Novas suspeitas aparecem na Dinamarca sobre sabotagem do gasoduto Nord Stream 2

Para pesquisadores, é possível que alguns países saibam mais sobre o episódio do que admitiram até o momento

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Por Erika Solomon

CHRISTIANSO, DINAMARCA - Embarcações russas e dinamarquesas que desaparecem no Mar Báltico dias antes da explosão de um duto subaquático. Vestígios de explosivos foram encontrados em um iate alemão alugado, cuja tripulação usava passaportes falsos. Fotografias pouco nítidas de um objeto misterioso encontrado perto do último fio sobrevivente do duto.

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Essas são as pistas mais recentes na caçada para revelar quem, em 26 de setembro, explodiu a maior parte dos dutos Nord Stream, defendidos pelo Kremlin, a uma profundidade de 80 metros abaixo da superfície do Mar Báltico, que já foram o maior fornecedor de gás natural da Europa.

Semanas atrás, uma reportagem do New York Times envolvendo novas informações, e as revelações da polícia alemã anunciadas pela imprensa da Alemanha, indicaram uma possível solução para o mistério do Nord Stream: agentes pró-Ucrânia que teriam alugado uma escuna alemã para realizar uma operação secreta fantástica.

Nesta foto fornecida pela Guarda Costeira Sueca, um vazamento do Nord Stream 2 é visto, em 28 de setembro de 2022 Foto: Swedish Coast Guard via AP

Desde então, uma série de novas revelações e narrativas concorrentes semeou a desconfiança entre os aliados ocidentais e ofereceu uma abertura para a pressão diplomática russa, aumentando as apostas geopolíticas na região europeia do Báltico.

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O ponto onde a tensão se faz sentir com mais intensidade é entre os 98 habitantes da ilha de Christianso, na Dinamarca, tão pequena que pode ser atravessada a pé em apenas 19 minutos. Morando a 12 milhas náuticas do local da explosão, todos enxergam problemas no horizonte, do ajudante de pesca até o dono da taverna.

“Antes da explosão, ninguém falava no Nord Stream. Eu nem sabia como estávamos perto até tudo acontecer”, disse Soren Thiim Andersen, governador de Christianso. “Em seguida, passamos a nos sentir expostos. Todos se perguntam: o que de fato aconteceu aqui?”

A escuna no centro da investigação alemã, chamada Andrômeda, atracou no porto de pedra de Christianso depois de ser alugada no porto de Rostock, norte da Alemanha, em 5 de setembro, e passar a noite em Wiek, porto mais obscuro na mesma região onde não há câmeras de segurança e pouca supervisão das autoridades.

Passaporte falso

Um funcionário do porto local, que pediu para não ser identificado por causa das investigações em andamento, disse ao Times que se lembra bem daquela visita: fez várias tentativas de falar com aquela tripulação, primeiro em alemão e, depois, em inglês. Em vez de tentar alguma resposta no idioma que fosse, um homem simplesmente entregou a ele a tarifa de uso do porto e lhe deu as costas.

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Agora o Andrômeda jaz num dique seco voltado para o Mar Báltico, desmontado pelos investigadores. Três oficiais alemães disseram ao Times que os investigadores encontraram vestígios de explosivos no barco, e descobriram que dois tripulantes usaram passaportes búlgaros falsos.

Essa caçada os levou de volta a Christianso, onde Andersen disse que, em dezembro, a polícia dinamarquesa pediu a ele que publicasse no Facebook um apelo para que os moradores enviassem fotos do porto ou de navios feitas entre 16 e 18 de setembro, mais ou menos na época em que acredita-de que o Andrômeda teria passado por ali. Os investigadores chegaram um mês mais tarde para entrevistar os moradores e analisar as fotos.

Os habitantes de Christianso ridicularizaram a ideia de que uma escuna de 15 metros de comprimento seria capaz de um ataque tão espetacular, conclusão semelhante a de especialistas navais da Alemanha, Suécia e Dinamarca.

Uma torre do início do século 19 ergue-se sobre o porto de Christianso, um pequeno arquipélago com apenas 98 habitantes sob a administração do Ministério da defesa dinamarquês no Mar Báltico, perto dos locais de explosão do oleoduto Nord Stream  Foto: Tom Little/Reuters - 9/3/2023

Eles argumentam que, mesmo com timoneiros habilidosos, instalar os explosivos necessários no fundo do mar a uma profundidade de 80 metros seria extremamente desafiador para uma tripulação de seis, resultando em uma explosão violenta a ponto de marcar 2.5 na escala Richter.

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“Saber como a explosão funcionaria, com a pressão de tais profundidades, é algo que exige um conhecimento muito especializado. Como funciona a física nesse caso?” disse Johannes Riber, oficial da marinha e analista do Instituto para a Estratégia e Estudo da Guerra, da Dinamarca, que chamou a hipótese de “teoria do James Bond”.

