Uma dramática liquidação e reorganização do alto escalão militar chinês ganhou força na última semana quando o Partido Comunista, governante, dispensou oficiais de alta patente e nomeou um comandante naval como Ministro da Defesa quatro meses depois do seu antecessor ter desaparecido em meio a uma ampla operação de combate à corrupção.
Passado um ano desde o início do seu terceiro mandato, Xi Jinping, o mais poderoso líder da China das décadas mais recentes, está tentando (novamente) coibir uma corrupção arraigada que ameaça suas ambições de transformar o Exército de Libertação Popular em uma força de combate de nível mundial, capaz de rivalizar com os Estados Unidos.
Anunciada na sexta feira, 29, a promoção do almirante Dong Jun, 62 anos, ex-chefão da marinha chinesa, ocorreu em meio à notícia de que uma dúzia de generais e executivos do alto escalão de empreendimentos comandados pelo governo tinham sido afastados do legislativo do país e do seu principal corpo consultivo político.
O que explica o tumulto no alto escalão militar chinês?
A dimensão da reorganização do pessoal, anunciada em reuniões de funcionários do alto escalão do Partido Comunista chinês em Pequim, indica a severidade da investigação de corrupção entre os militares que, nos meses mais recentes, envolveu a compra de armamento e uma divisão de foguetes responsável pelos arsenais nuclear e de mísseis do país.
A China não disse por que o ex-Ministro da Defesa, Li Shangfu, foi afastado do cargo em outubro depois de passar dois meses sem ser visto em público.
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Mas funcionários do governo americano dizem que Li provavelmente foi envolvido na investigação de casos de fraude nas licitações e falta de supervisão no Departamento de Desenvolvimento de Equipamento, que tem como missão melhorar a tecnologia militar chinesa. Funcionários de alta patente encarregados da supervisão da força responsável pelo arsenal nuclear da China também foram substituídos sem aviso em agosto.
Dos nove oficiais de alta patente expulsos do Congresso Nacional Popular na sexta feira, todos parecem estar ligados direta ou indiretamente a Li Li.
Alguns trabalharam no Departamento de Desenvolvimento de Equipamento durante a gestão de Li entre 2017 e 2022; outros estavam na força de foguetes ou no programa espacial.
“Algo de grandes proporções deve ter ocorrido para desencadear um expurgo desse tipo”, muito provavelmente um grande escândalo de corrupção ou vazamento de informações sigilosas, publicou no X (antigo Twitter) Lyle Morris, pesquisador sênior do Asia Society Policy Institute.
O que isso significa para a estratégia militar da China?
Especialistas nas forças armadas chinesas dizem que a reorganização e a nomeação de Dong devem alterar pouco o ambicioso programa de modernização militar da China ou a abordagem do país para suas relações com os Estados Unidos.
Na China, o cargo de Ministro da Defesa é essencialmente cerimonial, correspondendo à diplomacia militar e ao engajamento internacional. As principais decisões estratégicas de alto nível vêm dos membros mais graduados da Comissão Militar Central, presidida por Xi.
Diferentemente do seu antecessor, Dong ainda não é membro da comissão.
A incomum escolha de um oficial da Marinha faz parte de uma longa reorganização priorizando o poderio naval, que a China considera essencial para alcançar a supremacia nos oceanos Índico e Pacífico e projetar suas ambições de soberania em relação a Taiwan, a ilha democrática que Pequim considera parte do seu território.
Dong, que passou toda a carreira na Marinha, tem experiência no comando da expansão das frotas chinesas em rápida expansão que o país usa para defender suas ambições territoriais nos mares do sul e do leste da China. Também esteve envolvido em exercícios navais conjuntos com a Rússia, que a China considera uma parceira importante nos seus esforços para dominar a região.
E quanto aos Estados Unidos?
Analistas militares dizem esperar que Dong, enquanto nova face pública do EPL, pressione pela renovação de um diálogo entre as forças armadas da China e dos EUA, acertado quando os presidentes Biden e Xi se reuniram em novembro.
Mas a dinâmica fundamental das relações entre os dois países deve mudar pouco, e promoções dentro da Marinha indicam que a China está se concentrando cada vez mais nos mares do sul enquanto área de disputa militar com os EUA e seus aliados, de acordo com nota de pesquisa do Eurasia Group.
Esforços para amenizar as tensões seguem precários e podem facilmente perder o rumo se as agressivas táticas militares chinesas desencadearem uma nova rodada de hostilidades, alertam os analistas.
Um reinício das relações tem sido complicado pelos tensos impasses entre Pequim e as Filipinas envolvendo ilhas contestadas, as declarações cada vez mais agressivas envolvendo Taiwan e frequentes operações de interceptação por embarcações e aviões de combate chineses contra alvos dos EUA e seus aliados. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL
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