foi encurralado e a ordem constitucional foi quebrada.”

Neste sentido, Boluarte chega com algumas investigações, ainda que parte do setor político esteja agora fazendo vista grossa em nome de uma formação de governo. Ela esteve envolvida em acusações de lavagem de dinheiro por parte do partido Perú Livre durante a campanha presidencial de 2021.

Outras acusações constitucionais incluem abuso de autoridade, por exemplo, o que a impediria de assumir um cargo a presidente, mas o Congresso optou por exonerá-la de responsabilidade há alguns dias, possivelmente pensando na possibilidade de afastar Castillo.

Oponentes do presidente peruano Pedro Castillo comemoram sua destituição com um cartaz que diz: 'também derrubaremos Dina Boluarte' Foto: Martin Mejia/AP

Frente a tantos rearranjos políticos para conseguir colocar em funcionamento um governo, analistas estão céticos de que Boluarte conseguirá resolver uma crise que atinge o Peru há pelo menos oito anos. O desafio será justamente manter a paz com o Parlamento sem cair no mesmo destino de Martín Vizcarra que, após substituir Pedro Pablo Kuczynski, foi impedido pelo Congresso, onde também não tinha bancada de sustentação política.

“A curto prazo, o Peru precisa buscar um acordo político mínimo, começando com os sinais que serão dados pela presidente quando ela confirmar seu gabinete”, afirma Campos Ramos. “Deve-se recuperar a idoneidade profissional e pessoal dos ministros e outras autoridades de alto nível. A médio prazo, tem que ser feita uma reforma mínima do sistema de governo, eliminando a proibição de reeleição imediata, regulamentando o impeachment, que não existe em casos de corrupção ou outros crimes graves, e abordando as políticas públicas. E isto deve incluir os cidadãos.”

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