Ele disse que ainda não se pode responder se o Andrômeda foi um disfarce ou parte de uma missão maior. Mas, de acordo com ele, o ataque mais plausível envolveria um drone ou mini submarino para instalar os explosivos, e embarcações submarinas profissionais ou da marinha equipadas para perfuração.

Riber e outros apontaram também para as fotografias do resultado da explosão — tubulação retorcida, rachaduras e crateras no leito marinho — como indícios de uma bomba de grandes proporções, algo da ordem de 1.000 a 1.500 quilogramas.

“Não foi obra de alguns pedaços de explosivos plásticos”, disse Riber. “Houve aqui uma explosão poderosa.”

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Mas um especialista nesse tipo de tubulação e um mergulhador que participou da equipe que instalou os dutos do Nord Stream 2 no ano passado discordaram. O especialista e o mergulhador, que trabalha com regularidade no Mar Báltico, insistiram que um explosivo plástico de pequeno porte poderia causar o estrago, desde que fosse instalado perto de uma emenda do duto. Eles pediram para não serem identificados pois estavam falando sem a autorização da Nord Stream.

“É como acender um fósforo ao lado de uma bomba de gasolina vazando — o gás é tudo que precisamos”, disse um mergulhador.

No fim de março, diplomatas russos apresentaram outra reviravolta: revelaram que, em fevereiro, a Nord Stream 2 tinha contratado uma embarcação para inspecionar seus dutos, que descobriu um objeto não identificado perto de uma emenda do único duto intacto, a cerca de 30 quilômetros do local das explosões. A empresa alertou a Rússia e a Dinamarca, que controla as águas onde o objeto foi avistado.

Mesmo sob a pressão do principal assessor de política externa do presidente russo, Vladimir Putin, que convocou o encarregado de negócios da Dinamarca a Moscou, a Dinamarca resistiu inicialmente à ideia de oferecer muita informação à Rússia ou à empresa, além de divulgar ao público uma foto pouco nítida de um cilindro de 30 centímetros coberto de algas.

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Na semana passada, autoridades dinamarquesas permitiram à Nord Stream 2 observar seu mergulho para recuperar o objeto, divulgando imagens do cilindro escuro, agora limpo. O Ministério da Defesa da Dinamarca disse que o objeto pode ser parte de uma boia de fumaça.

Mas o embaixador da Rússia na Dinamarca, Vladimir Barbin, disse ao Times que especialistas em Moscou acreditam que o cilindro seria parte de um explosivo.

“A credibilidade da investigação realizada por Dinamarca, Alemanha e Suécia é prejudicada pelo seu sigilo contínuo, bem como a recusa em cooperar com a Rússia”, escreveu Barbin em declaração ao Times.

Pressão

E o próprio Putin segue usando o incidente para pressionar a Dinamarca a defender as demandas de Moscou por uma investigação internacional conjunta. No dia 5 de abril, ele alertou que a situação no Mar Báltico estava se tornando “literalmente turbulenta”.

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Mesmo com Moscou pressionando por uma investigação conjunta, outras revelações apontam o dedo para a própria Rússia.

O site alemão de notícias T-Online trabalhou no fim de março com um investigador independente, Oliver Alexander, para apresentar as trajetórias de seis embarcações russas cujos nomes eles disseram ter recebido de “uma fonte do serviço de espionagem de um país da Otan”.

As descobertas deles revelaram que tais embarcações desapareceram dos sinais de satélite no dia 21 de setembro, mais ou menos quando os habitantes de Christianso observaram embarcações que sumiram de seus aplicativos — depois de se afastarem do curso durante um exercício marítimo russo anunciado publicamente.

Uma imagem de satélite mostra gás do gasoduto Nord Stream borbulhando na água após incidentes no Mar Báltico, nesta foto divulgada em 29 de setembro de 2022 Foto: Roscosmos/Handout via Reuters

Essa informação pode corresponder a uma pista inicial que, de acordo com uma autoridade alemã, teria sido explorada no fim do ano passado por serviços alemães de espionagem que também acompanhavam embarcações russas em exercícios navais, mas não conseguiram transpor a distância de aproximadamente 20 milhas náuticas entre o ponto em que algumas delas se afastaram do curso e o local das explosões.

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A investigação independente também descobriu que uma embarcação da Marinha dinamarquesa, o Nymphen, navegou para a mesma região que os navios russos nas horas após o seu desaparecimento. O Nymfen também desligou seu sinal ao chegar ao local.

Um dia depois, um caça sueco percorreu uma trajetória incomum sobre a região, seguido por uma embarcação sueca que permaneceu perto da área onde posteriormente as tubulações da Nord Stream 1 explodiram.

Para esses pesquisadores, é possível que essas forças tenham ido ao local verificar, indicando que talvez alguns países saibam mais sobre o episódio do que admitiram até o momento. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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